Victor Hidalgo
Disco Elysium
Sede de Arte
Um jogo de RPG que mistura bons diálogos, responsabilidade com suas ações e que não tem medo de ser político

Capa do jogo. Foto: divulgação
Você acorda no seu quarto de hotel após ter uma longa conversa existencial no abismo da sua consciência com o seu cérebro reptiliano ancestral e seu sistema límbico. O quarto está completamente destruído, parece que alguém jogou um sapato pela janela, que está quebrada, o chão está coberto de garrafas de bebidas alcoólicas completamente vazias.
Uma gravata horrível está pendurada no ventilador de teto, que roda lentamente e tremula como se fosse uma bandeira de algum navio pirata antigo. Você mal consegue andar, seu rosto está inchado, e uma enxaqueca horrível toma conta de todo o seu ser. A única peça de roupa que está no seu corpo é sua cueca. Parece que alguém tentou beber até a morte, mas não conseguiu. A única coisa que morreu foram suas lembranças de quem você era e o que você é. Bem vindos a Disco Elysium.
Lançado em 2019, pela desenvolvedora independente ZA/UM. No primeiro ano ganhou diversos prêmios e foi reconhecido como um dos melhores RPGs já feitos. Recentemente, uma nova versão foi lançada com uma história adicional, 100% do jogo narrado e interpretado, além de tradução para o português, o que é importante sendo que ele é completamente focado em narrativa, tendo um script com mais de um milhão de palavras.
O que difere ele de outros jogos do mesmo gênero? Bom, eu categorizaria ele como um RPG de narrativa interativa com foco em diálogos em um mundo de exploração isométrico. Muitas palavras, eu sei. Não consigo ver o jogo como um CRPG, tal qual Baldurs Gate ou Pillars of Eternity. Apesar desses jogos terem arvoes de diálogo, os conflitos podem ser resolvidos de outras formas, e na sua maioria, com batalhas épicas entre os personagens.
Em Disco Elysium, as batalhas são realizadas por testes das suas habilidades internas. Existem cinco árvores de habilidades que você pode investir os seus pontos e elas dialogam com você de acordo com suas ações no mundo. Você também internaliza pensamentos que podem afetar a forma que você interage com o mundo. Te dando bônus em checagens de dados, exploração e até informações que podem ser úteis mais tarde no jogo.
Você joga com um detetive alcoólatra de meia idade que por algum motivo bebeu até esquecer quem ele é. Você foi mandado para a cidade de Martinaise, um pequeno distrito do país fictício de Revanchol, para investigar o caso do homem enforcado atrás do hotel Whirling in Rags. Nesse processo você vai se encontrar com o melhor personagem que já existiu em um jogo, o tenente Kim Kitsuragi, que vai te ajudar na sua missão de descobrir quem foi o responsável pelo assassinato do homem.
No decorrer do jogo, você descobre o dano causado na cidade e seus habitantes, além de poder desenterrar o seu passado, ou desenvolver uma persona para deixar ele da forma que está: esquecido.
Você é um comunista? Um liberal? Um racista, fascista? O jogo vai te dar chances de desenvolver esses pensamentos no decorrer de suas escolhas. Vai de você saber o caminho que vai decidir seguir. O meu tirotipo (qual tipo de tira é você no jogo) acabou sendo o tirartista/comunista, tudo o que um policial não pode ser (como diversos personagens do jogo me disseram) o que liberou diversas opções de diálogo divertidas.
Disco Elysium é um jogo profundamente político e esse é um dos seus pontos mais fortes. Ele não tem medo de falar do assunto, como outros jogos. Tanto que quando o estúdio responsável ganhou 4 prêmios em 2019 pelo jogo, os desenvolvedores subiram no palco e agradeceram a Karl Marx pelo sucesso atingido.
O jogo conseguiu fazer o que poucos no gênero são capazes de alcançar: traduzir de forma quase integral o que é estar sentado em uma mesa de RPG com um mestre narrando sua aventura e o resultado de suas ações. Se eu pudesse comparar ele com algum sistema de RPG existente, talvez escolheria "Vampiro: a Máscara", por focar mais na narrativa do que em batalhas contra dragões e orcs.
Existem outros dois jogos que chegaram perto de realizar o que Disco Elysium entrega, um deles é o clássico "Planescape: Torment" e o seu sucessor espiritual "Torment: Tides of Numenera". Bons jogos que foram responsáveis de pavimentar o terreno para o que viria a ser talvez o melhor jogo do gênero criado até então.
Recomendo "Disco Elysium: The Final Cut" para todos os jogadores que gostam de jogos com longos diálogos e que não tem medo da política. Caso você não seja uma dessas pessoas, esse não é um jogo para você.
Disponível: Todas as plataformas
Desenvolvedora: ZA/UM
Preço: R$ 75,00
Idioma: Português