Rosângela Aguiar
Dor e abandono pelo olhar de cineasta Xavante é uma constante entre povos originários
Cine Ouro Preto
O filme "Abdzé Wede’õ - O vírus tem cura?" foi apresentado dentro da Temática Preservação da 17a CINEOP

Direção de Divino Tserewahú. Foto: Divulgação
As dores, sofrimentos, modo de lidar com a morte, a doença, a ausência de apoio sob a ótica do olhar de um indígena durante o momento mais crítico da pandemia da Covid-19. Assim é o média metragem "Abdzé Wede’o - O vírus tem cura?", do cineasta Divino Tserewahú, da tribo Xavante (Barra do Garças, MT).
O filme fez parte da Temática Histórica da 17a Mostra de Cinema de Ouro Preto. A produção audiovisual indígena já tem duas décadas e vem deixando de ser tutelada pelo homem branco, passando a ser produzida exclusivamente pelos povos originários. Caso do Xavante Divino Tserewahú. “É uma dor, uma coisa que a gente sofreu muito no ano 2020, covid, pandemia. Nossas lideranças, anciãos e anciãs perderam a vida. Tudo pra mim é sempre importante, é mostrar ao mundo a realidade, para saber e conhecer. Esse filme também é preservação da nossa história”, conta, emocionado, Divino Tserewahú.
O abandono e a falta de socorro durante o auge da pandemia da Covid-19 no Brasil levou Divino Tserewahú a buscar recursos e registrar o que estava acontecendo na aldeia Xavante onde vive em Barra do Garças, Mato Grosso do Sul.
“É mostrar o fato que aconteceu, é uma realidade que aconteceu, que meu povo sofreu naquele momento e não tivemos socorro, um interesse de uma entidade que apoia a causa indígena. Nesse momento, era o momento deles socorrerem", denuncia num tom de revolta. Um sofrimento que não é e não foi somente da etnia Xavante, mas de todos os povos originários do país, que ainda lutam para recuperar seus territórios sagrados. “Perdemos várias lideranças e isso está na memória, na lembrança, restando apenas a saudade”.
Como sabia que ninguém se importava, que entidades como a FUNAI se calaram diante da tragédia que estava acontecendo na aldeia Xavante, Divino buscou recursos para registrar os cuidados que não receberam e como eles enfrentaram a pandemia e tentar evitar que mais mortes acontecessem. “Nosso olhar, com o meu olhar eu consegui fazer esse filme que vai passar para o mundo. É muito doído e quando eu estreei na aldeia. A aldeia silenciou, todo mundo chorou. Todos queriam cópia, mas temos que finalizar, ainda não tá pronto, mas mesmo assim a gente está começando a passar o filme”, conta.
Quando passa o filme não só o cineasta se emociona, mas todos que assistem, gerando um sentimento de revolta pela ausência do Poder Público, aquele que deveria estar ali, presente, ajudando e evitando as mortes de anciãos e anciãs dos povos originários. “Tudo pra mim é sempre importante, é uma mostra que o mundo pode conhecer, pode saber e esse filme também é preservação. É mostrar o fato que aconteceu, é uma realidade que aconteceu, que meu povo sofreu naquele momento e não tivemos socorro, um interesse de uma entidade que apoia a causa indígena. Nesse momento, era o momento deles socorrerem”, ressalta.
Divino, como os demais cineastas indígenas presentes na 17a CINEOP, acreditam na importância de, por meio dos filmes feitos por eles mesmos, mostrar com a câmera como vivem, as dores, sofrimentos, perdas, religiosidade para que o mundo ocidental, como eles falam, enxerguem a realidade e não romantizem a vida dos povos originários. A 17a CINEOP teve como tema central o cinema indígenas como memórias em transmissão, que dominou, não somente a Temática Histórica, mas a de Preservação e Educação.
Sinopse:
O documentário revela o impacto do coronavírus em uma das populações indígenas mais atingidas pela doença no país. Narrado em primeira pessoa por Divino, o filme destaca a luta desesperada de sua aldeia, Sangradouro, ao leste do Mato Grosso, para sobreviver à mais trágica epidemia conhecida pela nação xavante. Através de materiais de arquivo e imagens captadas durante a pandemia, procura relacionar um passado traumático com a realidade da covid-19.