Lee Aguiar
A revolução não será televisionada
Doce Viagem

Protesto pedia justiça por Marielle Franco após um ano sem respostas do assassinato da vereadora do PSOL – São Paulo, 2019. Foto: J.Lee
Caro leitor, o Brasil é o país em que mais se mata ativistas do mundo.
Mas afinal, o que é ativismo ou militância? Nas últimas semanas só se fala de uma coisa na bolha da internet: #BBB21. O curioso é o engajamento de pautas identitárias no programa, tendo em vista que nenhuma crítica feita pelos participantes do reality show correlacionam a opressão ao capitalismo.
E não poderia ser diferente, estamos na era das “minorias no TOPO”. No #DoceViagem dessa semana gostaria de conversar com você, meu queride leitor, que acompanha minhas crises existenciais aqui nessa coluna ora frita, ora política.
Algo vem me incomodando muito nos últimos dias, uma angústia inimaginável cresce em meu peito e meus pensamentos se tornam cada vez mais pessimistas. Quiçá esse imbróglio sentimental seja fruto da desmobilização da qual faço parte, todos nós fazemos – pra ser bem sincera.
Não venho aqui apontar dedos ou para repetir atitudes da Lumena (participante do bbb). Sejamos honestos: o que realmente importa para você? Particularmente construo minha vida pela perspectiva constante de uma realidade que ainda está por vir, quero uma existência livre de amarras, em que não exista pirâmides de poder. Luto e morro cotidianamente pela liberdade.
Os leitores do Jornal Metamorfose sabem nossa posição quando o assunto é os perigos do fascismo tropical. Nós estamos enfrentando um governo genocida, que se infiltra cada dia mais profundamente nas entranhas das instituições “democráticas”. Como bem disse a historiadora Lilia Sschwarcz, no Roda Viva em 7 de setembro de 2020, “Bolsonaro não precisa de um golpe, porque ele está corroendo as instituições por dentro. Ele é o golpe”.
Pós eleição para as presidências da Câmara e Senado, onde aliados de Bolsonaro e sua corja fardada assumiram o poder com o intuito de “pacificar os poderes”, só se fala sobre pseudomilitantes confinados em uma casa televisionada 24 horas por dia para a juventude brasileira fofocar no Twitter.
É ridículo a forma como fomos tomados pelo tsunami de acontecimentos pautados por um programa de televisão ao ponto de não conseguirmos comentar mais nada que acontece no Brasil. Eu diria que essa situação é sintomática e até irônica: Big Brother Brasil é um escracho mal diagramado do livro de George Orwell.
Somos vigiados sim, não só dentro da casa, mas em todas nossas ações aqui nesse universo que chamamos de internet. Tivemos os dados (CPF, endereço, fotografias, redes de contato, número de conta bancária, renda, classe, relações próximas etc) de 220 milhões de brasileiros vazados para serem comprados por quem quer que seja. Quem você imagina que irá comprar essas informações?
Bolsonaro entregou no dia 2 de fevereiro uma lista aos novos presidentes do Congresso com 35 pontos de urgência para serem colocados em votação ainda esse ano. O curioso é perceber que ninguém se revoltou com a possibilidade de legalizar a mineração em terras indígenas, ato que está acontecendo agora nesse exato momento de forma ilegal. Um genocídio está em curso, mas preferimos o entretenimento.
O que me assusta não é perceber que a maior parte da população brasileira se importa mais em acompanhar o BBB do que o congresso nacional, mas a potencialidade dos algoritmos em abafar qualquer outro conteúdo que não esse. O que me assusta é que ninguém se IMPORTA.
Eu não sou uma tia chata que vai te dizer que você não deve ver coisa X ou Y, meu papel aqui não é apontar dedos para o certo e o errado. No fim das contas cada um assiste e se diverte do jeito que quiser, o que me irrita é a prioridade de pessoas – que assim como eu são privilegiadas, em sua maioria brancas e da classe média – em se engajar nas redes somente com coisas inúteis; onde estão essas pessoas quando o pantanal pegou fogo? E quando foi divulgado os escândalos de subnotificações de mortes indígenas por covid-19 na Terra Indígena Yanomami (TIY)?
Estamos vivendo um genocídio, algo tão escandaloso e assustador quanto Hitler na Alemanha nazista do século passado. Muitos vão dizer que é tarde demais, que é exagero, que não há nada a ser feito: a história vai cobrar quem estiver isento nessa porra, não se enganem.
Não é somente uma questão ideológica meus caros, é uma necessidade de sobrevivência latente. É uma questão de obrigatoriedade da juventude em lutar para que a nossa realidade melhore.
Dito isso, gostaria de pontuar que as pautas identitárias levantadas dentro do BBB 21 não me incomodam. Tudo deve ser discutido, sempre que possível ensinado para as pessoas que não tem acesso ao conhecimento que podemos ter, é o básico. Porém, pautas como feminismo, antirracismo e LGBTQIA+fobia não fazem sentido nenhum se não discutidas em sua raiz máxima: não existe mudança social sem luta anticapitalista.
Nós não temos mais o luxo de acreditar que mulheres no topo, pretos no topo, LGBTQIA+ no topo resolve problemas estruturais. Não há como lutar pela liberdade desses povos e outros sem entender o papel do capitalismo nas opressões cotidianas.
Não temos TEMPO para um ego barato que precisa humilhar as pessoas que não entendem o que você entende para nos sentirmos “militantes”, militância e ativismo não é sobre humilhar ninguém. É sobre se abrir ao novo, construir com o outro um lugar de acolhimento, de ensinamento, aprendizado. Um lugar em que possa ser construído um futuro, terra para se tornar fértil tem que ser cuidada, nutrida.
Não existe construção possível através do bullying. Não existe construção possível através da soberba. Como diria os filósofos: “Só sei que nada sei”.
Precisamos unificar nossas lutas antes que seja tarde demais: e esse momento não está longe, não se enganem, Bolsonaro e sua corja trabalham arduamente para ASSASSINAR todas as pessoas que não pensem como ele.
Repensem a realidade em que vocês estão vivendo e co-criando. Até semana que vem.