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  • Foto do escritorLays Vieira

A potência do cinema político

Tiradentes

Sexto dia de debates discute a necessidade por diversidade no cinema brasileiro e as dificuldades na circulação de obras, especialmente de produções independentes

Vídeo está disponível no canal do YouTube da Universo Produções. Foto: Divulgação


Ontem (27), a 24º Mostra de Cinema de Tiradentes realizou um dos melhores debates da edição deste ano. A mesa redonda intitulada “Cinema como intervenção política” contou com mediação do crítico e professor Juliano Gomes e participação da co-diretora Julia Mariano (Sementes: mulheres pretas no poder) e dos diretores Aiano Bemfica (Entre nós talvez estejam multidões), Jean-Claude Berbardet e Rubens Rewald (ambos de #eagoraoque); e foi guiada por duas indagações fundamentais: o cinema tem uma função política? E, se sim, qual o caminho?


Por um lado o debate foi muito mais do que essas duas indagações, por outro lado, o fato de que o político é tema fundamental quando se fala de arte. Juliano Gomes abriu o debate colocando um aspecto central no mundo neoliberal: a ideia de intervenção política e/ou mudança social se torna cada vez mais uma mercadoria simbólica valiosíssima no século XXI (nos seus grandes produtos), especialmente com a ampliação das tecnologias midiáticas. Além de evidenciar as contradições do neoliberalismo, essa situação impõe novos desafios para quem faz filmes, especialmente filmes políticos. Por isso, algo que foi reiterado por todos da mesa foi a organização em torno desses processos.


Segundo Juliano, o capitalismo vende a mudança social como uma commoditie (grandes produções da Netflix, Amazon Prime e outros streaming e estúdios adotam o discurso da diversidade e lucram bastante) então: como organizar as imagens, colocar sentido nelas, em um mundo de insana proliferação imagética via redes socais? Como trabalhar a intervenção política sem ser apenas um slogan em si, mas sim algo de fato frutífero? A diferença está no nível do discurso?


Julia Mariano tenta responder a tais inquietações defendendo que uma maneira de fugir dessa lógica de intervenção política como commoditie é pensar a forma como esse cinema é feito (quem são as pessoas que compõem a equipe, como se conta a história, para qual público, como se distribui esse filme, etc), porque isso também é um ato político. “Não adianta você querer fazer cinema político se você reproduz a forma do cinema comercial”. É necessário abrir espaços para outros olhares e para se contar outras histórias de outras formas. E mais: pensar aonde esses filmes chegam, para que público e qual a estratégia para viabilizar o caminho, a distribuição. Isso também pesa para o cinema político. Ou seja, segundo a co-diretora, produção e exibição podem ser maneiras de fugir da vertente comercial, além da organização imagética e dos personagens em cena. Precisamos “buscar diversidade no cinema brasileiro que é tão branco”.


Complementando essa posição, Rubens Rewald acrescentou que as motivações para se fazer um filme (fazer não só como aventura artística, mas também como ação política) tem grande peso.

A distribuição também foi eleita por Jean-Claude Berbardet como fulcral no cinema, especialmente o que se propõem político, entretanto com uma perspectiva um tanto quanto polêmica: “o político do cinema é como a sociedade, o público, a imprensa, etc, se relaciona com o filme”. Segundo ele, esse caráter não se daria pelo tema, mas pela reação e relações estabelecidas por quem assiste, já que não existiria uma essência em si do caráter político na sétima arte.


Por outro lado, o ativista e diretor, Aiano Bemfica traz uma potente perspectiva de “trabalho de base” dentro da produção audiovisual. Segundo ele, o fundamental em um cinema político é o regime de alianças, de coletividade, que o processo constrói (a relação com organizações que irão participar – movimentos socais, por exemplo -, formação da equipe, etc). Aiano e Julia tem posições que se relacionam diretamente e colocam em destaque a diversidade de vozes, a força histórica (de registro) e de pulsão de luta da imagem (enquanto construção de um repertório, por exemplo) e da circulação das obras.


Mas, como bem apontado por Juliano Gomes, em um contexto onde o capitalismo capta essas pautas e a circulação tem peso, pode-se cair no grande erro de achar que o termômetro da obra é o número de pessoas que a assiste. Um erro, pois, se desconsidera, ou se entende como fácil, algo que na verdade não o é. Respostas possíveis de uma obra no espaço público é algo difícil de medir, além de sofrer influência direta da máquina publicitária. Outro ponto que não deve ser deixado de lado aqui é que o discurso político se modificou, e nós nesse Brasil pós 2018 sabemos bem como é isso. O discurso político se performatizou, vide a campanha presidencial de Bolsonaro.


Assim, muito do que diferencia o circuito comercial de produções independentes, por exemplo, é muito menos o tema em si político e mais a possibilidade de gerar respostas concretas quando a obra chega a diversas populações (por exemplo: se candidatar a algum cargo público, entrar em um movimento social, etc). Porém, como chegar nas populações menos privilegiadas? Esse é o grande desafio que fica.


A título de conclusão, vale ressaltar um importante comentário feito por Aiano Bemfica: nenhum formato garante que um filme vai ser bom ou ruim. Filmes são processos e eles afetam todas as pessoas envolvidas nesse processo. Isso não necessariamente salva um filme, mas é algo fundamental enquanto ato político e possibilidade de mudança. “Um filme sozinho não dá conta de mudar tudo”, mas o cinema político é uma potência mesmo que ele não se dê em uma esfera pública ampla.


O ponto baixo da noite foi que mesmo perante a proposta e os debates do festival, o cinema ainda tem amarras contraditórias e necessárias: a live que encerrou o sexto dia do evento, logo após a mesa redonda acima referida, apesar de tema relevante, foi apenas uma grande exposição publicitária envolvendo um dos patrocinadores.


Assista o debate:




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