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  • Foto do escritorJM

A volta do boêmio

Atualizado: 7 de set. de 2020

Botequim Literário


Arte do cantor Nelson Gonçalves feito pelo artista Edson Silveira, em 1962 - Foto: Reprodução


Marcus Vinícius Beck


Boemia, aqui me tens de regresso.


Após tantos dias desalentados pela falta de bar, daqui pra frente, é de bom-tom ter gravado no cocuruto os sagrados mandamentos das tuas inebriantes sessões etílicas.


É tempo de cuidar do outro, com afeto, carinho e cuidado. É tempo de vírus.


Tu podes até seres um bêbado irremediável, daquele desprovido de conserto, mas nem todo bêbado – ora – detém o talento de Antônio Maria (devoto da terceira dose de uísque) ou Scott Fitzgerald (fã do quinto gim, a partir do qual escrevera os melhores parágrafos da humanidade).


Antes de qualquer coisa, lembre-se: beba para azeitar o pensamento, sussurre para acalmar os caminhos, pois os amores terminam no quarto, sozinhos.


Salve Aldir Blanc, tim-tim...


Sim, meu caro, tu ficas tranquilo, numa relax, que a moléstia (sanitária, política e outras mais neste Brasil delirante comandado pela sinfonia cafona da farda e dos neopentecostais) nos enclausurou no home-office, ou para usar uma expressão em língua portuguesa, no trabalho remoto.


Ainda que os bares não estejam mais fechados numa quarta-feira à noite, meu caro Paulo Mendes Campos, estamos sem ritmo de jogo, sequência.


Boemia é tipo futebol, requer concentração, preparo, em suma: tem de estar em forma. Se largares por uns dias, ela te pega de volta, ainda que peças, suplicante, como já ensinava o mestre Nelson Gonçalves, a tua inscrição.


Na saúde e na doença, até que a morte nos separe, amém, a culpa será sempre do tira-gosto, daquela calabresa, daquele torresmo, daquela linguiça, daquele pastel, daquele disco de carne que debilitou teu aparelho digestivo... Jamais, sob hipótese alguma, a culpa será da bebida. Seja um uísque batizado nos maltes paraguaios, seja uma vodca oriunda das duvidosas destilarias russas.


Tá valendo também o ‘pindura’, data vênia do capitalismo etílico, mas só para a freguesia com mais de quatro anos de casa - no caso de o devedor ser brother do dono do botequim, aí tem a lei do usucapião, faça-a ser cumprida.


Ainda que bebas demais da conta, de modo a tornar o labor do acasalamento um ofício pra lá de difícil, de um xô na resistência. Com uma dose de sorte (se vier com chorinho, melhor), pode tornar-se o homem-tupperware – aquele que, segundo jornalista Xico Sá, cujo ensinamento eu me aproprio, com licença, a mulher leva-o para comer no dia seguinte - de máscara, é claro.


Para fechar a epístola do boêmio: todo bom bebedor, digo, toda boa pessoa, não incluso aí obviamente os bolsonaristas, deve tomar precauções de higienização.


Então use à vontade o borrifador de álcool em gel cada vez que o garçom trouxer a garrafa de cerveja – e depois se desculpe, diga que não é nada contra ele, e que apenas tá seguindo a orientação das autoridades de saúde (não do presidente).


Boa semana.


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