Victor Hidalgo
Dois jovens negros e um branco continuam presos apesar de imagens provarem inocência
Atualizado: 23 de dez. de 2022
São Paulo
Presos desde 15 de novembro com base apenas no reconhecimento feito pela vítima, os jovens não puderam ver os parentes e aguardam análise de material entregue pela advogada de defesa

Reconhecidos por um corretor de imóveis quando passavam de carro quando voltavam de um baile funk na Região Noroeste de São Paulo, três jovens de 20 anos e um adolescente de 17, aguardam a análise de imagens de câmeras de segurança, para provar inocência. Eles tiveram a prisão em flagrante convertida em preventiva no dia 15 de novembro pela juíza da Vara de Plantão Criminal, Carla Santos Balestreri, no mesmo dia do assalto. O adolescente ficou detido na Fundação Casa por dez dias, e foi solto por falta de provas.
O caso chama a atenção porque eles estavam a 7,9 km do local do crime e de onde saíram às 6h50 de acordo com imagens de câmeras de segurança. O assalto aconteceu às 6h45 na Brasilândia. Além disso, o corretor de imóveis pode ser mais uma vítima do golpe do Tinder, uma vez que ia se encontrar com uma pessoa nas proximidades de onde ocorreu o assalto.
Apesar de não ter sido encontrado a arma e nem o celular da vítima com os rapazes, a juíza Carla Santos Balestreri alega no despacho que "a prova da materialidade e os indícios de autoria do crime encontram-se evidenciados pelas declarações colhidas das vítimas e dos policiais militares”. Ou seja, a prisão foi baseada apenas no reconhecimento feito pelo corretor de imóveis e flagrante lavrado no 72º Distrito Policial, na Vila Penteado. E apesar da advogada de defesa ter juntado aos autos imagens de câmeras de segurança do Conjunto City Jaraguá, Região Noroeste de São Paulo, e dados que comprovam horário e trajeto realizado de carro, uso do cartão de crédito, nada foi analisado pela polícia até o momento.
Os dois jovens negros, Lucas Almeida Brita, 20, Rafael Marega Marques de Aquino, 20, o jovem branco Alan Jordan Pereira, 21 e o adolescente de 17 anos, saíram de casa, em Brasilândia, no dia 14 de novembro para se divertir nos bares da Freguesia do Ó e depois no baile funk no Conjunto City Jaraguá. O que era para ser mais uma noitada, acabou em prisão sem provas materiais.
“O reconhecimento feito é muito falho porque a vítima estava no meio da avenida, tinha acabado de ser assaltada e apontou para um carro com quatro meninos e falou que foram eles. As pessoas que assaltaram essa vítima correram para a viela a pé. Os meninos passaram de carro. E a vítima relata que foi assaltada às 6h45. Às 6h50 temos um vídeo dos meninos a cinco quilômetros desse lugar”, explica Vanessa Augusto, cunhada de Rafael. Eles foram abordados por Policiais Militares quando voltavam para casa quando o corretor de imóveis apontou para o Citroen Azul dirigido por Alan Jordan Pereira e alegou que aqueles eram os assaltantes. No 72 DP, a vítima afirmou que “sem sombra de dúvidas” reconhecia os três jovens e o adolescente.
A advogada de defesa contesta a prisão com base no reconhecimento feito pela vítima e afirma que o celular dos jovens pode provar a inocência por conta do horário dos vídeos feitos dentro do carro, histórico de compras do cartão e análise das conversas que a vítima relata ter realizado pelo aplicativo do Tinder.

O desespero das famílias
“A gente está desesperado de verdade. Uma por conta dessa parte emocional, que assim que eles fizeram aniversário a gente não pode estar juntos, não conseguimos ver eles ainda, até porque é uma super burocracia, tem que fazer carteirinha, um monte de coisa, a gente não conseguiu ir” , relata Vanessa. Outra preocupação é que festas e feriados do final de ano e Copa do Mundo podem atrapalhar o processo. “Se a gente não conseguir fazer nada e eles não saírem até o Natal, eu não sei o que vai ser da gente de verdade. É uma coisa que a gente não consegue nem imaginar”, conta Vanessa.
Reconhecimento de inocentes como os culpados
Em entrevista ao jornal Ponte em 2018, Gustavo Noronha de Ávila, doutor e mestre em Ciências Criminais pela PUC-RS, diz que o reconhecimento por testemunhas se tornou uma das provas mais usadas pelas polícias por se revelar uma forma rápida de encontrar um culpado. “É bastante dramático quando o sistema de justiça criminal segue utilizando de critérios norteados pelo improviso, pelo ‘aprender fazendo’, que acaba por caracterizar nossas práticas de coleta de prova penal dependente da memória”, informa o doutor.
A reportagem do Jornal Ponte lembra o caso do então adolescente João Ricardo Gouveia Bernardes, que passou um mês na Fundação Casa, em 2014, vítima de um reconhecimento mal feito. O rapaz foi solto apenas após o jornal publicar vídeos mostrando que o adolescente estava em casa na hora do crime e que tinham sido ignorados pela Justiça.
A advogada criminalista e vice-presidente do Instituto de Ciências Penais (ICP), Carla Silene, avalia, em entrevista ao jornal O Tempo que “existe uma crença de que é preciso achar um culpado. Depois que alguém assumiu essa culpa, as pessoas ficam satisfeitas. Por isso, muitas vezes existem provas induzidas, pessoas acusando as outras por vingança. O que vemos hoje é que o Brasil se acostumou a condenar mesmo sem provas suficientes. Você tem a palavra da polícia, e só”.
Não existem dados oficiais no Brasil sobre a quantidade de acusados ou presos injustamente. Mas, segundo os dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dos 881 mil presos no país, pelo menos 45% estão à espera de julgamento.
Golpe do Tinder
Segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP), em resposta ao jornal BBC News Brasil, mais de 90% dos sequestros registrados na cidade são feitos a partir de relacionamentos formados por perfis falsos criados em aplicativos como o Tinder. Só em 2022, a Divisão Antissequestro do Dope, unidade especializada em sequestro da Polícia Civil Paulista, esclareceu 94 ocorrências desse tipo, prendeu 251 suspeitos e apreendeu 9 adolescentes infratores.