Júlia Aguiar
“Eu não posso ter medo”, diz candidata a vereadora
Eleição 2020
JM entrevista Thais Ferreira, candidata a vereadora pelo PSOL no Rio de Janeiro

Thais é uma das sementes de Marielle Franco. Foto: Acervo pessoal/Thais Ferreira
Com voz alegre e barulho de crianças ao fundo, a candidata a vereadora no pleito da cidade do Rio de Janeiro, Thaís Ferreira, do PSOL, deu entrevista ao Jornal Metamorfose por telefone, na tarde de terça-feira (20). Mulher, 32 anos, mãe de três filhos, moradora da grande Irajá no subúrbio da zona norte, Thaís conta que sua atuação política vem do berço. “Minha avó Luciola era uma grande parteira do Morro das Mangueiras. Eu venho de uma família que sempre acolheu mulheres”, narra.
O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) do Rio de Janeiro garantiu que nas eleições de 2020 65% da verba eleitoral fosse destinado a candidaturas negras e 67% para candidatas mulheres. Segundo nota divulgada no site do partido, a iniciativa é uma medida que visa reafirmar o compromisso com “a luta por políticas de igualdade” e supera o percentual exigido pela lei. No total, 53% das candidaturas proporcionais negras estão na faixa de prioridade do partido. Thaís é uma candidata mulher e negra, mas recebe somente os serviço da faixa básica, sendo excluída da faixa prioritária do partido e sem acesso a nenhum valor em dinheiro do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).
Na teoria, a igualdade racial dentro dos partidos está sendo angariada, mas o número de candidatos assassinados durante a campanha só aumenta. Peculiarmente, na capital fluminense, a maioria que morre são candidatos de periferias comandadas pela milícia. Thaís diz que é urgente romper com essa realidade. “Requer uma certa dose de cuidado e coragem, eu tenho que te confessar que eu busco o medo, eu sou mãe, eu vou me policiando real, é aquela coisa: nós não fomos criados nesse lugar para nos sentirmos assim”.
A história da candidata é intensamente ligada aos movimentos sociais dentro das comunidades, algo que vem de berço – como ela mesma disse em várias entrevistas. Sua família sempre teve papel importante na mobilização e acolhimento de pessoas pretas e periféricas. Thaís, que desde muito nova participa da luta popular, conta que entrar na política institucional foi um processo longo para entender que era possível expandir sua luta para políticas públicas que impactem as massas.
“A mudança institucional é possível sim, precisamos lutar pelo espaço da revolução. É muito do que o pensamento preto fala: precisamos ter mais de nós em todos os espaços. Dentro da possibilidade de cada um, nos cargos que ocupam”, conta em entrevista ao JM. Thaís se considera uma mulher de esquerda, anticapitalista e luta pelo combate irrestrito do racismo na sociedade.
Para a candidata, ocupar a Câmara Legislativa é um passo essencial para a melhoria na qualidade de vida de uma população. “Antes nós do que eles”, afirma. A ideia é usar os mecanismos do poder vigente para consolidar direitos básicos, que são garantidos por nossa esquecida e rasgada constituição de 1988. “Existe uma dificuldade de comunicação justamente porque o sistema político institucional não foi feito para a participação popular. Essa participação é necessária para a mudança institucional, não é facilitada porque esses agentes acabam reproduzindo esse modelo branco dominante, que é excludente”, explica Thaís.
Segundo dados do Núcleo de Pesquisas Clóvis Moura, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, dos 513 deputados federais eleitos em 2018, apenas 24 eram negros e de 81 senadores, somente 3 são negros. Já nas câmaras legislativas, dos vereadores eleitos em 2016, eram 24.282 negros. “A estética da política institucional é muito distante da nossa realidade. Estamos em um processo de transição de sistema e precisamos entender nosso papel nessa disputa, a gente tem que chegar em algum lugar e precisamos passar por todos os espaços”, relata Thaís Ferreira em entrevista ao JM.

Para a candidata, o amor preto cura e é possível. Foto: Arquivo pessoal/Thaís Ferreira
Propostas
Para Thaís, os eleitores precisam se atentar as possibilidades reais da ação política. Afinal, o que um vereador realmente pode e consegue fazer durante um mandato na Câmara Legislativa?
“Eu sempre procuro falar com os eleitores como eleitora também para que todos entendam que é possível facilitar caminhos. Procurem, além da representação, a questão principal é a efetividade, fazer realmente o que impacta nossas vidas”, explica.
As propostas da candidata foram construídas de forma coletiva pelas redes sociais, com mais de 500 pessoas se envolvendo em debates e discussões sobre o que seria prioridade nos quatro anos de mandado. Hoje, a campanha de Thaís pauta 90 ações efetivas para realizar na câmara, que priorizam o bem-estar social, o acesso à cidade e os direitos das mulheres.
Sua campanha luta pela consolidação dos direitos básicos desde o nascimento. “As pessoas precisam parir de forma saudável e inclusiva, colocando a saúde como estado social de bem-estar pleno”, conta Thaís.
A candidata explica ainda que para uma condição de vida mais justa precisamos ampliar o direito à cidade. “Sabemos que o Rio de Janeiro é uma cidade partida pelo racismo colonial, uma cidade que já foi capital, já foi centro da escravidão, precisamos legislar como forma de combater o racismo. Por esse motivo pautamos políticas de cultura popular e a economia criativa, porque o Rio tem toda essa herança negra e indígena, o que gera valor social e econômico para a cidade”.
Negritude
“Sim, a gente fala de África porque é mãe de toda natureza do planeta. E somos natureza, fazemos parte desse ecossistema, nossa geração tem que viver de forma saudável, e enquanto mulheres e mães para além da sobrevivência”, conta Thaís Ferreira, que diz combater irrestritamente o racismo.
A candidata, que também tem propostas para a preservação do meio ambiente na cidade do Rio de Janeiro, explica que não existe luta ecológica sem combate ao racismo. Thaís afirmou que particularmente não se considera antirracista. “Eu sempre tive que combater o racismo irrestritamente, mas não faço juízo de valor quem faz o uso do termo antirracista, o termo é um instrumento muito valoroso para nossa luta, mas particularmente acredito que eu devo combater irrestritamente”.
Para ela, as pessoas brancas que se dizem antirracistas, mas em suas redes sociais estão sempre e somente com pessoas brancas, não são dignas de confiança, pois é necessário mais do que ouvir e entender os problemas estruturais do racismo. “Se você não convive diariamente com pessoas negras eu não confio em você enquanto antirracista”, afirma.
Já no quesito revolucionário, a candidata não esconde que a democracia tem limites a serem ultrapassados. “Espero que todos os revolucionários não deixem que de ser revolucionários. Tentarei reparar danos, tentarei levar para as massas o que foi retirado, até onde a estrutura me possibilitar".
"Quando a estrutura não der mais a gente rompe com ela”, afirma a candidata.
Fascismo
A capital fluminense vive um contexto domado pela violência policial, paramilitar e um fascismo crescente. Não é à toa que o Rio de Janeiro é o berço eleitoral do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), e é notório o crescimento de milicianos na política, número que disparou no pleito de 2020.
Thaís, moradora do subúrbio carioca, explica que sua realidade não mudou com a ascensão do fascismo no resto do país. “As ameaças sempre aconteceram porque eu venho de um contexto fascista, mas é claro que existe um agravamento geral. Na minha realidade a gente sempre teve notícia de violência contra mulheres, ativistas sociais, cerceamento, castração, infelizmente é o que você está sujeito quando tá na luta”, relata.
Para ela, é preciso coragem para ser ativista no Rio de Janeiro. “A naturalização da violência tira o medo, o que não é legal, mas você fica assim 'é isso não tem o que fazer'. É muito ruim chegar nesse lugar de não ter medo do risco, nesse lugar que nos impuseram, eu preciso saber que esse risco não deve ser corrido. Como é que eu vou ter medo? Eu não fui ensinada a ter medo, eu fui criada desde criança pra pular corpo para ir pra escola. Isso não é de agora, só está tendo uma amplificação aos atentados contra o estado de direito, a realidade é que isso sempre aconteceu aqui”.