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“Brilhante Ustra foi um homem de honra, que respeitava os direitos humanos”, afirma Mourão

Ditadura

Em entrevista ao jornal alemão DW, o vice-presidente Hamilton Mourão elogia o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, o primeiro militar condenado após o fim da Ditadura Civil-Militar

Manifestação contra a ditadura no Rio de Janeiro, em 1968. Foto: Arquivo Nacional/Correio da Manhã

A ditadura civil-militar aconteceu entre 1964 a 1985, no Brasil. Durante esse período o País era comandado por um regime autoritário, com ideologia neofascista. Jornalistas, artistas, comunistas, anarquistas e todes que se opunham ao regime eram perseguidos politicamente, presos, torturados e muitos foram assassinados.

Em 13 de dezembro de 1968, o ditador Artur da Costa e Silva colocou em vigência o Ato Institucional Nº5 (AI-5), resultando no fechamento do Congresso Nacional e todas as Assembleias Legislativas ao redor do País, além da institucionalização da tortura em pessoas contrárias ao regime.

Entre 1968 e 1974, durante a vigência do AI-5, o Brasil viveu os “anos de chumbo”, momento mais violento da ditadura. O coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra era um dos principais torturadores do regime. Entre 1970 a 1974, ele chefiava o DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna/Operação Bandeirantes) de São Paulo. Segundo a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, foram contabilizadas 502 denúncias de tortura no DOI-CODI paulista.

Antônio Pinheiro Salles é jornalista e tem 82 anos. Ele foi sequestrado e preso em 12 de dezembro de 1970, passando nove anos detido nos “porões do regime dos generais”, como conta no depoimento para a Comissão Nacional da Verdade, em 2013. Pinheiro Salles conhece bem Carlos Alberto Brilhante Ustra, ou Major Tibiriçá – codinome usado pelo coronel no DOI-CODI.

Em entrevista por telefone ao Jornal Metamorfose, Pinheiro conta que Ustra quase sempre estava presente nas sessões de tortura. “Eu o conheci muito durante essa minha convivência lá, na sala de tortura e na minha cela, ele participava diretamente das torturas comandando uma equipe de torturadores, lá eu sofri tantas agressões que atualmente tenho muitas sequelas”, diz.

Pinheiro Salles tem sequelas profundas da tortura: ele fala com dificuldade em decorrência das pauladas e dentes arrancados. Possui as duas mandíbulas de platina e em certos momentos precisa segurar o queixo para falar. O seu pulso direito teve os tendões partidos e cortados pelas cordas do pau-de-arara, e por isso tem a mão direita relativamente paralisada. É surdo completamente do ouvido direito e parcialmente no ouvido esquerdo.

O jornalista conta que Brilhante Ustra era o homem da repressão mais importante do regime, sendo ele o principal torturador do país.

Hamilton Mourão

Em entrevista ao programa televisivo “Conflict Zone”, do jornal multimídia Deutsche Welle (DW), na última quarta-feira (7), o vice-presidente Hamilton Mourão – que é general da reserva do exército – afirmou ao jornalista inglês Tim Sebastian que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra “era um homem de honra e um homem que respeitava os direitos humanos”.

Tim conseguiu uma entrevista exclusiva com o vice-presidente. O jornalista perguntou se Mourão tinha a mesma admiração pela ditadura civil-militar que o presidente Jair Bolsonaro, que nunca escondeu seu posicionamento a respeito do tema, tendo afirmado diversas vezes que é a favor da tortura.

Em resposta, Mourão disse que era necessário mais 50 anos para “que esse período seja bem avaliado”. Tim pontuou que durante a votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, Bolsonaro dedicou seu voto ao coronel Ustra, que participou ativamente das torturas exercidas pelo regime militar a Dilma. “Perderam em 64, perderam agora em 2016. Contra o comunismo, pela nossa liberdade e pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff. Pelo Exército de Caxias, pelas nossas forças armadas, por um Brasil acima de tudo e Deus acima de todos, o meu voto é sim”, afirmava Bolsonaro na ocasião.

O vice-presidente, por sua vez, afirmou que “quando há muita gente que lutou contra a guerrilha urbana no final dos anos 60 e início dos anos 70 do século passado, e muitas dessas pessoas foram injustamente acusadas de serem torturadoras”, disse Mourão em entrevista ao DW.

“Então o coronel Brilhante Ustra foi injustamente acusado, e o senhor também pensa que ele foi um herói, apesar dos 500 casos de tortura que foram atribuídos à unidade dele?”, perguntou Tim na sequência, levando Mourão a relativizar o fato de que Ustra era não somente um torturador, mas um dos piores do regime militar.

“O que posso dizer sobre o homem Carlos Alberto Brilhante Ustra, ele foi meu comandante no final dos anos 70 do século passado, e era um homem de honra e um homem que respeitava os direitos humanos de seus subordinados. Então, muitas das coisas que as pessoas falam dele, eu posso te contar, porque eu tinha uma amizade muito próxima com esse homem, isso não é verdade”, afirma Mourão.

Veja a entrevista completa abaixo.

História


“A sala de tortura se chamava fossa. Chegando lá, amarrado no pau-de-arara, era torturado ou encontrava alguém pendurado. Embaixo da pessoa, costumavam colocar jornais para forrar o chão, porque a vítima vomitada, urinava e defecava descontroladamente. O mau cheiro daquele ambiente também era uma coisa desagradável. Quando se abria a porta, o fedor você sentia onde estivesse...”, conta o jornalista Pinheiro Salles em seu depoimento à Comissão Nacional da Verdade, em 2013.

Em 9 de outubro de 2008, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra foi o primeiro militar condenado pela Justiça Brasileira por tortura durante a ditadura. A decisão foi dada pelo juiz Gustavo Santini Teodoro, da 23ª Vara Cível de São Paulo, em ação declaratória por sequestro e tortura, depois de trinta anos do fim do regime.

Para o Pinheiro, declarações como a do vice-presidente só são possíveis em 2020 pela falta de reparação histórica após o fim da ditadura. “Como a justiça de transição no Brasil foi muito precária, na a transição da ditadura para o chamado governo democrático, os torturadores não foram punidos. Eles estão aí, proporcionaram torturas piores que na Alemanha de Hitler. Aqui no Brasil a população não sabe o que aconteceu na ditadura, no nível de violência física foi superior ao nazismo comandado por Hitler”, conta em entrevista ao JM.

Em nota divulgada no último dia 9, o Instituto Vladimir Herzog afirmou que é “inaceitável que o vice-presidente da República lance mão de uma tentativa de revisionismo histórico absurda como esta, que busca reescrever a biografia de um dos mais cruéis e abomináveis personagens da história do nosso País”. Vladimir Herzog era jornalista e foi brutalmente torturado e assassinado em 25 de outubro de 1975, aos 38 anos, no DOI-CODI de São Paulo.

“Ao defender o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o general Hamilton Mourão, mais uma vez, manifesta uma posição absolutamente incompatível com o Estado Democrático de Direito, falseia a história e avilta o direito à memória e à verdade, previsto na Constituição”, continua a nota divulgada pelo Instituto.

Ao JM, Pinheiro diz que não se surpreende com a declaração de Mourão, “porque isso é natural, eles são parceiros, e cabe a eles utilizando da ignorância de uma parcela significativada população brasileira defender a memória de seus parceiros, eles têm uma ideologia nazista, de Hitler”.

Já Bolsonaro afirmou publicamente diversas vezes que é favorável ao uso da tortura. “Ele (Jair) faria de tudo para repetir a prática do chefe da ditadura, Médici. Ele ia querer fazer tudo, por tudo aquilo que era praticado por Ustra, essa é a concepção dele, de ideologia nazista, mas ele é um cara pequeno, ele tem muitas limitações, mas se dependesse dele é claro que ele faria”, conta Salles.

“Existe, sim, uma ameaça à democracia atualmente, as ameaças são permanentes, nossa democracia é extremamente limitada, não tem elementos, instituições e uma vida democrática que funcione. Hoje estamos aí sobre influencia direta dos ditadores e horrores desses últimos 21 anos. Essa democracia é extremamente falha”, explica o jornalista.

Os pobres e negros assassinados no Rio de Janeiro, as mulheres violentadas, a desigualdade racial e a fome são consequências diretas da Ditadura Militar, segundo Pinheiro Salles. “Está havendo censura, isso é fato, existem exemplos concretos, e o pior com apoio de instituições “democráticas”. O próprio Superior Tribunal Federal contribui, não tem a autonomia e independência, eles se alinham abertamente à governos autoritários como o atual”, finaliza.

No dia 7 de novembro de 2019, Jair Bolsonaro recebe a viúva do coronel, Maria Juseíta Silva Brilhante Ustra, no Palácio do Planalto, na ocasião o Presidente afirmou que o encontro era um “almoço de cortesia”, e disse que considerava o ex-comandante do DOI-Codi um "herói nacional".

O encontro se deu em decorrência de uma declaração do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente. Eduardo defendeu medidas drásticas, como um novo AI-5, caso o País enfrentasse manifestações de rua semelhantes as que ocorreram no Chile, em 2019.

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