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Escrevinhador etílico

O quê ler?


Com bares de portas abaixadas, resta a literatura. Editora lança antologia de contos alcoólicos de Charles Bukowski, escritor que fez de cada copo de birita sua matéria-prima


Escritor Charles Bukowski numa de suas leituras de poesia em alguma universidade americana - Foto: Autor Desconhecido


Marcus Vinícius Beck


Na literatura americana, a hegemonia do médio é guiada por critérios mercadológicos. São, como definiu o poeta Paulo Leminski, os textos-mercadorias. Charles Bukowski é exceção a essa regra. Desde a primeira edição de “Cartas na Rua” para o público brasileiro em 1983, ele virou por aqui símbolo da marginalidade literária a partir da agudeza de seus registros da vida proletária, ganhando um brilho extraordinário. Sua técnica ficcional, cuja narrativa tem uma agilidade singular, é bastante incomum. O estilo vulgar e coloquial sai de cena para entrar o charme, e não a tal obscenidade, como querem os caducos críticos com suas teorias chatas.


Bukowski, ao contrário do que dizem por aí os burocratas das palavras, deu voz aos excluídos. O dia-a-dia de um carteiro não parecia ser a matéria-prima apropriada para um trabalho de ficção, especialmente um romance. Ainda assim, pelas frases pungentes e cortantes do escritor americano, essa fonte criativa ganha contornos límpidos. “Carta na Rua” é um texto que, ao ser começado, não dá pra parar. Encontra-se a mesma agudeza – e o mesmo efeito visceral de sentir culpa por cessar a leitura – em “Factotum”, “Mulheres” e “Hollywood”. Bukowski, alertou Leminski lá pelos idos de 1980 e poucos, daria as cartas.


E deu, como a gente viu nas últimas décadas. Com a iniciativa de publicar livros de bolso onde os preços são acessíveis aos desprovidos de recursos financeiros, a editora L&PM contribuiu para a democratização da obra bukowskiniana. Foram lançados, pelo selo gaúcho, os títulos citados, mas também os que contribuíram para desmistificar o status de autor ignorante que, vira e mexe, recai sob o estilo de Bukowski. “Pedaços de Um Caderno Manchado de Vinho” talvez seja o maior exemplo da sólida faceta intelectual do autor. Trata-se dele dissertando sobre John Fante, Ernest Hemingway e Van Gogh, seus mestres.



Capa da obra


Agora, mais uma vez pela L&PM, nova coletânea definitiva está em fase de pré-lançamento, e sobre um tema que assombrou o celebrado escritor americano: o álcool. “Sobre Bêbados e Bebidas”, como o próprio nome adianta pra gente, se debruça pelo universo dos bebuns com seus copos e suas garrafas, trazendo ao leitor alguns de seus mais memoráveis versos e prosas. Bukowski usa o álcool como uma musa e como um combustível – uma relação, digamos, um tanto conflituosa, mas responsável por alguns dos melhores e dos mais sombrios do Velho Safado. A matéria-prima do autor está na obra.


“Uma coisa de fato miraculosa acaba de acontecer: minha garrafa de cerveja girou e caiu”, observa nos primeiros versos de “Garrafa de Cerveja”. Em “Sobre Bêbados e Bebidas”, o especialista na obra bukowskiniana, Abel Debritto, reúne os trabalhos mais profundos, debochados, irônicos e inventivos sobre o sentimento de amor e ódio do dirty old man com a birita. Munido de um copo na mão, Bukowski consegue ficar sozinho, estar com pessoas, ser poeta, amante e amigo, mesmo que, na maioria das vezes, isso signifique que ele tenha de arcar com um preço alto. Torna-se, o Velho Safado, bêbado, quase um dândi, risos.


Em 1981, o cineasta italiano Marco Ferrari levou às telonas o conto “A Mulher Mais Linda da Cidade”, texto de Bukowski que faz uma ode – bem ao seu estilo – ao ato de amar. Lá como em “Sobre Bêbados e Bebidas”, a gente vê um escritor com emprego degradante, porém com todas as fragilidades inerentes a alma humana. Por essas e por outras, a obra bukowskiniana é uma janela escancarada para compreender o que sentia e pensava um dos mais adorados autores da América. Charles Bukowski é um cara que, muito mais do que ser taxado como indecente, deve ser entendido como um sujeito sensível. Vamos lê-lo.


Ficha Técnica

‘Sobre Bêbados e Bebidas’

Autor: Charles Bukowski

Gênero: conto e crônica

Editora: L&PM

Preço: R$ 32,90 (pré-venda)

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