top of page
  • Foto do escritorJM

Bob Dylan, o imortal

Música


Disco ‘Rough and Rowdy Ways’ eterniza obra dyliniana e mostra que ela ainda é capaz de conceber letras impressionantes


Bob Dylan mostrou por que está com lugar garantido no panteão dos gênios - Foto: Divulgação



Marcus Vinícius Beck


Bob Dylan surpreende. Ao longo de sua carreira, Robert Allen Zimmerman se notabilizou como um inconformado. O que não chega a ser inesperado. Tinha talento pra rebeldia, o Dylan. Poeta, isso sim, que bebeu na fonte límpida de Dylan Thomas, Walt Whitman e Jack Kerouac. Sem menosprezar as raízes interioranas as quais deram charme ao som que fazia, o autor de “Like a Rolling Stone” cantou as lutas por direitos civis nos Estados Unidos dos anos de 1960 e apresentou - pra quem curte se deliciar com as curiosidades do rock - a maconha aos Beatles. No entanto, ele é mais do que só esse cara, bem mais.


Dylan, assim que completou 17 anos, decidiu trocar a guitarra por um violão. Com o instrumento eternizado pelo bluseiro Robert Johnson, um de seus ídolos, enfileirou uma pilha de discos e hits que hoje são considerados clássicos, como “Highway 61 Revisited” (1965), “Blonde on Blonde” (1966), “John Wesley Harding” (1967) e “Nashville Skyline” (1969) – só pra citar alguns dos LP's concebidos pelo trovador que são cultuados por fãs. Mas, de uns tempos pra cá, oito anos pra ser mais exato, ele não lançava mais nada. Apenas uma música aqui e outra acolá, tipo a faixa “Murder Most Foul”, que foi amplamente falada na imprensa.



Fã da literatura beat, Dylan adicionou ao folk a guitarra elétrica - Foto: Reprodução



]“Rough and Rowdy Ways”, que tem apenas 10 canções, chegou ao streaming na sexta-feira (19). Foi suficiente para botar o Nobel da Literatura pela primeira vez em sua carreira no topo de uma lista da Billboard, a de vendas digitais de canções de rock, onde acumulou 10 mil downloads pagos na primeira semana. Nada mal. O disco, sejamos honestos, reúne pérolas que merecem serem ouvidas e escancararam para aquele fã sensível por que Dylan está com a cadeira assegurada no panteão dos gênios. Já o mais irredutível com a sonoridade lenta do cantor pode achar chatas “I’ve Made Up My Mind to Give Myself to You” e “Black Rider”.


Mas, pra não cometer nenhuma injustiça, dê um play em “My Own Version of You” e “Key West (Philosopher´s Pirate)” e a gente volta a conversar daqui a pouco... Deu? Dylan empilha, na primeira faixa, referências que vão de Shakespeare a Homero, passando por Freud, Marx e Scorsese. Ele canta ainda que vai misturar o Scarface de Al Pacino e o Poderoso Chefão de Marlon Brando a fim de criar um robô, e que vai fazer o Frankenstein dele (alguém que o eu-lírico cria em sua cabeça, no caso). A musicalidade é lenta, com a guitarra ao estilo blues marcando o tempo. “Key West”, no entanto, é um country nostálgico e, claro, com citações.


No geral, o disco é bom. A começar pela música “I Contain Multitudes”, lançada em abril. É uma harmonia lenta, com guitarra dedilhada, que lembra os grandes momentos da história do blues. O título foi extraído de um poema de Whitman, o poeta da democracia – ah, se ele fosse vivo... Na sequência, vem “False Prophet”. Seu riff contundente de guitarra e solos impactantes remetem-nos ao rockão cru desmembrado da black music americana dos anos 50 que deu origem a Little Richards e Chuck Berry. Especialistas em música, todavia, afirmam que a música em questão foi xerocada de “If Lovin´Is Believing”, de Billy “The Kid” Emerson. É só ir ao streaming. Tire suas conclusões.


Capa do disco 'Rough And Rowdy Ways' - Foto: Divulgação



Condução do disco


Em “I´Ve Made Up My Mind to Give Myself to You”, Dylan resolve falar de estrelas e flores, contando como se embalar pela sinfonia do amor. Certamente, a voz arrastada, de fato um retrato supremo da cornitude, dá um quê a mais de sofrimento a esse lamento musical, que é uma ode à dor de cotovelo. Mas, vejam vocês, seis minutos de sofrimento pode fazer com que até o mais endurecido dos corações se desfaça com a potência da trilha sonora. Mela cueca, devo reconhecer, elegante, porém extenso demais – no sentido de tempo, são seis minutos e poucos! Perigoso ficar chorando até depois de desligar o auto-falante.


O disco é conduzido, com preciosidades, até o final. Mas a cereja do repertório está em “Goodbye Jimmy Reed”, que escancara toda a musicalidade e lírica do disco. Poderia, a canção, ser considerada como o grande trunfo deste trabalho, com uma solene homenagem ao bluesman dá nome à música e que brilhou em Mississippi, sendo regravado por artistas como Rolling Stones, Yardbirds e Van Morrison. Parece aos nossos ouvidos num sonzeira de bar, daquele bar de sexta à noite, de quando o mundo era normal, saudades, e que agora ficou pra trás nestes tempos pandêmicos. “Mother of Muses” segue na linha do folk americano, lembrando Dylan no início da carreira.


“Crossing the Rubicon”, “Key West (Philosopher’s Pirate)” e “Mozambique” nos preparam para o gran-finale: “Murder Most Foul”, uma epopéia musical de quase 17 minutos que percorre momentos distintos da cultura nas últimas décadas. Quase octogenário, Dylan esclarece de uma vez por todas a sua importância, ao criar melodias bonitas e letras impressionantes. Por essas e por outras, a imortalidade é o lugar desse gigante. Bob Dylan é um gênio. Ouçam ‘Rough and Rowdy Ways’.


Ficha técnica

‘Rough and Rowdy Ways’

Autor: Bob Dylan

Gênero: Folk, rock e blues

Disponível no streaming



Logo do Jornal Metamorfose
bottom of page