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  • Foto do escritorMarcus Vinícius Beck

As portas de Marisa Monte

Música

Na era dos EP´s alimentados pelos streamings, cantora lança disco poderoso, com 16 faixas, no qual o otimismo guia a poesia canalizada pelos graves e agudos de sua voz mezzo-soprano


Cantora Marisa Monte sentada na calçada da Escola de Musica da UFRJ - Foto: Leo Aversa/ Divulgação



Marisa Monte passeia pelos mais distintos gêneros musicais. Dona de uma obra que flertou com o jazz, engrenou numa relação com a canção romântica, abraçou o pós-tropicalismo, beijou o soul americano, namorou o reggae jamaicano e depois o rock, ela agora dá vazão a esses estilos a partir de uma poesia que encontra otimismo, cores e alegrias até nos dissabores amorosos da vida: “Portas” é um potente disco de 16 faixas lançado em plena era dos EP´s – alimentados, há de se destacar, pelos streamings.


Além da ebulição lírica e musical, Marisa clama por sonhar pelas estradas de estrelas do mar, com arranjos refinados de cordas e sopros, como em “Déjà Vu”. Há ainda parcerias com os tribalistas Arnaldo Antunes e Dadi, na faixa que nomeia o disco. Também faz uma ode ao samba da Portela, em “Elegante Amanhecer”, concebida junto com Pretinho da Serrinha. “Você Não Liga”, saborosa música de amor, foi feita com Marcelo Camelo.


“Portas” é esperançoso. E desafiador, ao reinventar métodos de produção para abrir novas possibilidades em tempos de incertezas. Em um primeiro momento, a intenção de Marisa era entrar em estúdio no mês de maio do ano passado. Ela já tinha o repertório pronto, mas em março, quando o Brasil e o mundo ingressaram no pesadelo pandêmico que dura até hoje, os planos mudaram. “Como todo mundo, entramos numa inevitável pausa de mil compassos”, diz a cantora, em resumo sobre o disco enviado à imprensa.


Foi aí que o álbum começou a ganhar corpo. Com o ex-titã, compôs “Vagalume”, delicada música acompanhada por uma harmonia suave. Depois, veio “Sal” e “Você Não Liga”, criada em parceria com Camelo que também lhe apresentou “Espaçonaves”. “Em novembro, com uma equipe pequena, comprometida e testada, entramos no estúdio, no Rio de Janeiro, para gravar as primeiras oito bases”, afirma Marisa.


Os planos, porém, eram outros: a ideia inicial era viajar e formar uma segunda banda, em Nova Iorque (EUA), mas isso se tornou impossível. Com coprodução de Arto Lindsay e a banda dele, nasceram as músicas “Calma” e “Portas”. Eles num estúdio nos Estados Unidos e ela, via zoom, no Rio de Janeiro. Não só funcionou, como decidiram alternar gravações presenciais no Brasil, com bases, complementos e arranjos assinados pelo maestro Arthur Verocai e o trombonista Antonio Neves, e remotas de Lisboa e Los Angeles.


Ainda à distância, foi gravada “Vento Sardo”, em Madrid e Barcelona, com Jorge Drexler. Embora finalizada e inicialmente parte do disco, concluiu-se que a música deveria ser lançada noutro momento, como um single, assim que os encontros ao vivo sejam possíveis. Mas a cantora não arrisca uma data de quando isso ocorrerá. “Ainda está difícil fazer planos. Dependemos da vacina e da maioria da população imunizada”, explica.



Clipe do single 'Calma', música de trabalho do disco 'Portas'



“Comecei minha vida na música com 19 anos e nunca fiquei tanto tempo sem cantar ao vivo e sem encontrar o meu público”, lamenta Marisa, que ficou dez anos sem lançar um disco autoral – o último tinha sido o elogiado “O Que Você Saber de Verdade” (2011). Neste tempo, ao contrário do que é dito entre os críticos, ela não ficou longe dos estúdios. Foram sete projetos e, ao menos um deles, junto com os Tribalistas, esbanjou criatividade - e compôs músicas inéditas. Não faz sentido, portanto, pregar que ela ficou longe da música nesse tempo.


“Portas” tenta também reparar uma histórica disparidade entre homens e mulheres. Atenta à produção dos artistas plásticos contemporâneos, Marisa enxergou na pintora Marcela Cantuária o nome ideal para assinar a capa do disco. “Suas pinturas foram uma das janelas que eu mantinha aberta para o mundo durante o isolamento”, relata, ainda no resumo sobre como nasceu o disco. “Com seu olhar e traço virtuosos, ela criou um imaginário que potencializou e deu forma às canções”, atesta.


Desde que despontou no cenário musical brasileiro na década de 1980, Marisa Monte traz consigo um estilo próprio de administrar a carreira e relacionar-se, hoje, com o universo das redes sociais – ela, por exemplo, fez poucas postagens para seus mais de 1 milhão de seguidores no Instagram. Quando lançado, “Calma” - das músicas mais belas deste ano – foi um rebuliço: a embalagem pop, para além de ser palatável como música de trabalho de "Portas", tratava de futuro e esperança.


Levando ao pé da letra os traços que lhe consagraram como uma das grandes cantoras da música brasileira, Marisa Monte presenteia o público com um disco leve como é uma noite ao lado da pessoa amada. Sim, nele há tudo o que faz do universo musical da cantora algo interessante: refinamento nos arranjos, a voz capaz de atingir graves rasgantes e agudos da música clássica, além de a poesia que oferece como alento numa época em que a grosseria e a truculência se tornaram motivos de orgulho num país delirante.


“Portas” – muito mais do que um simples disco de uma cantora que sempre aliou bem tradição e modernidade, o que por si só já seria motivo o bastante para ouvi-la – chega para brigar pelo status de um dos melhores trabalhos da música brasileira no ano de meu Deus do céu de 2021. Se faltam esperança de dias melhores, com a música de Marisa as tragédias do cotidiano pandêmico encontram a estrada da luz e do otimismo nos desamores, nos dissabores e nos desencontros.


Ouçam o disco.


‘Portas’

Cantora: Marisa Monte

Gênero: MPB

Gravadora: Sony Music

Disponível nas plataformas de streamings


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