Júlia Moura
Fábrica de cadáveres
Entrevista
Livro discorre sobre as opressões contra a classe trabalhadora. Fábio Silva é poeta e se orgulha de fazer parte da "literatura marginal", confira a entrevista completa

Livro está disponível no site da editora Merda na Mão. Foto: Divulgação
“Fábrica de cadáveres - Do forno ao moedor”, livro do autor Fábio Silva Barbosa retoma bases da literatura marginal e tece em seus versos/prosas fios de revolta diante das opressões bárbaras que descolorem a realidade pela ótica de personagens comuns ao cotidiano.
A obra é formada por textos e poemas curtos, que narram histórias e relatos das personagens apagadas e destroçadas no moinho do mundo e suas dores materiais são postas em uma estrutura fluída, porém impalatável aos olhos insensíveis, que não tremem de indignação diante do grito de sofrimento dos oprimidos postos na obra, produtos da fábrica de cadáveres.
O autor, Fábio Silva, conversou com o Jornal Metamorfose sobre seu processo de escrita e suas intenções com a publicação de “Fábrica de Cadáveres”.
Jornal Metamorfose: Como se deu sua formação literária ao longo da produção do seu livro?
Fábio Silva: Minha formação literária é constante e não para. É sempre assim. No momento em que estava finalizando a obra, estava também, junto ao grande parceiro Diego El Khouri, concretizando uma ideia. A ideia de uma editora que publicaria os impublicáveis. Nascia a Editora Merda na Mão.
Ao mesmo tempo produzia junto ao ColetiveArts, dava sequência ao meu zine, o Reboco Caído, que tem mais de dez anos de resistência, persistência e insistência e ainda estava envolvido em várias outras coisas. Escrevia três livros ao mesmo tempo. E ainda conseguia ler o que me chamava a atenção ou caía em meu colo de forma inesperada. E via filmes interessantes. Isso sem falar no contato constante com a realidade que me cerca, com a rua e toda essa barbárie que nos aniquila.
JM: Qual a sua relação com a ideia de literatura engajada na contemporaneidade, em consonância com função social que a arte estabelece em momentos de barbárie como atualmente?
FS: Quanto a segunda questão, acredito na arte transformadora. Caso contrário é mera decoração e não acredito em arte decorativa. É muito pouco. Claro que cada um pensa de uma maneira e existe quem discorde, mas eu penso desta maneira. Pra mim arte é função, é reflexão ao mesmo tempo que ação, é vida e movimento, mesmo que estática. Só temos de ter cuidado com as armadilhas e não cairmos no engajamento careta, porque esse é contraproducente. Nos fechar em pequenas bolhas, fundar clubinhos, novas elites que ficam falando para si mesmas e não contribuem pra nada... Nada disso ajuda. Temos de dialogar com o caos reinante. Temos que ir além do ver. Temos de sentir e fazer.
JM: Quais foram suas referências para a sua escrita e como foi o desenvolvimento do seu método narrativo e processo de escrita em "Fábrica de cadáveres"? Onde e em quem você gostaria de chegar?
FS: As referências foram muitas. Basicamente tudo que li, ouvi e vi até o presente momento. Mas, sobre tudo, a referência maior é a vida real. Aquela que não está na televisão, nas redes sociais ou no podcast. A realidade real. Aquela que existe, que sofre e que morre em cada esquina, em cada barraco, em cada desilusão. Aquela que sangra e enlouquece. Meu método narrativo vem daí. Da dor e do sofrimento real. No Fábrica, nada é invenção, mesmo quando é. Meu método narrativo é o soluço em meio ao desespero. E acaba por ser este também o método de escrita. Onde e em quem você gostaria de chegar? Não saberia dizer. Não me preocupo em chegar. Gosto de caminhar a esmo por estes corredores estreitos cheios de becos sem saída
JM: Enquanto artista e escritor, qual sua perspectiva diante do atual desmonte cultural no país e como sua literatura se encaixa nesse momento de resistência da cultura e da arte?
FS: Começarei a responder esta de trás pra frente, pois acho importante iniciar explicando que minha literatura não se encaixa, ela não tem nada a ver com o que rola por aí. É meu universo interior, formado pelo contato direto com o universo exterior, em troca direta com o universo exterior em toda sua complexidade. Então registro algo que não cabe nas receitas de bolo servidas enquanto nos debruçamos sobre mapas que não nos levam a lugar algum. Sobre o desmonte cultural não é uma coisa nova.
A cultura e a educação sempre foram alvo deste tipo de ação criminosa. Paulo Freire já falava sobre isso. Roberto Freire, Darci Ribeiro, Glauber Rocha.... e tantos outros já falavam sobre isso há quanto tempo atrás? Apenas estamos em um momento onde tudo está mais explícito. E mesmo assim, a população completamente sabotada, não consegue ver. Estão todos cegos. Furaram os olhos e entupiram as orelhas.
JM: Conte um pouco sobre seu livro, sua visão e percepções. O que você gostaria de jogar luz em sua obra?
FS: Novamente começarei de trás para a frente. Gostaria de jogar luz sobre a escuridão, registrar o que a maioria das pessoas finge não existir. O Fábrica de Cadáveres é meu primeiro livro pela Editora Merda na Mão, mas é a continuação de uma obra que já vem de algum tempo e está em constante construção. Quem ainda não leu, entre em contato através do meu e-mail fsb1975@yahoo.com.br ou com o da editora editoramerdanamao@yahoo.com. Em breve teremos novidades nesta continuação.