Júlia Aguiar
E os 56 pedidos de impeachment?
Política
Eleição para Presidente se aproxima na Câmara dos Deputados e disputa aumenta entre líderes

O Deputado Federal Baleia Rossi e Michel Temer. Foto: Divulgação/site do deputado
A Câmara dos Deputados é a “casa do povo”, composta por representantes de todos os estados brasileiros. Os deputados federais têm a missão de garantir a dignidade das pessoas, para “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, como afirma a Constituição de 1988.
Atualmente, a constituição parece um devaneio coletivo enterrada em um passado não tão distante. Durante o governo Bolsonaro, a luta política dentro do congresso se tornou um eterno morde e assopra para conter o autoritarismo exacerbado, ao mesmo tempo em que pautas liberais e retiradas de direitos trabalhistas são aprovadas pelos deputados que ocupam a casa.
A Câmara funciona como um dos pilares do poder legislativo da União, e assim como o Senado, conta com eleições para a presidência a cada dois anos. Na atual conjuntura política, a nova presidência terá em mãos os 56 pedidos de impeachment homologados desde o começo de 2019, além de enfrentar importantes pautas propostas pela atual gestão, como a reforma tributária.
O atual presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou diversas vezes ao longo das crises políticas provocadas pela gestão estapafúrdia de Jair que “não é momento para impeachment”. Depois de três mandatos, sendo dois consecutivos, Maia ficou impedido de tentar uma nova reeleição – apesar dos esforços para uma nova interpretação da Constituição, barrada pelo STF, em 4 de dezembro de 2020.
No fim de dezembro, a pressão entre as lideranças começou a esquentar em busca de um apadrinhamento de Rodrigo Maia, tornando essa eleição um momento decisivo para o futuro do bolsonarismo. E vale lembrar, de acordo com o artigo 80 da Constituição, o segundo na linha de sucessão da Presidência da República é o presidente da Câmara dos Deputados, que é o primeiro a assumir caso ocorra um impeachment da chapa Bolsonaro-Mourão.
Desde o começo de janeiro a disputa se acirra entre Arthur Lira (Progressistas-AL), apoiado por Bolsonaro e Baleia Rossi (MDB-SP), apadrinhado por Maia e a oposição.
Lira é líder do centrão (PP, PL, PSD, Solidariedade e Avante), reunindo 135 deputados, formando a base aliada do presidente desde maio de 2020. Ele concorre com Marcelo Ramos (PL-AM) como seu vice, e ambos defendem uma nova “forma de comandar a Câmara”. Ricardo Barros (PP-PR), apoiador de Lira e líder do governo na Câmara, voltou a defender no dia 4 de dezembro que irá propor uma nova constituinte, “a atual Constituição Federal tem 103 vezes a palavra ‘direitos’ e 9 vezes a palavra ‘deveres’. Trata-se, claro, de uma conta que não fecha”, escreveu em artigo publicado na Folha.
Já Rossi é presidente nacional do seu partido, Movimento Democrático Brasileiro (antigo PMDB), e atua nos bastidores da Câmara desde o impeachment de Dilma, sendo muito próximo de Michel Temer. Segundo nota publicada na quarta-feira (6) pelo jornalista Lauro Jardim, do jornal O Globo, Temer teria ligado para Bolsonaro para afirmar que Baleia Rossi não seria oposição ao governo, caso ele ganhasse a eleição. O apadrinhado de Rodrigo Maia reúne em sua candidatura o apoio da oposição: PT, PSOL, PDT, PSB, PCdoB e Rede.
Segundo o professor adjunto da Área de Ciência Política da Universidade Federal de Goiás (UFG), João Carlos Amoroso Botelho, o deputado Baleia Rossi terá que fazer uma ginástica imensa para manter todos os compromissos com a oposição, os aliados de Rodrigo Maia e com a ligação de Temer a Bolsonaro, uma possível aliança bolsonarista.
“A ligação de Temer pode ter dois significados: tentar angariar mais votos para Rossi, inclusive do PSL, porque haverá quem não votará nele, diminuindo a intenção de votos do PSL no Lira. Pode haver também a intenção – que seria contraditória – do Temer manter sua aproximação ao Bolsonaro. Mas vale lembrar que o ex-presidente foi até requisitado para ir ao Líbano representar o governo brasileiro”, explica João em entrevista por telefone ao Jornal Metamorfose.
Para o professor, uma eventual presidência de Arthur Lira pode provocar um retrocesso nos Direitos Humanos, “desde o início do governo Bolsonaro o congresso e o STF tem cedido em alguma medida contrapesos às investidas mais autoritárias do Presidente. No caso do congresso ainda podemos nominar uma figura nesse sentido, o Maia. Essa eleição não é só uma mudança de quem conduz, mas uma linha de condução na Câmara, em uma eventual vitória de Lira. Ao menos um desse contrapeso se perderia”, afirma Botelho ao JM.
Arthur Lira, além de receber apoio de Jair Bolsonaro e sua trupe, ainda carrega em sua história uma série de contradições: foi afastado do cargo de Deputado Estadual em 2011, pelas investigações da operação Taturana, bloqueando inclusive todos os seus bens. Foi acusado de violência domestica pela ex-mulher em 2013, além de ser um dos principais aliados de Eduardo Cunha durante sua presidência na Câmara, denunciado pela operação Lava-Jato em 2015 e acusado de enriquecimento ilícito no ano seguinte. Lira representa uma abertura para garantir mais poder ao bolsonarismo, criando possibilidades para que as chamadas “pautas de costumes” sejam votadas e retirando Direitos Humanos da carta magna.
Apesar da conjuntura complexa para a oposição ao bolsonarismo, e depois de receber diversas críticas pelos movimentos sociais, a esquerda se aglomera com o candidato do MDB, Baleia Rossi. Para o professor João Botelho, pode ser uma aliança importante para a oposição, tendo em vista os espaços na mesa diretora e “apoiando uma candidatura menos problemática, que é a menos ruim”. “Eu vejo como uma decisão estratégica, apesar do papel que Rossi teve no impeachment de Dilma Rousseff. A base eleitoral dele está em santos, e há uma ligação dele com as ilegalidades no porto de Santos, então existe todo esse contexto por trás do Baleia Rossi, mas em comparação com o Lira, foi uma decisão estratégica e pragmática da oposição”.
Um levantamento feito pela Arko Advice afirma que Baleia Rossi apoiou 90,24% das pautas Bolsonaristas no ano de 2019, e Arthur Lira 86,26%. Já no ano passado o índice é de 77,82% e 70,59%, respectivamente.
2022

Michel Temer e Jair Bolsonaro. Foto: Adriano Machado/Reuters
A presidência da câmara possui peso tanto político quanto prático. Após dois anos de governo Bolsonaro, o Brasil sofre com queimadas, censura, crise econômica, uma ineficaz gestão da pandemia, milhares de mortos em decorrência da má gestão da saúde pública, e muitas outras atrocidades que imergiram o país sobre o caos.
A nova presidência da câmara pode transformar os próximos dois anos de mandato de Jair em uma festa autoritária. Numa eventual vitória, Lira daria mais força política para Bolsonaro, conduzindo um governo menos conflituoso com Legislativo. Uma vitória de Rossi, é importante ressaltar, também não é considerada um “grande estrago eleitoral” para Bolsonaro, conduzindo a câmara para uma gestão semelhante a Rodrigo Maia.
“Se Lira ganhar não teria um efeito direto a qualidade da democracia, mas pode abrir espaço para se deteriorar essa qualidade em decorrer dessas votações que seriam pautadas. Arthur poderia conduzir de forma favorável ao executivo, em todos os sentidos, tanto de iniciativa de áreas econômicas, como nas pautas dos costumes, Maia tem barrado essas pautas, o que um aliado de Bolsonaro não faria, até agiria para acelerar a votação dessas pautas”, explica o professor da UFG João Botelho, que é doutor em Ciência Política pela Universidad de Salamanca, da Espanha.
Apesar de Rodrigo Maia (DEM) ser uma barreira ao avanço das pautas de costumes, de outro lado foi aliado a pautas econômicas. “O que ele também fez foi tentar em alguma medida que as propostas se tornassem mais paliáveis à população de forma geral, não fossem tão redutoras de direitos como seriam caso as propostas originais fossem aprovadas, mas muitas propostas andaram de qualquer maneira menos tornando menos radicais”, finaliza Botelho em entrevista ao JM.