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“Eu queria ter o direito de morrer”, relata candidata a vereadora

Eleições 2020

JM entrevista Andréa Werner, candidata para vereadora da cidade de São Paulo pelo PSOL

Andréa Werner, candidata a vereadora pelo PSOL em São Paulo, com o número 50.005. Arte: Cris Vector/Divulgação


São Paulo é a maior cidade da América Latina, com mais de onze milhões de habitantes. Tão grande quanto sua dimensão, é sua desigualdade e negação do acesso aos espaços públicos e privados por pessoas com deficiência ou alguma neurodiversidade, como o autismo. Nessas eleições, uma mulher busca representar essas pessoas e às mães de crianças neuro-diversas. Seu nome é Andréa Werner, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). 


Além dos outros candidatos, um adversário inesperado surgiu para atrapalhar a campanha: o coronavírus. Com a pandemia, o antigo modelo de panfletagem se tornou perigoso e obsoleto, dificultando a militância e busca de votos. A candidata conta que em 2018, quando fez sua primeira campanha, a mobilização se dava com grandes rodas de conversas e debates públicos na casa das apoiadoras, em lajes, garagens e em qualquer lugar que pudessem ocupar.


“Por estarmos em uma pandemia, às pessoas ficam com medo, o que é compreensível. Eu só consegui fazer rodas de conversa quando as pessoas tinham um quintal grande, ou uma área aberta, conseguimos sentar com uma certa distância e com máscaras. Mas obviamente foi com um número menor do que a gente já fez, o resto foi roda virtual. Foi o jeito que a gente conseguiu adaptar, mas não teve como não ir para a rua fazer uma panfletagem, um corpo a corpo, tomando o cuidado”, conta a candidata Andréa Werner em entrevista ao Jornal Metamorfose


Werner conta com o apoio de seu marido, que cuida do filho Theo. A criança, por ser autista necessita de cuidados especiais e retomou algumas terapias, o que facilitou para a candidata conseguir um pouco mais de tempo para poder ir a rua fazer sua campanha. Mas ainda assim, uma carta na manga que iria a diferenciar de outros candidatos e aumentar o seu alcance com o eleitorado em tempos tão difíceis é sua campanha online.


A história de Andréa na internet já é antiga. Em 2012, um ano depois que seu filho fora diagnosticado com autismo, parou de trabalhar e criou o blog Lagarta vira Pupa, para ocupar um pouco a cabeça e falar das suas experiências e dificuldades como mãe de uma criança autista.


“Muitas mães começaram a se identificar com esses relatos e fazer contato. Aí eu comecei a entender a realidade dessas outras mães, e aí virou todas às redes sociais: Facebook, Instagram, Youtube, tudo! Comecei a gravar vídeos com informação mesmo de qualidade para essas mães, eu tinha acesso a médicos e terapeutas bons, que é coisa que a maioria não tinha acesso", relata Andréa ao JM.


O blog virou um espaço de acolhimento para essas mães e Andréa foi percebendo as dificuldades que elas tinham. Werner conta que uma mãe foi abandonada pelo marido ao descobrir que o filho nasceu com alguma deficiência, algo que acontece em 80% das vezes. Ela relata que outro ponto importante é o acesso a terapias no SUS, que além de muito difícil, não oferece todos os tratamentos, o que leva ao descaso com as mães dessas crianças, que não tem acesso a tratamentos de saúde mental.


“Acho que estava faltando um pouco a esquerda pegar essa conversa, do feminismo mais maduro e principalmente do feminismo materno. Das questões que envolvem as mães no feminismo. E temos questões muito graves como: sobrecarga, abandono familiar, abandono do marido quando o filho tem o diagnóstico de alguma deficiência. É óbvio que isso acontece também quando não tem deficiência, mas a gente sabe que é muito mais frequente essa idealização do amor materno como combustível para todas as questões. Então quando você tem um filho deficiente você foi escolhida por deus, você é especial, você é uma guerreira e vai dar conta. A sociedade usa esses rótulos e desumaniza essas mulheres para poder virar as costas, e o estado faz a mesma coisa”, explica Werner.


A candidata ainda informa a importância de resgatar essa pauta da direita e mostrar para essas mães que elas não são especiais, não são santas ou guerreiras, mas cidadãs e que tem direitos, assim como seus filhos.


“Tem um vídeo que eu postei no meu Twitter sobre minha trajetória com meu filho, meu ativismo, e teve gente que comentou: “Essa mulher está no partido errado.” Porque nem a direita e nem a esquerda sabem muito o que fazer quando aparece uma mulher da esquerda que é feminista mas com a pauta materna", relata Andrea.


Segundo ela, é uma pauta que está deslocada e vista muito como de direita com o olhar patriarcal cristão, o que ela está fazendo é trazer um novo olhar para a família, mostrando que existem diversos tipos delas, inclusive a neuro-diversa. E que muitas vezes, uma mãe é vítima de múltiplos abandonos, primeiro do marido e depois do estado.


Andréa Werner ao centro, Marina Amaral a esquerda Sâmia Bomfim a direita. Foto: Divulgação



“Eu queria ter o direito de morrer” diz Andréa em um vídeo publicado no Twitter, ao comentar o relato de uma amiga que tem um filho autista, compartilhando da sua angústia. Nele, ela comenta que ao pensarmos em autistas, pensamos em crianças e esquecemos que elas envelhecem, dependendo muito da mãe para continuar cuidando delas. E quando essa pessoa morre, são abandonados, muitas virando moradores de rua.


Uma de suas propostas é criar mais Centros-Dia, unidades públicas destinadas ao atendimento especializado a pessoas idosas e pessoas com deficiência que tenham algum grau de dependência de cuidados. Busca-se evitar o isolamento social, o abandono e a necessidade de acolhimento, e a ampliação das residências inclusivas.


A direita tem historicamente a pauta da deficiência em suas mãos, porém, eles sempre abordaram de forma assistencialista. Mas o que é preciso fazer para alguma mudança efetiva na vida dessas pessoas são políticas públicas para maior inserção na sociedade. Desde a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência na ONU em 2006 e promulgada no Brasil em 2009, o estado tem por obrigação promover, proteger e assegurar o exercício pleno dos direitos das pessoas com deficiência e assegurar que usufruam de plena igualdade perante a lei. Ou seja, para remover barreiras que impedem a participação dessas pessoas é necessário investir em políticas públicas de acessibilidade.


“Geralmente a direita não quer dar essas políticas, não quer lutar por investimento para que haja inclusão real nas escolas, a gente tem agora o decreto 10502 de Bolsonaro, que institui a nova política de educação especial trazendo peso de novo para a questão das escolas especializadas, em detrimento da inclusão escolar. Então não se investe direito em inclusão, para que essas crianças com deficiência possam frequentar efetivamente os mesmos espaços das crianças sem deficiências e estar se voltando para idéia da educação especializada”, relata a candidata.


Uma das maiores barreiras a serem enfrentadas é o capacitismo: presumir a incompetência da pessoa com deficiência sem ao menos a conhece-la. Andréa explica que é olhar para aquela criança ou indivíduo deficiente e questionar sua habilidade de exercer aquela função ou de aprender. Que uma das formas de resolver isso é com campanhas de conscientização, educação anticapacitista, políticas públicas e ações afirmativas.


“Eu sempre falo que as mães acham lindo às crianças com deficiência da propaganda. Quando saiu aquele bebê Johnson com síndrome de Down, todo mundo quase morreu de amor! Só que a gente ainda vê mães em escolas fazendo abaixo assinado pedindo para tirar o aluninho com deficiência da sala porque está dividindo demais a atenção da professora com o filho. Bonito só na propaganda, no vamos ver mesmo, dia a dia, as pessoas têm uma resistência na convivência”, afirma Andréa ao JM.  


Ter o Theo foi o início da politização de Andréa. Quando colocou no mundo um menino com um cérebro diferente, começou a perceber como a sociedade não está pronta para conviver com corpos e mentes diferentes. Foi quando começou a sair da bolha. Seu filho tinha acesso a um bom plano de saúde, mas foi conviver com outras mães e ouvir suas histórias que a fez descobrir que a maior parte da população depende do acesso ao SUS e vivem em uma situação de extrema vulnerabilidade, por conta do abandono dos maridos. Não conseguem se manter no mercado de trabalho por serem as únicas responsáveis pelos filhos.


E uma coisa levou a outra, ela começou a reparar em outras opressões, contra negros, LGBTQIA+ e mulheres de muitos aspectos. Foi quando viu que estavam todos dentro de um grande barco das opressões.


“Eu pretendo brigar pela política do cuidado. Cuidar de quem cuida. A gente precisa primeiro brigar para que o orçamento para educação, saúde e assistência social seja ampliado. A gente tem o SUS que está sendo sucateado há muitos anos por sucessivos governos federais, estaduais e municipais. A gente precisa de investimento real nas áreas que são mais importantes quando a gente fala de política do cuidado. Pretendo fiscalizar o executivo de perto. Pretendo mexer nas coisas que às pessoas não mexem, tentar entender a qualidade daquelas creches que são parceiras, já são mais de 80% das creches que tem em São Paulo. Mas, eu também não vou sozinha, quando digo que vamos juntas é porque somos muitas mães. Conto muito com elas para quando for eleita, quando eu convocar vamos todas juntas fazer pressão quando tiver votação de algum projeto de lei que seja favorável ou não, para lotarmos a câmara de mães com filhos para votar o que realmente importa. Mas o meu foco mesmo é a política do cuidado: cuidar de quem cuida", finaliza a candidata.


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