top of page
  • Foto do escritorJúlia Aguiar

Efeito cascata

Política

Bolsonaro faz reforma ministerial sem aviso prévio; generais entregam cargos e Brasil vive maior crise militar desde 1977

Pelo menos três generais entregam os cargos na manhã de terça feira. Foto: Anderson Riedel/PR


Já era de se esperar que os dias que antecederam o golpe civil-militar fossem intensos no governo Bolsonaro, mas ninguém percebeu que o presidente preparava às escondidas uma reforma ministerial que provocaria uma crise política dentro do comando do exército.


Mas, vamos aos fatos, cronologicamente: na quarta passada (24), Arthur Lira (Progressistas-AL), presidente da Câmara dos Deputados – inclusive eleito com apoio do presidente Jair Bolsonaro –, disse durante sessão plenária que estava aceso o “sinal amarelo” para o presidente, fazendo alusão a uma possível abertura do processo de impeachment.


A fala de Lira foi considerada uma mudança de tom, tendo em vista a passividade dos congressistas com o aumento da crise sanitária. O discurso foi uma resposta à crise provocada pela marca de 300 mil mortos de covid-19 no Brasil, além da falta de vacinas e pressões de governadores e prefeitos ao redor do país.


Porém, a gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com a pandemia sempre foi clara: enrolar a compra de vacinas para impedir mobilizações sociais contra seu governo. Com uma narrativa negacionista da pandemia, seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, provocou na mesma semana escândalos internacionais relatados em jornais no mundo inteiro como “uma vergonha a diplomacia brasileira”.


O presidente da Câmara dos Deputados, nesse dia, declarou que “muitas vezes [os remédios políticos] são aplicados quando a espiral de erros de avaliação se torna uma escala geométrica incontrolável”. “Estou apertando hoje um sinal amarelo para quem quiser enxergar: não vamos continuar aqui votando e seguindo um protocolo legislativo com o compromisso de não errar com o país se, fora daqui, erros primários, erros desnecessários, erros inúteis, erros que que são muito menores do que os acertos cometidos continuarem a serem praticados”, afirmou Lira em discurso.


Embora apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro, as críticas ao chanceler encheram o noticiário nacional durante a semana passada com Senado, Câmara, generais, grandes empresários e lideranças do agronegócio se unindo para tirá-lo da Esplanada.


Além de toda pressão externa, a situação de Araújo era insustentável dentro do próprio Itamaraty. No sábado (27), um grupo de 300 diplomatas divulgou uma carta na qual criticavam a postura do ministro. “Nos últimos dois anos, avolumaram-se exemplos de condutas incompatíveis com os princípios constitucionais e até mesmo os códigos mais elementares da prática diplomática. O Itamaraty enfrenta aguda crise orçamentária e uma série numerosa de incidentes diplomáticos, com graves prejuízos para as relações internacionais e a imagem do Brasil”, afirmava a carta.


Na manhã de segunda-feira (29), Ernesto Araújo entregou carta de demissão. O alvoroço da imprensa – e uma brevíssima esperança da oposição – que a substituição do chanceler poderia provocar uma melhora na pandemia foi atropelada por uma jogada política da base bolsonarista.


Na tarde do mesmo dia começaram as espetacularizações da queda de mais um ministro, no caso o general da reserva Fernando Azevedo e Silva, que era Ministro da Defesa.


Segundo o jornal Folha de S.Paulo, os auxiliares de Azevedo afirmavam que o ministro mantinha insatisfação a declarações sobre as Forças Armadas, e que o presidente tentava tratar o Exército como uma instituição a serviço do governo dele e não como um instrumento de Estado.


Horas depois, Azevedo publicou nota oficial agradecendo o Presidente da República e que durante os dois anos como ministro ele preservou as “Forças Armadas como instituições de Estado”. “O meu reconhecimento e gratidão aos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, e suas respectivas forças, que nunca mediram esforços para atender às necessidades e emergências da população brasileira. Saio na certeza da missão cumprida”, afirmava Azevedo na nota.


A demissão do general foi recebida com preocupação pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Antes de assumir o ministério, o general era assessor do então presidente do tribunal, ministro Dias Toffoli.


Em poucas horas, a grande mídia começou a noticiar a queda de 6 ministros.


Mudanças

Da esquerda para direita: vice presidente Hamilton Mourão, general Santo Cruz e Augusto Heleno. Foto: André Horta/Fotoarena, Leo Martins e Adriano Machado/Agência O Globo e Reuters/Reprodução


Braga Netto, que era ministro da Casa Civil, foi deslocado para assumir o Ministério de Defesa. O general Luiz Eduardo Ramos saiu da Secretária do Governo para assumir a Casa Civil.


Em aceno para o centrão, assume a Secretaria do Governo a deputada federal Flávia Arruda (PL-DF), conhecida como aliada do presidente da Câmara Artur Lira. A deputada agora ocupa cargo chave na relação entre o Presidente e os congressistas, além de ser presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO).


Anderson Gustavo Torres, secretário da Segurança do Distrito Federal, assume como ministro da Justiça no lugar de André Mendonça, que volta para o comando da Advocacia-Geral da União (AGU) no lugar de José Levi.


Já no lugar de Ernesto Araújo entra Carlos Alberto Franco França, conhecido por ser um seguidor de Olavo de Carvalho mais discreto entre os bolsonaristas.


Na terça-feira (30), uma crise inédita toma o Exército Brasileiro quando três generais das Forças Armadas entregaram os cargos afirmando não ceder as vontades autoritárias de Jair Bolsonaro. Os comandantes Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) afirmaram à imprensa que “os militares não participarão de nenhuma aventura golpista”.


O fato virou a maior crise política desde a demissão do então ministro do Exército, Sylvio Frota, em 1977 pelo presidente Ernesto Geisel, no auge da Ditadura Civil-Militar, que assolou o país por mais de 20 anos.


Nessa conjuntura há ainda a tensão da comemoração do golpe de 1964, que completa 57 anos amanhã, no dia 31 de março. As forças militares, trocadas à véspera do fatídico dia está gerando agitação dentro dos quartéis, onde muitos são apoiadores do presidente, porém, a palavra de ordem do Exército é de “acalmar os ânimos”.


Já o novo ministro da Defesa, o general Walter Braga Netto, afirmou hoje (30) em sua primeira declaração pública desde a mudança de pasta que o “movimento” de 1964 é parte da trajetória histórica do Brasil.


“Os brasileiros perceberam a emergência e se movimentaram nas ruas, com amplo apoio da imprensa, de lideranças políticas, das igrejas, do segmento empresarial, de diversos setores da sociedade organizada e das Forças Armadas, interrompendo a escalada conflitiva, resultando no chamado movimento de 31 de março de 1964. As Forças Armadas acabaram assumindo a responsabilidade de pacificar o País, enfrentando os desgastes para reorganizá-lo e garantir as liberdades democráticas que hoje desfrutamos”, afirmou Braga Netto.


A Associação Nacional Maçônica no Brasil (Anmb) também divulgou nota nesta terça-feira (30) a favor do golpe militar do dia 31 de março, convocando para um ato amanhã e manifestando “apoio incondicional” a Jair Bolsonaro.


“O Estado Democrático brasileiro se encontra à mercê de uma esquerda inconsequente, que assolou a nossa Pátria Amada por quase duas décadas e agora tenta ocupar, a qualquer custo, o poder, desconhecendo o Estado Democrático de Direito que elegeu, com quase 58 milhões de votos, os senhores presidente e vice-presidente da República do Brasil”, afirma o comunicado assinado pelo presidente da associação, Roberto Carlos Concentino Braz e pelo diretor de Assuntos Institucional e Social, Jafé Torres.


Leia a nota do Ministério da Defesa na íntegra:


MINISTÉRIO DA DEFESA

Ordem do Dia Alusiva ao 31 de março de 1964

Brasília, DF, 31 de março de 2021


Eventos ocorridos há 57 anos, assim como todo acontecimento histórico, só podem ser compreendidos a partir do contexto da época.


O século XX foi marcado por dois grandes conflitos bélicos mundiais e pela expansão de ideologias totalitárias, com importantes repercussões em todos os países.


Ao fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo, contando com a significativa participação do Brasil, havia derrotado o nazi-fascismo. O mapa geopolítico internacional foi reconfigurado e novos vetores de força disputavam espaço e influência.


A Guerra Fria envolveu a América Latina, trazendo ao Brasil um cenário de inseguranças com grave instabilidade política, social e econômica. Havia ameaça real à paz e à democracia.


Os brasileiros perceberam a emergência e se movimentaram nas ruas, com amplo apoio da imprensa, de lideranças políticas, das igrejas, do segmento empresarial, de diversos setores da sociedade organizada e das Forças Armadas, interrompendo a escalada conflitiva, resultando no chamado movimento de 31 de março de 1964.


As Forças Armadas acabaram assumindo a responsabilidade de pacificar o País, enfrentando os desgastes para reorganizá-lo e garantir as liberdades democráticas que hoje desfrutamos.


Em 1979, a Lei da Anistia, aprovada pelo Congresso Nacional, consolidou um amplo pacto de pacificação a partir das convergências próprias da democracia. Foi uma transição sólida, enriquecida com a maturidade do aprendizado coletivo. O País multiplicou suas capacidades e mudou de estatura.


O cenário geopolítico atual apresenta novos desafios, como questões ambientais, ameaças cibernéticas, segurança alimentar e pandemias. As Forças Armadas estão presentes, na linha de frente, protegendo a população.


A Marinha, o Exército e a Força Aérea acompanham as mudanças, conscientes de sua missão constitucional de defender a Pátria, garantir os Poderes constitucionais, e seguros de que a harmonia e o equilíbrio entre esses Poderes preservarão a paz e a estabilidade em nosso País.


O movimento de 1964 é parte da trajetória histórica do Brasil. Assim devem ser compreendidos e celebrados os acontecimentos daquele 31 de março.


WALTER SOUZA BRAGA NETTO

​Ministro de Estado da Defesa

Logo do Jornal Metamorfose
bottom of page