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A vida vista pela telinha
Atualizado: 20 de set. de 2020
Televisão
Aos 70 anos, completados na sexta-feira (18), TV brasileira reconquista credibilidade arranhada em meio às mídias digitais

Formação original da Tvdo. Foto: CineOP/Reprodução
Marcus Vinícius Beck
“A vida não imita a arte. Imita um programa ruim de televisão”, disse o poeta paranaense Paulo Leminski em verso que faz parte da obra “Toda Poesia”, lançada pela Companhia das Letras em 2013. Um dos nomes mais importantes da literatura brasileira produzida na segunda metade do século 20, Leminski tornou-se conhecido por suas tiradas hilárias, com as quais sempre dialogara com temas importantes da sociedade brasileira. Mas, ainda que a televisão tenha provocado discussões sobre manipulação da realidade, o potente meio de comunicação marca nossa vida e o nosso dia a dia desde 1950, ano em que Assis Chateaubriand a trouxera ao Brasil.
Aos 70 anos, recém-completados na última sexta-feira (19), a televisão encontra-se num ponto de virada à procura de resgatar a credibilidade arranhada nos últimos anos após a disseminação das mídias digitais. Em meio à onda de smartphones, lives e telas de plataformas de streaming, esquece-se que – nos primeiros anos após sua chegada ao País – uma geração de atores, produtores, técnicos e jornalistas precisara trabalhar com afinco para consolidar a criação de uma linguagem televisiva brasileira. Deu certo: “A Grande Família”, “Jornal Nacional”, “Roque Santeiro”, “Vale Tudo”, “Programa da Hebe” marcaram época e ditaram comportamentos ao longo das décadas.
A empreitada do audiovisual começou a engatinhar após iniciativa do magnata da mídia brasileira à época, Assis Chateaubriand, proprietário dos Diários Associados. No fatídico dia 18 de setembro de 1950, o barão mandou instalar 22 aparelhos televisivos em pontos específicos da cidade de São Paulo e no saguão dos Diários Associados. “Está no ar a PRF-3, TV Tupi de São Paulo, a primeira estação de televisão da América Latina”, anunciou, em um tom meio de improviso, o ator Walter Forster. Essa história é narrada com riqueza de detalhes na biografia “Chatô: O Rei do Brasil”, obra escrita pelo jornalista Fernando Moraes e publicada pela Companhia das Letras em 1994.
“A TV brasileira se cria de forma estratégica, como veículo da modernidade”, diz a professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Ana Carolina Rocha Pessoa Temer, ao JM. A pesquisadora, que faz parte da Rede de Pesquisadores Em Telejornalismo e é professora do programa de pós-graduação da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) da UFG, explica que o meio de comunicação foi um vetor para o consumo de eletrodomésticos, produtos alimentícios e moda. Mas como fica a TV na era do streaming? “Hoje as pessoas veem as coisas na internet e correm à televisão conferir imagens, ver os detalhes e verificar o que está acontecendo”, afirma.
Temer destaca ainda que, para compreender o modelo de televisão implantado Brasil, é preciso levar em consideração os vínculos entre empresas privadas e conglomerados midiáticos. “A televisão é reflexo de uma sociedade que queria mudar e se industrializar. A partir da década de 1960, passou a ter estratégias de crescimento empresarial muito sofisticada”, diz a professora. Se na década posterior a sua chegada ao Brasil a televisão tornou-se o principal veículo de informação e entretenimento, nos primórdios não foi assim. Cassiano Gabus Mendes e Dermival Costa Lima, com uma hora de atraso, descobriu que o improviso funcionava. Funcionou, de fato. Eis a largada.
Interesses
Durante a ditadura civil e militar, no auge do chamado milagre econômico, no governo de Emílio Garrastazu Médici, o telejornalismo brasileiro passou a registrar um Brasil rico e colorido, com imagens fascinantes e riquezas naturais, configurando o que seria a essência do “País do futuro”. Era uma ação bem pensada: atendendo os interesses do regime, a Rede Globo (que então começava a manter-se como líder de audiência) seria diretamente beneficiada. No entanto, a relação também foi marcada por episódios de censura, conforme é narrado pela jornalista Laura Mattos no livro-reportagem “Herói Mutilado: Roque Santeiro e Os Bastidores Da Censura À TV Na Ditadura”.
Os militares, que estavam no poder desde o golpe de 1964, jamais esconderam suas insatisfações com o enredo criado pelo dramaturgo Dias Gomes, autora de “Roque Santeiro” e célebre membro do Partido Comunista. “Pode tirar o cavalinho da chuva”, disseram os censores, com essas palavras, de acordo com Mattos. O recado estava dado: enquanto estivessem no poder, o folhetim não iria ao ar, pois “induzia ao desprestígio das Forças Armadas”. E assim foi: a novela só reapareceu em 1985, ano em que os fardados deixaram o trono e quando a Globo resolveu gravar a novela, aproveitando o clima festivo pró-democracia que tomava conta da sociedade à época.
Segundo a professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Ana Carolina Rocha Pessoa Temer, os militares passaram a investir nas grandes redes de interiorização. “Apostaram na TV como grande meio de comunicação”, diz a docente em ao JM. Em Goiás, prossegue Temer, as elites locais, grupos que já tinham certo suporte na área de comunicação, foram os primeiros a conseguir fazer televisão. “Tinham interesses políticos, mas arriscaram muito, apostaram muito nesse novo veículo. A TV, em termos regionais, trouxe para Centro-Oeste e Goiás, principalmente, uma expectativa de mudança social e não só por meio do telejornalismo, e sim da novela”, afirma.