JM
Combate a Fake News ou controle social?
PL 2630/2020
PL das Fake News é alvo de críticas de especialistas em privacidade de dados

Júlia Aguiar
Nas últimas décadas vimos a sociedade se transformar completamente pela proliferação das redes sociais, as relações humanas se baseiam atualmente no que você compartilha na internet. Ativistas, cyberpunks e movimentos em prol da liberdade na internet discutem desde o fim dos anos 1990 sobre a privacidade dos dados compartilhados, questionando o que aconteceria se grandes empresas e estados autoritários soubessem tudo sobre nós, desde o que procuramos no google à nossa exata localização através do rastreamento ambulante que carregamos 24hs por dia - o celular.
Se lutar contra o capitalismo e as ditaduras já era difícil na década de 1970, onde ainda era possível se manter “anônimo” imagina nos dias atuais, onde todos nossos dados estão a disposição dos donos do poder? Porém, essa é uma discussão recente, dada a intensa massificação dos aparelhos eletrônicos de comunicação a partir dos anos 2010. Em menos de 10 anos passamos a assistir uma realidade em que grande parte da população mundial vê o celular como parte de seu próprio corpo.
Em 2008 era comum ver pessoas de classes sociais mais abastadas fazendo o uso do celular, que tinha recursos limitados de câmera, internet e comunicação, e pasmem, não era comum ver uma criança com tal dispositivo. Em 2020 a realidade é muito diferente, atualmente até crianças de 2 anos possuem um celular, e as pessoas mais pobres têm acesso a um aparelho com utensílios de última geração, dado a vasta opção entre modelos e valores dos celulares.
Com a massificação de usuários em redes sociais, o mundo assistiu o descontrole do fenômeno internet, que teve impacto direto nas eleições de 2018 pautadas em Fake News em vários países como Estados Unidos e Brasil. Mas afinal, o que são as Fake News? São notícias falsas construídas em blocos de identificação, empresas usam dados coletados de redes sociais ou comprados ilegalmente de aplicativos para construir perfis em massa da população, sabendo assim como construir uma notícia falsa que se encaixe com o que você acredita como realidade. É uma ferramenta usada para o controle da percepção da realidade em escalada global.
Marco Civil
O Marco Civil da Internet é a Lei 12.965/14 de autoria do ex-deputado Alessandro Molon (PT-RJ), aprovado no Senado em 24 de março de 2014 e logo após sancionado pela então presidente Dilma Rousseff (PT). Chamado de “Constituição da Internet” na época, a lei foi por muito tempo exemplo de regulamentação das redes, contendo 5 capítulos e 32 artigos, a lei afirma que a disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, pontuando: os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais; a pluralidade e a diversidade.
Além de garantir direitos para a proteção de dados, a lei prevê o “acesso à internet a todos e acesso à informação, ao conhecimento e à participação na vida cultural e na condução dos assuntos públicos”, como afirma a lei.
Porém, desde quando a lei foi aprovada existem inúmeras críticas ao Marco Civil, em especial ao artigo 15, na subseção III, em que a lei afirma "Guarda de Registros de Acesso a Aplicações de Internet na Provisão de Aplicações”, obrigando empresas, provedores de aplicativos e sites a "guardarem logs" no mínimo por 6 meses.
Em outras palavras, guardar logs significa registrar dados de usuários e assim, manter uma base de dados permanente com informações e registros que poderão ser requisitados a qualquer momento por um órgão jurídico brasileiro. Segundo o professor Sérgio Amadeu, “a guarda de logs resulta principalmente no controle biopolítico dos cidadãos”, disse em entrevista ao periódico Actantes em 2014.
Votação

Foto: Coalização direitos na rede
A votação da PL 2630/2020, conhecida como “PL das Fake News”, irá acontecer na próxima terça-feira (30) no Senado Federal, o projeto criado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania/SE) foi apresentado inicialmente para votação na última quinta (25) e foi adiado por pressão dos senadores para ter mais tempo para analisar o projeto, já que o texto foi apresentado somente 24 horas antes da primeira proposta de votação.
O texto foi amplamente criticado por ONGs e entidades nacionais e internacionais que lutam pela liberdade de expressão na internet. Segundo a SaferNet, uma associação civil de direito privado sem fins lucrativos, em nota divulgada junto com outras entidades a PL “pode provocar um impacto desastroso e amplo para milhões de brasileiros e uma ameaça aos direitos de crianças e adolescentes, afetando significativamente o acesso à rede e direitos fundamentais como a liberdade de expressão e a privacidade dos cidadãos e cidadãs na Internet”.
No último dia 24 a ONG Humans Right Watch publicou carta aberta pedindo que os brasileiros rejeitem a PL, e segundo a diretora da entidade no Brasil, Maria Laura Canineu “o Congresso parece estar correndo para aprovar um projeto de lei que resultaria no sufocamento da liberdade de expressão nas redes e exigiria que empresas provedoras de serviços de comunicação pela Internet coletem enormes quantidades de dados sobre todos os usuários”.
O texto original contém 6 capítulos e 31 artigos, que levam em consideração as leis já previstas no Marco Civil (2014) e de Segurança de Dados (2018). Apesar de pontos importantes como o artigo IV, do primeiro capítulo do projeto, em que recrimina a rede de disseminação artificial, afirmando que o “conjunto de disseminadores artificiais cuja atividade é coordenada e articulada por pessoa ou grupo de pessoas, conta individual, governo ou empresa com fim de impactar de forma artificial a distribuição de conteúdo com o objetivo de obter ganhos financeiros e ou políticos”, podendo prejudicar e incriminar o “gabinete do ódio”, investigado no STF por ter disseminado fake news que manipularam as eleições de 2018.
Porém, segundo a análise técnica da PL feita pela empresa de pesquisa sobre privacidade de dados, Data Privacy Br, existem falhas no projeto da perspectiva da proteção de dados pessoais, consistindo segundo a nota em quatro pontos específicos. O primeiro é a inequação do artigo 3, “que em razão de uma visão de privacidade individual ignora o caráter autônomo da proteção de dados pessoais e sua relação com liberdades públicas”, afirma a análise. A pesquisa pontua que existe uma violação do princípio da necessidade da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPDP) no artigo sexto, “que trata do cadastro de usuários de redes sociais e serviços de mensageria privada, ampliando o tratamento de dados pessoais de forma abusiva”. Porém, o artigo 8 do projeto de lei, também infringe o princípio de prevenção, que é a “adoção de medidas para prevenir a ocorrência de danos em virtude do tratamento de dados pessoais”.
O que acontece é que o projeto de lei que será votado na terça-feira coloca como necessário que empresas de redes sociais sejam obrigadas a recolher dados essenciais, “o cadastro de contas em redes sociais e nos serviços de mensageria privada deverá exigir do usuário documento de identidade válido, número de celular registrado no Brasil e, em caso de número de celular estrangeiro, o passaporte”, diz o primeiro parágrafo do artigo sétimo do projeto de lei. Segundo a pesquisa o artigo 10 do projeto também é inconstitucional, “no sentido de que transformação de todos os cidadãos em suspeitos e a obrigação de uma vigilância permanente, com capacidade de identificação precisa de disparo de mensagens, com data e horário, é contrária à ideia de “proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural” previsto na lei aprovada em 2018”.
A “PL das Fake News” não vem sendo amplamente divulgada, pelo simples fato de este projeto abrir mais brechas dentro do Marco Civil e ampliando a repressão, assim como a perseguição por parte do governo fascista Bolsonarista. Nós do Jornal Metamorfose recomendamos que você caro leitor, se informe cada vez mais sobre o tema e crie debates com sua rede de contato sobre esse assunto urgente.
Para mais informações:
Coalizão por Direitos na internet: http://plfakenews.direitosnarede.org.br/
Análise completa citada na matéria: https://www.dataprivacybr.org/wp-content/uploads/2020/06/Nota-T%C3%A9cnica-PL-2630-1.pdf
Artigo da Humans Ritgh Watch: https://www.hrw.org/pt/news/2020/06/24/375579