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  • Foto do escritorMarcus Vinícius Beck

A psicose de Hitchcock

Cinema

Diretor mudou a linguagem cinematográfica com obras-primas do suspense, mas hoje seus filmes estampam misoginia

Telecine homenageia diretor inglês com especial que tem 14 filmes - Foto: Reprodução


Será um exercício de desconstrução assistir como o cineasta Alfred Hitchcock retratava as mulheres à luz da emancipação feminina das últimas décadas: suas heroínas frágeis, carentes de arrimo masculino, como a frígida Marnie (Grace Kelly), são o retrato estampado da misoginia hitchcockiana. Foi à conclusão que chegou a crítica cultural feminista Tania Modlesky em “The Woman Who Knews Too Much”, em tradução livre “As Mulheres Que Sabiam Demais”, tese transformada em livro no final dos anos 1980.


Hitchcock, obviamente, era machista. O que ele fez com Grace Kelly, Kim Novak, Tippi Hedren e outras tantas para atender suas fantasias cinematográficas é intrigante. Qual a fissura dele em criar personagens ladras, problemáticas psicologicamente, necessitadas da presença masculina (como se isso fosse de suma importância)? Por que o mestre do suspense tinha tanto frisson em gravitar em torno de histórias esdrúxulas?


Talvez uma explicação venha da rigidez com a qual foi educado. Nascido em Londres no dia 13 de agosto de 1899, sua biografia conta com um episódio que representa bem como era sua figura paterna: seu pai lhe enviou a uma delegacia, de posse de um bilhete, pedindo para que o delegado o mandasse para o xadrez. A experiência, sob todos os ângulos possíveis, é bastante traumática. Hitchcock jamais se livrou dela.


De certo modo, ele explorou seus medos e os levou à telona: Hitch ajudou a forjar o cinema de suspense, sem deixar de lado o humor, sempre macabro. Seus personagens demonstravam personalidades suspeitas com ímpeto de cometer desvios morais. Oscar Wilde e a máxima “Deus me livre das dores físicas; eu me encarrego das morais” parece cair com uma luva de pelica para definir o jeito hitchcockiano de fazer cinema.


Para comemorar os 125 anos do cinema, o streaming Telecine e o canal Telecine Cult escolheram homenagear – com 14 filmes – essa figura que fez uso de todos os recursos de sua época para tornar a arte de filmar grandiosa. Efeito vertigem, reviravoltas e planos sequência são ferramentas usadas pelo diretor para desenvolver uma tensão que envolvia o espectador do início ao fim das tramas, e que o credita como mestre.


O especial começa amanhã, com “O Sabotador”, filme de 1942 com Robert Cummings, Priscila Lane, Norman Lloyd e Otto Kruger no elenco. A história, que parte de um desastre que acometeu um operador de fábrica que vê seu melhor amigo morrer após um incêndio provocado por um sabotador, desemboca numa rede de espionagem nazista. Aqui há a premissa do estilo que marcaria Hitch: a luta do inocente para provar que não é culpado. Sem, é lógico, a excelência de suas obras-primas.


Diretor popular


Hitchcock teve uma primeira fase, na Inglaterra, outra mais longeva nos Estados Unidos e a terceira, quando regressou ao cinema inglês. Ele foi um dos mais populares dos diretores de sua época porque, preocupado com marketing pessoal, inventava fazer pontas em seus filmes. O público queria assisti-lo e, sentindo que eles já não prestavam atenção no que dizia, tratou de aparecer logo no início das obras.


Em “Psicose”, por exemplo, que também está na Mostra 125 anos de cinema, ele aparece passando o chapéu na janela do escritório. Esse filme, por sinal, é cheio de tensão: Marion Crane (Janet Leigh) decide fugir com 40 mil dólares, dinheiro que ela roubou do escritório em que trabalhava. À noite, com um toró caindo, refugia-se num motel de beira de estrada e acaba sendo assassinada pelo dono, personagem interpretado pelo ator Anthony Perkins. É, disparadamente, o melhor filme de Hitch. Ou seja, a obra é marcada pelo suspense, aquela tensão típica do diretor.


A construção da obra era guiada por uma ideia que, olhada com o distanciamento da história, faz sentido: ninguém pode entrar no cinema depois que a sessão tenha sido iniciada. Daí o mestre do suspense criou uma grande sacada publicitária: uma cena de chuva que provocou um verdadeiro escândalo em Hollywood, com... 45 segundos!


Maluco com o que viu, Brian de Palma copiou trechos do filme. Na cara dura. Era fã.

Graças a Hitchcock, sem dúvida, o público aprendeu a diferenciar suspense de mistério. O que é mais importante? Descobrir quem matou ou caminhar por outras dimensões da natureza humana, muitas vezes sendo um convite a questões existenciais complexas? Hitchcock sempre se preocupou em retratar a frente e o verso do mundo.


Por isso, o especial do Telecine é uma acertada escolha, além de ser um convite, para revisitar os melhores momentos da cinematografia de um dos mais brilhantes diretores de todos os tempos. O que, volto ao início deste texto, não lhe desassocia da carapuça machista que fez questão de usá-la: afinal, um cara com fixação em personagens masoquistas não pode ser outra coisa a não ser misógino e filógino. Estou com a crítica cultural feminista Tania Modlesky.


Mostra 125 Anos de Cinema – Alfred Hitchcock


Quando: a partir de amanhã

Onde: Telecine Play ou Telecine Cult

Para assinar: R$ 40

Veja os filmes da Mostra em telecineplay.com.br



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