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A psicodelia de Ronnie Von

Música


Há 50 anos o cantor lançava o disco ‘A Máquina Voadora’, considerado um dos precursores da psicodelia na Música Brasileira; álbum é aclamado como um dos melhores da MPB



Capa do disco 'A Máquina Voadora' - Foto: Reprodução



“Vamos pra rua fazer uma tremenda anarquia”, canta Ronnie Von, 75, em “Anarquia”. Se o The Who havia cantado em 1964 os anseios da juventude em “My Generation”, Ronnie faz a mesma coisa por aqui no final da década de 1960, e se tornou era o ícone supremo do underground. De certa forma, o ‘Príncipe’ foi o responsável por uma leva de artistas malucões que faziam um som diferente de tudo o que rolava nas rádios, impulsionando o surgimento de músicos que deram uma nova roupagem à música brasileira.


Em 1968, o cantor e compositor resolveu enveredar pela música psicodélica com o disco homônimo: era um álbum fortemente influenciado pelo clássico dos Beatles “Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band”, lançado um ano antes, e tinha uma pegada tropicalista, com letras conceituais, musicalidade experimental, riffs ao estilo da banda The Big Brother Hold Company, de Janis Joplin, versos poéticos e com uma vinheta entre as faixas. Mais de cinco décadas depois, o trabalho ainda é aclamado como o ponto alto da discografia de Ronnie.



Cantor fez história ao lançar uma sequência de discos psicodélicos - Foto: Reprodução


Nascido no dia 17 de julho de 1944, o ‘Príncipe’ apareceu na música pop brasileira fazendo enorme sucesso na metade da década de 1960. Embora fosse ligado às tendências comportamentais da juventude, recusava-se a ser associado ao movimento da Jovem Guarda, sucesso infernal no rádio e na televisão com iê-iê-iê mamão com açúcar de Roberto Carlos, Wanderléa e Erasmo Carlos. Com viés vanguardista e pegada infinitamente contracultural, Ronnie estreava na TV Record o programa “O Pequeno Mundo de Ronnie Von”, em 1966.


A mídia, então, tratou de alimentar uma rivalidade entre o ‘Rei’ e o ‘Príncipe’. Se Roberto cantava músicas com letras mais suaves, sobre amores rasantes e paixões mornas, Ronnie levava para seu programa uma turma que estava promovendo uma verdadeira revolução cultural no País: Caetano Veloso, Gilberto Gil e Os Mutantes se tornaram presença cativa antes mesmo de o tropicalismo explodir em 1968, com o disco-manifesto “Tropicalia ou Panis et Circencis”, eleito pela revista Rolling Stone o melhor da música brasileira.



Os Mutantes foram uma das bandas 'reveladas' por Ronnie Von - Foto: Reprodução



“Eu acho Ronnie Von tão importante quanto Roberto Carlos, porque Ronnie apresentou uma outra coisa para a gente. Permitiu a gente ser quem a gente era”, explica a cantora Rita Lee ao jornalista Ricardo Alexandre em depoimento que faz parte do documentário “Ronnie Von: Quando Éramos Príncipes”, do diretor Caco Souza. Entre o final da década de 60 e início dos anos 70 Ronnie mergulhou na psicodelia e lançou “A Misteriosa Luta do Reino de Passatempo Contra o Império de Nuncamais”, em 1969, e “A Máquina Voa”, em 1970.


Ápice


De olhos verdes, cabeludo e de saco cheio de ser sempre associado à Jovem Guarda, o cantor e compositor Ronnie Von resolveu dar uma passo adiante e fez uma sequência de discos conceituais inspirado nos livros escritos pelo francês Antoine de Saint-Exupéry. O mais famoso deles é “A Máquina Voadora”, de 1970. “Eu queria me livrar disso (ser associado à Jovem Guarda) de qualquer maneira, poder fazer aquilo que queria”, lembra o Ronnie, em entrevista que pode ser conferida no documentário “Ronnie Von: Quando Éramos Príncipes”.


Fã dos Beatles, banda que o cantor diz ter lhe “enlouquecido”, Ronnie queria fazer gravar uma canção do quarteto inglês, com uma pegada psicodélica, diferente de tudo o que era feito até então. “Foi um disco emblemático”, define o produtor musical Arnaldo Saccomani, que assina a faixa “Baby de Tal”. “O cara chegou e falou: ‘não quero saber de musiquinha da Jovem Guarda, de Roberto Carlos, eu quero gravar uma canção dos Beatles, o que na época era muito ousado’”, rememora Saccomani, também em depoimento que faz parte do filme.



Segundo Ronnie Von, o som dos Beatles lhe enlouqueceu - Foto: Reprodução



De fato, o disco impressiona ainda hoje pela sonoridade bastante experimental para os padrões da época, com suas letras sobre aviação, guitarra distorcidas, riffs contundentes, groove chamativo e, é claro, com a voz encorpada de Ronnie no centro da coisa toda. Provavelmente, “A Máquina Voadora” é o primeiro disco psicodélico feito no Brasil e escancarou a porta à geração dos anos 70 para de Mutantes e toda aquela turma roqueira entrar, modificando os padrões estéticos que eram usados na música jovem do período.


Mesmo sendo um álbum musicalmente refinado do início ao fim, “A Máquina Voadora” passou longe de ser bem recebido pelo público. Foi ignorado pelas rádios, desprezado pela crítica e era visto como o registro de um dos períodos mais insignificantes da carreira de Ronnie. Apenas três décadas depois, porém, o disco acabou sendo ‘redescoberto’. Em 2011, o programa “Som do Vinil”, no Canal Brasil, teve edição dedicada especialmente ao primeiro disco da fase psicodélica de Ronnie.


Dois anos depois, a Polysom reeditou “A Máquina Voadora” em LPs de 180 gramas. E a importância, a ousadia e a relevância estética e musical de Ronnie Von passaram a seguir vivas após a iniciativa. Ronnie marcou época na Música Popular Brasileira e faz um som em perfeita sintonia com as transformações comportamentais, sociais, políticas e culturais que rolavam no mundo. Por essas e por outras, trata-se de um artista ímpar com uma trajetória igualmente. É um patrimônio do rock and roll brasileiro.



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