JM
Curta discute arte urbana
Cinema
Documentário goiano ‘Gastrite’ gera reflexões sobre trabalho dos artistas de rua em meio à realidade do abandono da cidade

Artista Mateus Dutra em cena do documentário ‘Gastrite’ - Foto: Divulgação
Marcus Vinícius Beck
“Eu sinto o gratife como uma experiência que vem do fundo das pessoas e, de repente, adquire aquela consistência de um grito”, define o poeta Paulo Leminski numa palestra realizada lá pelos idos de 1986, na Universidade Federal do Paraná. Adepto da “tatuagem provisória” dos traços da arte urbana, Leminski dissertou sobre o tema em “Ensaio e Anseios Cripticos”, obra que reúne seus pensamentos sobre esse ofício. E por causa de sua verve porra-louca, ele acreditava que o gratife estava para o texto assim como o grito para a voz.
É, Leminski, de fato, a arte de rua instiga reflexões sobre os rumos da sociedade contemporânea. Ou seja, a cidade é um organismo vivo, com suas intervenções, com suas expressões, com suas inquietações, com seus ruídos, com seus problemas, que denunciam, que protestam, que escarram o cotidiano sobre o qual estão inseridos certos grupos sociais reduzidos a meros marginais pelos donos daquela bic da burocracia e pelos detentores do capital. Um muro, ora pois, é com uma folha em branco esperando um ímpeto de criatividade.
Dos sprays borrifadores de ideias e das pinceladas dos sentimentos libertários, abrem-se alas para a mordaça provocada pelas autoridades públicas e pelos empresários diante da fúria multicolorida dos grafites e pixos. E desse tamborim de mentalidades tão modernas quanto aquelas que reduzem a arte a soníferos quadros destinados aos bem-nascidos, “Gastrite”, curta-metragem documental dirigido por Hugo Brandão e com colaboração de Eduardo Carli de Moraes, vai direto ao ponto: é preciso falar sobre o trampo dos artistas de rua.
Ao longo de seus 20 minutos, o documentário prende a atenção do espectador e é impulsionado por entrevistas realizadas com figuras relevantes no meio artístico e intelectual goiano. A lista é grande: Mateus Dutra, Diogo Rustoff, Eduardo Aiog, Santiago Selon, Juliano Moraes (FAV/ UFG), Carol Viana, Kaiky Fernandez. Por isso, o filme intensifica os debates e as controvérsias sobre assuntos considerados urgentes na criação artística e no cenário sócio-político. Afinal, um imóvel ocioso é perfeitamente normal, mas um muro... bem... um muro...
Sabe-se lá Deus qual é a lógica dos engravatados, mas que ela é, digamos, intrigante, isso é.
Com a ameaça explanada por viúvos do coturno preto e da farda verde-oliva, faz-se necessário debater o papel das pincelas da urbanidade subversiva, já que tornou-se “o novo normal” o “cancelamento”, enquanto a repressão, bom, esta sempre esteve aí. Deste modo, o objetivo proposto pelo documentário, de alimentar a discussão sobre grafite e pixo, obtém êxito e mostra que é preciso falar sobre democratização espaço público e direito à cidade.
Feito com recursos do Fundo de Arte e Cultura de 2016, “Gastrite” acerta ao botar sob panos quentes aspectos da realidade experimentada pelos artistas de rua, que usam a cidade como um formidável meio de expressão. Trata-se, isto sim, de um alento em meio ao abandono da coisa pública. Então as imagens, captadas em praças famosas da capital e no centrão de Goiânia, não simbolizam apenas a indigestão – como diz o diretor Hugo Brandão -, e sim ilustram a importância do trampo de gratifeiros, muralistas, pichadores, sickers, artistas de lettering e stencil. Com diz Leminski: um muro é uma folha em branco. Alguém precisa preenchê-la. E logo, de preferência.
Ficha Técnica
‘Gastrite’
Diretor: Hugo Brandão
Gênero: Documentário
Duração: 20 minutos
Disponível no Youtube