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Alteração na Lei Maria da Penha não pune agressores criminalmente

Violência Contra a Mulher

Segundo advogada, Lei 13.871 não alcança a raiz do problema e corresponde a ações repressivas e não conscientizadoras

Foto: Julia Lee



Sancionada em 17 de setembro, a Lei 13.871 altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha. A partir de agora é responsabilidade do agressor o ressarcimento dos custos relacionados aos serviços no Sistema Único de Saúde (SUS) às vítimas de violência doméstica e familiar, e aos respectivos dispositivos de segurança por elas utilizados, caso necessário.


A nova lei também prevê que o ressarcimento não pode atingir o patrimônio da mulher e dependentes, ou seja, o dinheiro deverá sair do bolso do agressor. A lei também proíbe que os ressarcimentos sejam usados para fins de substituição da pena.


Pontos importantes de interpretação é que o texto não prevê punição imediata para o agressor e não aponta a forma em que ele deve ressarcir as instituições utilizadas no amparo à vítima. Isso demonstra que a Lei 13.871 é, na verdade, uma lei de caráter punitivo, mas apenas no âmbito financeiro. O que leva ao questionamento: será que realmente quando dói no bolso, dói na consciência?


Uma pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revela que casos de violência contra mulheres no Brasil têm aumentado significativamente nos últimos anos. Até março de 2018 houve um aumento de 34% em relação ao mesmo período de 2016. Os casos passaram de 3.339 para 4.461.


Especialistas apontam que há falhas de aplicabilidade na nova vigência. O texto de 2006 previa, precipuamente, a educação e conscientização de homens e mulheres, agressores e vítimas, e colocava o Estado na mediação do conflito, como um sistema de amparo. Apesar de ser um avanço para o combate contra a violência à mulher, as alterações não são suficientes para ajudar em situações de risco.


Uma pesquisa mais recente feita pelo Datafolha aponta que no período de fevereiro de 2018 a fevereiro de 2019, 1,6 milhão de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento no Brasil, enquanto 22 milhões (37,1%) de brasileiras passaram por algum tipo de assédio. 42% dos casos ocorreram no ambiente doméstico. Após sofrer violência, 52% das mulheres não denunciou o agressor ou procurou ajuda.


Segundo a advogada, especialista em Direito Público, Penal e Processual Penal e vice-presidente da Comissão de Valorização da Mulher da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Goiás (OAB-GO), Ana Carolina Fleury, a Lei 13.871 é puramente punitivista e não alcança a raiz do problema. “Isto porque corresponde a ações repressivas e não conscientizadoras. Age depois que a violência já aconteceu, sendo que é de extrema importância o investimento em ações de prevenção”, aponta.


Ana Carolina também pontua que se o agressor não tiver possibilidade de pagar o valor e ressarcir os custos da vítima, não irá fazê-lo. Ele irá ficar endividado, tendo punições civis, mas não criminais, cabendo ao Estado processá-lo ou não. “Dependerá da condição financeira de cada envolvido para que tenha aplicabilidade. Para mim, acarreta, mais uma vez, em uma lei que não atenderá o que se propõe”, afirma a advogada.


A especialista acrescenta que o foco do Estado deveria ser o incentivo em políticas educacionais, não apenas em punição. “A impressão é que ao tentar responsabilizar o agressor, desresponsabiliza o Estado de todas as agressões. O maior responsável pela situação das mulheres é, justamente, a base patriarcalista e violenta sobre a qual o Estado foi formado e desenvolvido”, acrescenta


A cientista social Kaysmer Wunder explica que a mudança não educa, muito menos o homem machista e possessivo. “Precisamos é de políticas educativas para que o homem entenda, desde a infância, que ele não é dono de ninguém, pois ele está inserido nesse contexto de ser superior à mulher”, expõe.


Para Kaysmer, a sociedade brasileira, de maneira geral, está mais violenta nos últimos anos e esse fenômeno é explicado pela situação de crise no país. “Temos uma crise não só econômica, mas também social, com uma sociedade intolerante que não aceita o diferente. Isso está dado nos discursos, seja nas redes sociais ou por nossos dirigentes”, salienta Kaysmer.


A temática levantada por Kaysmer é quanto à legitimação de um discurso intolerante e violento vindo, em grande parte, do Governo Federal. Manifestação esta que dá a sensação de permissividade para que a sociedade assim se expresse e compactua com a mesma representação. “Como uma lei pode ser efetivada com uma estrutura social tão violenta quanto a que estamos vivendo? A alteração surge para atender algo que já foi feito, mas que não tem nada de efetivo quanto à inibição da violência”, finaliza a cientista.

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