top of page
  • Foto do escritorMarcus Vinícius Beck

Conheço você agora

Sede de Arte

Há dez anos o mundo da música chocava-se com a morte da cantora e compositora Amy Winehouse, uma das mais enigmáticas artistas do século 21


Amy em apresentação no Grammy de 2008: show grandioso - Foto: Grammy/ Reprodução



O amor perdeu o jogo: há dez anos o mundo da música ficava órfão da voz rouca, jazzística e melancólica da cantora inglesa Amy Winehouse. Ela entrou para o chamado clube dos 27, ao lado de nomes que marcaram época, como Janis Joplin, Jim Morrison, Jimi Hendrix, Kurt Cobain, Robert Johnson e Brian Jones. Amy agonizava enquanto dava vazão às dores de seu coração partido mergulhado em uísque e cigarro.


Se a mistura de R&B, jazz e soul lhe moldou o visual e fez dele um símbolo old school em pleno século 21, ouvir a música de Amy leva nossa memória musical obrigatoriamente a retornar ao universo de Ella Fitzgerald e Etta James E, claro, soa aos tímpanos como se estivéssemos pendurados no balcão do bar chorando as dores do amor. Em “Frank” (2003), seu primeiro disco, ela já dava pistas: era um som que ficaria marcado e, cedo ou tarde, alçaria voos exorbitantes.


O sucesso fonográfico veio com “Back to Black'', três anos depois. R&B moderno, mas docemente retrô, com o qual vendeu milhões de discos e entrou nos holofotes dos paparazzi, Amy demonstrava logo na primeira faixa sua essência debochada, contestadora e autopreciativa. “Rehab” tornou os demônios internos da cantora um cartão de visitas e, cada vez mais, passou a ser vista publicamente bebendo e se drogando. Fazer shows virou um ofício secundário comparado ao tempo em que estava preocupada com o namorado Fielder-Civil.


Quando conheceu Fielder, Amy Winehouse estava com 22 anos. E tinha um histórico de decepções amorosas que lhe foram devastadoras, inspirando o clima soturno de “Back To Black” (“De Volta ao Luto”, como sugere o título do álbum, em tradução livre). Como um todo, o disco é entristecedor, vide as faixas “Wake Up Alone” ou “Loving Is a Loose Game”, porém a musicalidade é charmosa – uma considerável mudança para o anterior, mais sorridente, empolgante e vibrante.


“Eu costumava fumar muita erva”, justificou a cantora à revista Rolling Stone, em entrevista publicada na edição de agosto de 2011, num obituário assinado pela jornalista Jenny Eliscu. Ela revelou, na ocasião, que a mudança da maconha para a bebida foi o que transformou sua musicalidade num som arrojada, mas sensual e sedutor. “Toda mentalidade da erva é muito hip-hop, e, quando gravei meu primeiro disco, tudo o que eu ouvia era hip-hop e jazz. A mentalidade da erva é muito defensiva, muito ‘vai se foder, você não me conhece’.”


Nascida em Londres no dia 14 de setembro, Amy cresceu em Southgate. Era uma criança judia filha de pais da classe trabalhadora e criada com os clássicos do pop cantados por Frank Sinatra e Dinah Washington. Os pais se separaram quando ela tinha nove anos. Apesar de ter vivido a maior parte com Janis, a mãe, a cantora tinha fortes laços com o Mitch, o pai. Aos 10, criou uma dupla de rap chamada Sweet ´m Sour, e seu talento para o canto impressionou na época em que estudava no Sylvia Theatre School, onde por lá também passara Tyler James, seu melhor amigo.


Tyler sustenta que, estivesse viva, Amy teria abandonado o vídeo em álcool e drogas. Em “Minha Amy”, livro previsto para ser lançado no Brasil em agosto, ele relata que a cantora, na adolescência, era introspectiva, não curtia drogas, embora bebesse, fumasse maconha e fosse namoradeira. Conhecedora de música, chegou a estudar na Brit School, colocou um piercing no nariz e passou a matar aula. E largou a escola.



Assista interpretação de dois clássicos de Amy



Sua vida era o jazz. Aos 16, já tendo tocado em algumas bandas, começou a se apresentar sozinha, apenas com violão. Talentosa e dona de uma voz que remetia a black music americana – que tanto ouviu em casa -, um amigo lhe ofereceu o estúdio para gravar, e ela ficou fascinada. “Não entendia que podia ir até um estúdio sem pagar nada e escrever o que eu quisesse. Eu simplesmente não entendia o porquê”, disse na entrevista à Rolling Stone, na qual estava com o nariz branco.


O primeiro contrato chegou em 2001, ao assinar com a 19 Entertainment. Durante uma estadia em Miami, para gravar “Frank”, pegou um violão e tocou uma versão de “Garota de Ipanema”. Todos ao redor dela, de acordo com a entrevista da Rolling Stone, ficaram impressionados. O disco, como se sabe, recebeu entusiasmados elogios da crítica e foi indicado ao Mercury Music Prize e o Ivor Novello Award na categoria composição. Amy estava a caminho da fama.


Entre internações em clínicas de reabilitação – o sensacionalista The Sun publicou um vídeo em que ela fumava crack -, a cantora decidiu retornar aos palcos. Terminou o relacionamento com Fielder-Civil, sentia-se melhor e resolveu cair na estrada. Mas o primeiro show da turnê, no Kalemegdan Park, em Belgrado, Sérvia, ocorreu aquém do esperado, com Amy bêbada e errando as letras. A platéia, enfurecida, atirou objetos em direção ao palco, e levou-a a retribuir a gentileza, jogando um sapato de volta.


No Brasil, meses antes de morrer por intoxicação alcoólica, Amy Winehouse se apresentou em Florianópolis, Rio de Janeiro, Recife e São Paulo. Assim como em Belgrado, também errou letras e bebeu, o que levou o público a uma reação inesperada: glorificar o ato de uma artista sabidamente com problemas relacionados ao álcool.


Doce, amiga e sensível, além de uma inteligente artista, compositora e cantora, Amy morreu aos 27 anos, em 23 de julho de 2011. Mas sua música não parou de tocar. E a partir dela, posso dizer: conheço você agora.




Logo do Jornal Metamorfose
bottom of page