JM
Bolsonarismo esmiuçado
Livro
Jornalista narra em livro-reportagem como foi o primeiro ano do governo Bolsonaro

Jair Bolsonaro surfou na onda antipetista - Foto: Adriano Machado/ Reuters/ Reprodução
Marcus Vinícius Beck
No dia 17 de abril de 2016, a Câmara de Deputados se preparava para votar o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Jair Bolsonaro, então um parlamentar do baixo clero, mostrou para o deputado federal Alberto Fraga um bilhete: "Perderam em 64, perderam agora em 2016. Pela família, pela inocência das crianças em sala de aula, que o PT nunca teve, contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o Foro de São Paulo, pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, pelo Exército de Caxias, pelas Forças Armadas (...) meu voto é sim", escreveu Bolsonaro.
A cena é narrada pela jornalista Thaís Oyama na abertura do livro-reportagem "Tormenta - O Governo Bolsonaro: Crises, Intrigas e Segredos", obra lançada pela Companhia das Letras no dia 20 de janeiro deste ano. No livro, Oyama mostra como o ex-capitão chegou ao Palácio do Planalto e, sobretudo, como ele conduziu o Governo Federal no seu primeiro ano de mandato. Com texto leve, saboroso e fluído, a autora passeia pelas principais decisões da administração, a relação com o Congresso, as participações em fóruns internacionais e as seguidas crises, como a tentativa de fritar o ex-juiz Sergio Moro, em agosto do ano passado.

Jornalista Thaís Oyama retratou com clareza como foi o primeiro ano de governo Bolsonaro - Foto: João Henrique Moreira/ Divulgação
Ao esmiuçar o bolsonarismo, Oyama escancara o funcionamento da engrenagem dos jogos de poder, o que quase sempre acontece com intrigas. Pelo relato da jornalista, que é ex-redatora-chefe da revista Veja, o leitor tem a impressão de que a qualquer momento haverá uma briga de grandes proporções que colocará em cheque a governabilidade bolsonarista. Mas há uma justificativa para essa sensação: o homem público, o político e o comandante do Governo Federal perfilado por Oyama é uma pessoa ressabiada com todos ao seu redor. E a gota d´água foi em Juiz de Fora.
Após ser transferido para São Paulo depois de ser esfaqueado na cidade mineira, Bolsonaro determinou que não queria ir para o Hospital Sírio-Libanês, "um hospital de petistas", de acordo com ele. Foi, então, para o Albert Einstein. Ainda em meio à corrida eleitoral, desistiu de convidar Janaína Paschoal para ser vice em sua chapa. "Essa mulher vai pedir meu impeachment", afirmou ele na ocasião, segundo Oyama. Também não se tranquilizou com a escolha do general Hamilton Mourão: a relação do presidente com o Mourão é marcada por tensão e Bolsonaro acha que o general está conspirando para lhe destituir do cargo.

Janaína Pascoal e Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral, em 2018 - Foto: Ricardo Moraes/ Reuters/ Reprodução
"Jair Bolsonaro tem raciocínio binário, dizem os conhecidos de longa data", escreve a autora. E isso fica claro à medida que o leitor vai avançando na leitura. Segundo Oyama, o presidente mandou assessores do amigo e deputado federal Hélio Lopes (PSL-RJ), conhecido como Hélio Negrão, ou simplesmente Hélio Bolsonaro, a "caçar os esquerdistas" no segundo escalão dos ministérios. A atividade era simples: vasculhar de cabo a rabo as redes sociais de funcionários atrás de referências a Luiz Inácio Lula da Silva. "Quem não é seu amigo, é seu inimigo. E enquanto os amigos de verdade são poucos, os inimigos estão em toda parte".
Construção do livro
Thaís Oyama impressiona: é fiel aos fatos, traz reportagens publicadas em jornais e relembra declarações dadas por integrantes do governo às emissoras de televisão. Da primeira à última linha, "Tormenta - O Governo Bolsonaro: Crises, Intrigas e Segredos" se debruça sobre as trapalhadas bolsonaristas que vieram à tona no noticiário ao longo do último ano. Oyama, profissional tarimbada pela correria das principais redações do País, mostra que o bom jornalismo - aquele que se compromete a elucidar fatos de interesse público - está vivo, vivíssimo mais do que nunca. E a jornalista o pratica com a destreza dos grandes repórteres.
Com o objetivo de preencher a lacuna informativa deixada pelos webjornais, jornais impressos diários e revistas semanais, o livro-reportagem requer do repórter um compromisso à verdade dos fatos - se ela é difícil de atingir que, ao menos, se aproxime dela o máximo possível. Oyama faz isso: mesmo com centenas de declarações em off (quando a fonte não quer ter seu nome revelado, prática comum no jornalismo político), a experiente jornalista legitimou as 'aspas' confrontando-as com o que havia sido publicado à época nos jornais. Foi desenhando a história com responsabilidade e ética.

Bolsonaro e Moro antes da demissão do ex-ministro da Justiça - Foto: Adriano Machado/ Reuters/ Reprodução
Além disso, chama atenção as descrições que Oyama faz dos personagens que estão no entorno do presidente: ela constrói as cenas, chama o leitor para participar da história e dá uma aula com um texto gostoso de ler. "Tormenta" tem ainda revelações, como a tentativa de fritura do ex-juiz Sergio Moro após tentativa de interferência na Polícia Federal, fato que acabou provocando a demissão capaz da toga no mês passado. "Se eu não posso trocar o superintendente, eu vou trocar o diretor-geral", disse Bolsonaro. E arrematou: "Se eu trocar hoje, qual o problema? Está na lei que eu indico e não o Sergio Moro. E ponto-final".
Como era o esperado, Bolsonaro criticou o livro em janeiro e aproveitou a ocasião para tecer duras críticas à imprensa. "É uma vergonha. Lê meus pensamentos e ministros se convencem a não demitirem a si próprios", disse o presidente. Mesmo com esforço do ex-capitão, a obra de Oyama é um documento histórico sobre o primeiro ano de mandato de um presidente que subverteu as diretrizes das campanhas políticas e foi eleito a partir das redes sociais. Thaís Oyama entrevistou pessoas do ciclo familiar, político e militar que são próximas a Bolsonaro e, com isso, descobriu suas manias e suas paranoias. Por isso, "Tormenta" é relevante.
Ficha Técnica
'Tormenta'
Autora: Thaís Oyama
Gênero: Livro-reportagem
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 59,90
