Lays Vieira
Contrapoder: a arte como estímulo para a ação
Cinema
Quarto dia da 15º CineBH debate um fenômeno constitutivo do cenário mineiro: a mineração e seus desdobramentos trágicos nos últimos anos

Roda de Conversa: Contrapoder - Foto: Reprodução/Universo Produção
A noite do quarto dia da 15º Cine BH foi encerrada com a roda de conversa "Contrapoder". Compunham a roda os diretores Antônio Beirão Xavier (Opção do Tomo), Eduardo DW e Álvaro Starling (Cidade analógica), Fernando Moreira (O vazio que atravessa), Pedro Gonçalves Ribeiro (O resto), Sávio Leite e Arthur Senra (Dinheiro), além da participação especial da ativista, defensora dos direitos humanos e da natureza, Carolina de Moura. A mediação ficou por conta da curadora da Mostra A Cidade em Movimento, Paula Kimo.
A proposta da mesa, e que se reflete em todos os filmes dos diretores convidados, era debater a aliança entre o capital e o estado no que se refere a destituição e subtração de vidas. A ideia foi pensar “até quando” deixaremos essa aliança se sobrepor e como a resistência a ela pode encontrar abertura e, em certa medida, operar via a potência do audiovisual, entendido como arma de luta e resistência.
É o que Arthur Sena já pontua logo de inicio ao afirmar como as palavras, a memória, as imagens e os registros também servem como contraponto as imposições do capital. Isso também é mostrado em seu filme, desde a genealogia que o diretor fez da origem do dinheiro, das cédulas, e sua relação com a ideia de troca e, posteriormente, a permeabilidade nas relações humanas. Outro ponto marcante da discussão são os apontamentos a tendência neoliberal de responsabilização total ao indivíduo e a presença de uma vasta necropolítica na dinâmica social.
Na mesma linha, Eduardo DW nos trouxe a riqueza e potencialidade dos saraus e poesias da capital mineira e como são usadas como ferramentas para pautar debates e falar do cotidiano urbano e do corpo na cidade. Cidade Analógica nos permite entender como a palavra também é uma possibilidade de protesto.
Tais aspectos, em diferentes medidas, acabam por se convergirem na obra e fala de Fernando Moreira na roda. Seu foco foi a mineração, especialmente a atuação da Vale, e o vazio que os desastres ambientais causados por essa prática deixaram na vida dos moradores, a exemplo de como se seguiu a vida dos que sobreviveram a tragédia de Mariana. O vazio também foi tema do trabalho de Pedro Gonçalves. Porém, seu foco foi no vazio dos lugares, dos espaços, do patrimônio que se perdem, que deixam de existir, do descaso público. Seu enredo é perpassado por como Belo Horizonte acaba matando constantemente seu próprio patrimônio em prol de outros empreendimentos.
Fernando também defende o audiovisual como um instrumento para dar voz as pessoas e como um caminho possível contra uma hegemonia. Em complementariedade, Antônio Beirão apontou a importância não só de dar voz, mas de buscar outras vozes. Sua fala foi muito enfática quanto a segurança hídrica e como a população de capitais e grandes cidades não se atentam e não se preocupam com a água.
E todas essas reflexões se convergiram na fala potente de Carolina de Moura. A ativista é uma sobrevivente de Brumadinho e moradora da região. Sua luta se dá por várias perspectivas. Para ela a palavra vive a partir do momento em que é replicada, daí uma das importâncias de se contar e de preservar memórias pelo audiovisual. Ainda mais em um contexto nacional onde ativistas e defensores, a exemplo dos defensores da natureza, são constantemente silenciados e como isso está ligado, dentro do contexto da mineração e para além dos governos de ocasião, a aspectos políticos e econômicos. A Vale e sua atuação é um típico exemplo e como se dá e das consequências nefastas da junção entre mineração e política e dos efeitos para quem denuncia tal dupla.
Como bem ressaltou Carolina, não dá para contar com a boa fé das empresas e multinacionais. A reparação nas tragédias brasileiras tem sido muito mais midiática do que efetivas, sem contar que o dinheiro não compra tudo, ele não compra vidas. Mas, para o casamento entre mineração, política e capital o lucro está acima de tudo.
O CineBH continua até dia 3 de outubro e está recheado de debates e mesas. Acompanhe os filmes e discussões. É tudo gratuito. Em um contexto bolsonarista onde a arte e a cultura são demonizadas, nada mais subversivo do que fazer e consumir arte.