Marcus Vinícius Beck
Editora lança mais uma obra de Bukowski no Brasil
Literatura marginal
“Tempestade para os vivos e para os mortos” reúne poemas inéditos do velho safado

Em seus romances, o escritor norte-americano Charles Bukowski (1920-1994) sempre deixou claro que o capitalismo lhe fodia a mente. Mas, pergunto-me, qual seria a relevância de sua obra se ele não fizesse isso? Será que leríamos “Factotum”, “Cartas na Rua” e “Mulheres” (apesar desta ser uma obra que divide opiniões em função da linguagem machista em diversos aspectos) com a mesma expectativa de hoje? Creio que não, posto que cada sílaba bukowskiana é como um filão inesgotável de emoções.
Loucuras literárias e imagens escabrosas sucedem-se em edições póstumas desde o último romance, “Pulp”, de 1994, escrito por esse cara que conheceu de perto a falácia do American Way of Life. E a cada nova obra editada no Brasil com as crônicas, os contos e os poemas inéditos do dirty old man travamos contato novamente com os mesmos enredos: mais uma bebedeira, mais uma briga de bar, mais uma foda, mais uma crítica mordaz e ácida à sociedade.
Para efeito de curiosidade, eis algumas inevitáveis estatísticas literárias do velho safado: quantos foram seus relatos de bebedeiras homéricas? Os relacionamentos que já começaram mortos com mulheres estranhas? Quantas corridas de cavalo e a influência que ela tem sobre sua escrita ele narrou? Dos inoportunos que vinham querer conversar consigo quando tudo que queria era mandá-los ir à merda - palavrões são outra característica de Charles Bukowski -, quantas divagações putasso ele redigiu?
Charles Bukowski escreveu alucinadamente durante toda a sua vida - foram centenas de contos, alguns romances e, sobretudo, poesia, gênero em que ele tornou-se uma espécie de guru ao fazer suas leituras etílicas nas universidades, nas décadas de 50 e 60. A maioria dos seus textos foram publicados em revistas marginais, de circulação manica. Em “Tempestade para os vivos e para os mortos”, lançado neste mês pela editora gaúcha L&PM, o biógrafo e especialista na literatura de Bukowski, Abel Debritto, vem preencher essa lacuna.
Na obra, estão reunidos os melhores poemas inéditos - que ficaram guardados ao longo dos anos na gaveta. Alguns textos mostram toda a serve juvenil de Bukowski e outros chamam a atenção à velhice dele, no auge de sua maturidade como escritor. Reunidos em ordem cronológica, os versos compõem quase uma autobiografia, mostrando-nos seu humor direto, suas frases curtas, sua franqueza típica - sem falar que também há o último poema dele, #1, escrito uma semana antes de morrer.
Por essas e por outras, você não vai deixar de lê-lo, não é mesmo?
Ele foi um beat?
Não. Nos textos de Bukowski fica claro que a religiosidade encontrada em Allen Ginsberg e Jack Kerouac é algo ausente de seus interesses. Ele via-se como um individualista e niilista que jamais ia ter lugar em qualquer rolê coletivo. “Eu era um movimento de protesto, sozinho”, resume. E, tal como escreveu na crônica “Deveríamos queimar o rabo do Tio Sam?”, via as rebeliões juvenis dos anos de 1960 como ingênuas - protestos foram encabeçadas por Ginsberg (a quem ele via como um grande poeta) e outros beats.
Começou a publicar na década de 1940, sua circulação mais ampla, antes de Kerouac e Ginsberg lançaram “On The Road”, de 1957, e “Uivo”, de 1956. Com o filme “Crônica de um Louco Amor”, do diretor italiano Marco Ferrari, de 1981, e o sombrio Barfly, lançado em 1987, cujo roteiro é do próprio Bukowski, a literatura do dirty old man passou a ser conhecida pelo público ao chegar às telonas.
“À medida que uma pessoa fica mais rica ela se torna cada vez menos humana”, profetiza. Bukowski, na realidade, nada mais foi do que um personagem de si mesmo. Os relatos em primeira pessoa, vividos pelo seu alter ego Henry Chinaski, confundem-nos acerca de depoimento, ficção e invenção de acontecimentos reais. Temos de interpretá-lo, conforme sugere David Stephen Callone, no prefácio de “Pedaços de um caderno manchado de vinho”, à guisa do escritor francês George Bataille - autor acusado de ser pornográfico por conta do romance “Olho Nu”, na década de 1930.
Portanto, é desonesto intelectual e literariamente classificá-lo como subliterato, embora ele mesmo tenha sugerido essa definição ao dedicar Pulp - seu último romance - à subliteratura. Bukowski não fazia imitação barata, era cru, um simples contador de casos escabrosos que chocavam a sociedade consumista e conservadora dos EUA. Como diz o poeta Claudio Willer, em resenha publicada no jornal O Estado de São Paulo, em 2010: “Foi o mais cínico (no duplo sentido, corrente e filosófico da palavra) dos escritores deste século”.
It´s a dirty old man, Charles Bukowski.

Ficha técnica
Tempestade para os vivos e para os mortos
Autor: Charles Bukowski
Editora: L&PM
Tradução: Rodrigo Breunig
Preço: R$ 38,90
Avaliação: Bom
Confira um poema inédito de Charles Bukowski
por que todos os seus poemas são pessoais?
por que todos os seus poemas são pessoais?, ela
falou, não admira que ela te odiasse...
qual?, falei. você sabe qual... e nunca mais deixe
água na sua pia, e você não sabe
nem grelhar uma carne; minha senhoria disse
que você é bonitão e queria saber
por que não voltei a ficar com você...
você contou pra ela?
daria pra contar que você é presunçoso
e alcoólatra? daria pra contar sobre
o dia em que precisei te recolher
caído de costas no chão
quando você brigou?
daria pra contar
que você bate uma toda hora?
daria pra contar
que você se acha
um sr. Vanbilderass?
por que você não vai pra casa?
eu sempre te amei, você sabe,
eu sempre te amei!
ótimo. um dia eu escrevo um poema sobre
isso. um poema bem
pessoal
Poema extraído do livro “Tempestade para os vivos e para os mortos”