JM
Decifrando Lee Aguiar
Botequim Literário

Ilustração da artista visual Mary Cagnin - Foto: Reprodução/ Acervo da artista
O velho Henry Miller bateu palmas e disse, com seu jeitão de tarado porra-louca:
“Render-se absoluta e incondicionalmente à mulher que se ama é romper todas as amarras, exceto o desejo de não a perder, que é a amarra mais terrível de todas”, diz o fodão-mor da literatura no segundo parágrafo de “Sexus”, o primeiro volume da trilogia “A Crucificação Encarnada”.
Henry Miller falou e tá falado. Todo escriba precisa de uma musa. É tão necessário, pasmem, como a cerveja que tomo enquanto persigo o tec-tec-tec do teclado madrugada adentro.
Vejam vocês: como a rainha do feminismo, Leila Diniz, ela também é da Cidade Maravilhosa, carioquíssima, de pele pecaminosamente queimada, ave Maria, que tesão!
Pode acontecer de tudo no catso da vida, pode, ih rapaz, o Corinthians ficar sem ganhar, sim, até a mais trágica desgraça, mas Lee Aguiar, a inspiração docemente ancestral deste cético cronista, continuará sendo a mulher responsa, cabeça, intelectualizada, cineasta, fotojornalista, jornalista e poeta pela qual o proletário do amor é apaixonado.
Além de musa engajada, ela é anarquista, ambientalista e feminista.
Como não se apaixonar? Como não amar?
É poesia em forma de mulher.
Vestida de branco, com boina de lã na cabeça, óculos redondos sessentistas, ela bota em minha zoada cinemateca craniana as fitas da francesa Agnès Varda, a rainha da Nouvelle Vague - vamos, sim, deixar a macharada da Cahiers du Cinéma pra lá, porra!
Lee Aguiar é sinônimo de contestação contra o status quo, contra as caretas normas que regem a nossa sociedade, contra os contratos sociais estabelecidos que dizem, ave!, que casal é apenas marido e mulher ou namorado e namorada.
O que tem essa mulher? Será que devo arriscar a responder? Jura?
Ela tem amor, ela tem paixão, ela tem cuidado nas pupilas e no coração…Taí, cuidado e amor talvez sejam seus maiores segredos, o que, talvez, tenham sido os elementos que limparam as merdas das quais este demente que vos fala protagonizou.
Há nisso, sem dúvida, uma beleza singular, embora às vezes sobrecarregue física, sentimental e emocionalmente essa mulher colorida que vive em meio à selva de pedra paulistana.
Tem um efeito lindo criar trocadilhos de tiozão para conseguir abrir seu riso e vê-la sorrir, nem que seja por segundos, como se a existência fosse suportável. Quantos segredos para se descobrir numa mulher! Sinto-me um privilegiado por ter desvendado alguns deles.
Recordo do delírio “Diário Subversivo: dias de embriaguez, utopia e tesão” (editora Kelps). Repare se eu não tenho razão, meu caro:
A prova de que Lee Aguiar talvez seja a mais poética das mulheres, em todos os sentidos do termo, é que ela é invariavelmente a mais lawrenceferlighettiana, a mais henrymilliana e anaisniana de todas – ela é rebeldia e revolta em essência.
Claro que, até por não ter nenhum rigor científico e ser dos pés à cabeça apaixonada, a minha constatação é a que mais vale. Escrevi, afinal, um livro-reportagem, Gonzo é verdade, mas um livro-reportagem, sobre a Primavera Estudantil de 2016. Adivinhe quem é a protagonista da história: ela, isso mesmo, meu caro Jorge Ben, lá vem ela, de novo ela.
Estava proibido, quer dizer, me sentia eticamente proibido e me contentei em ver do olho da fechadura da porta Lee crescer. Ela namorava um amigo. Um dia chegará a minha vez (risos), eu acredito.
Ela parece ter saltado das páginas da literatura de Henry Miller. Tem a sutil sensualidade capaz, meu rapaz, com ritma e tudo o mais, de aumentar sua longevidade em quatro, cinco, seis, sete décadas - ao lado dela, não tenho dúvida, você se torna um matusalém.
Lee Aguiar pode sair dos textos de Eduardo Galeano e, nas ruas, endossar o coro da massa dos excluídos, dos desfavorecidos, dos desajustados e das exploradas: “contra o autoritarismo de Estado, abaixo o governo Bolsonaro”.
E, é claro, há um tesão sem fim nas minas que se devotam pela luta política.