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  • Júlia Lee

Fotografia, um universo masculino

Fotografia

Pesquisas indicam que apenas 10% dos fotojornalistas ocupam o mercado internacional são mulheres

Foto: Priscilla Aguiar

Segundo pesquisas que analisam gênero, como a do IBGE na análise Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil, as mulheres ocupam somente 39,1% cargos de poder e 73% têm dupla jornada de trabalho - com os afazeres domésticos, além de receberam 3 vezes menos que os homens pelos mesmos cargos e funções.


Na fotografia, apenas 15% trabalham com fotojornalismo, como indica a pesquisa da ONG Woman Photography, segundo a análise de 2018, apenas 10% das mulheres tiveram espaços em prêmios internacionais de fotojornalismo. Entre as principais agências de fotografia, os dados são alarmantes: na Associated Press apenas 12%; Reuters 15%; e na Agence France Press apenas 3% são mulheres. As pesquisam indicam o óbvio, a fotografia é um universo elitizado, masculino, branco e hetero.


A Woman Photography analisa que apenas 15% dos fotojornalistas do mundo são mulheres, os números de mulheres negras chega a apenas 3%. No Brasil, dentro dos três maiores jornais impressos, apenas 5 mulheres fazem parte do grupo fixo de fotojornalistas.


O que fica claro nas coberturas fotográficas realizadas nas grandes metrópoles, como São Paulo, onde é visível essa desigualdade. Segundo a fotógrafa Amanda Silva, que reside na capital paulistana, “as mídias só oferecem reconhecimento para homens, sempre homens, com fotos de baixa qualidade, sem um real sentimento por trás daquela foto, falo isso porque já presenciei comentários de "não vou tirar foto daquilo porque não vai me gerar lucros", mas é a foto desse mesmo fotógrafo que está em todas mídias independentes”.


Já a fotojornalista Thais Ferrer conta como é desanimador estar em um ambiente majoritariamente masculino, “você chegar pra fazer uma pauta e só ter você de mulher é totalmente desconfortável no início, você sente que está sendo repreendida no olhar por "macacos velhos", você sente que está sendo sabotada por ser mulher, você sabe que vai fazer de tudo pra fazer um clique incrível e totalmente arriscado mas não vai ter a mesma repercussão de um homem, é desanimador né? É muito complicado, mas a palavra certa é desanimador completamente”.


A fotojornalista goiana, Priscilla Aguiar nos lembra que: "A mulher sempre esteve presente na história, na evolução da fotografia e do jornalismo, e mesmo assim, ainda lidamos com a estigmatização nessa área. Vivenciando isso na prática, percebi que cabe a nós fotojornalistas, permanecermos potentes e presentes nesse cenário, quanto mais estivermos presentes, mais vão perceber o quão esse preconceito é velho e absurdo", conta Priscilla em entrevista ao Jornal Metamorfose.


“Mulheres, nós somos por nós, somos capazes e somos a nossa própria aprovação. esquece esses fotojornalistas que fazem de tudo para foto dar lucro, porque nós fazemos de tudo para que nossa foto denuncie o que vemos nas ruas”, finaliza Amanda Silva.


Hoje, decidi contar a história de algumas fotojornalistas brasileiras, jovens e feministas. Confira:


Raffaella Di Melo (@dimellofotografia)

Fotos tiradas em 2019, São Paulo.


Raffaella Di Melo é fotógrafa, tem 19 anos e é natural de São Paulo. Raffa conta que "o fotojornalismo me abriu espaço pra sentir o melhor carinho no coração e uma angústia que não cabe em mim, tudo no mesmo trampo".


Segundo a artista, a gente vive nossos altos e baixos na rua, "nós encontramos realidades que abalam as estruturas e tentamos fazer o recorte mais verídico possível de uma cidade tão grande, influente e movimentada como São Paulo", explica.


As dificuldades em ser mulher dentro do mercado fotográfico é algo que Raffaella sempre percebeu, ela conta que sabe "a sensação do desrespeito e sei como é ser vista como frágil no meu trabalho, mas o prazer de ver o fotojornalismo feminino ganhando espaço toma conta de mim; a resistência se torna mais fácil e ainda mais bonita", finaliza.


Priscilla Aguiar (@clicksdapri)


Priscilla Aguiar é goiana, tem 28 anos sua relação com o fotojornalismo se deu início na faculdade. Em 2012, ela entrou no curso de jornalismo com a expectativa de "unir as duas coisas que mais me alimentava na época, as palavras e a fotografia. Foi a partir daí que comecei a usar a fotografia como ferramenta para contar uma história visual", conta a fotógrafa.


O seu objetivo sempre foi causar um impacto no observador de forma que "cada imagem fosse um capítulo de uma história preenchida de significados, tirando a ideia de que a fotografia é apenas uma compilação vazia de imagens", conta em entrevista ao Jornal metamorfose. Priscilla conta que após a faculdade se deparou com um mercado de trabalho cheio de esteriótipos, "eu vi que tudo era condicionando a mulher fotógrafa, trabalhar em áreas de atuação consideradas femininas, como casamentos, fotos de maternidade, família... Indo na contramão desse cenário limitado, tenho buscado meu espaço lutando pela igualdade e mostrando através do meu trabalho a capacidade feminina de fazer registro em qualquer área que seja", explica a fotojornalista.


Ela ainda relata que a primeira coisa que reparou após entrar nesse mercado de trabalho foi a escassez da figura feminina, "é nítido e escancarado a predominância masculina nessa área, em inúmeras situações eu era a única mulher da equipe", finaliza.


Amanda Silva (@amandpsilva)


Amanda é de São Paulo, tem 19 anos, e faz parte do coletivo Incógnita. Em entrevista ao Jornal Metamorfose ela contou que começou a fotografar em 2016 em manifestações, como uma forma de protesto da sua parte, que à época Amanda não se via como fotojornalista.


Ela conta que acabou se distanciando da fotografia em meados de 2016, mas que não entendia o real motivo daquela vontade de fotografar. Ela voltou ao fotojornalismo em 2018, tendo uma visão diferente da realidade do mercado de trabalho, e se questionou aonde estavam as mulheres fotojornalistas.


“Fiquei chocada porque eu realmente não via nenhuma (fotojornalista mulher), quando chegava em casa e entrava nas redes sociais para ver as fotos dos atos, só se via o trabalho dos homens fotojornalistas te cercando dentro das redes, então fui procurar em hashtags e encontrando aos poucos mulheres fotógrafas, mas encontrei apenas uma que realmente fornecia suas fotos para jornais e mídias”, explica Amanda. Ela ainda conta que foi procurando mulheres fotojornalistas nas redes sociais que entendeu porque parou de fotografar por um tempo, “me deparei com fotos lindas e sem nenhuma visibilidade, foi aí que eu me toquei do porque a minha afeição por fotografia acabou em 2017. A falta de visibilidade para mulheres fotojornalistas é quase inexistente”, explica.


A fotógrafa ainda questiona a falta de mulheres negras dentro da profissão, “vejo algumas fotógrafas conseguindo aos poucos se estabilizar no mercado, mas são poucas. Alguém já viu o trampo de alguma mina negra fotojornalista? Porque eu só conheço o meu e da @nayjinkss que é do Pará”, afirma Amanda.


Thais Ferrer (@_thaisferrer)


Thais é do Maranhão e mora há tempos em São Paulo, tem 21 anos e faz parte do coletivo independente Incógnita. Thais me contou que começou a conhecer o fotojornalismo depois que leu o livro "God Cried", nele ela conheceu a fotojornalista Catharine Leroy, que fez vários registros na Guerra do Vietnã, registros incríveis que quase não foram divulgados pelo forte sexismo na profissão. “A partir daí comecei a acompanhar os movimentos estudantis em São Paulo, estudava em uma escola que foi ocupada na região de perus e desde então não parei de acompanhar a pauta”, conta.


A fotógrafa conta que sempre foi realista e desconfiada com o mundo do fotojornalismo, e explica que apesar de fotografar desde 2015, somente recentemente começou a ser “reconhecida” por fotojornalistas homens. “ Sinto e sei que a profissão é totalmente sexista, sei que por ser mulher eu posso criar imagens incríveis, no entanto, eu vou ter muito menos repercussão que fotojornalistas homens. Você sente que a relação da mulher na fotografia não evoluiu sabe? Catharina já fazia isso em 1960 e sofria um grande sexismo na profissão, eu realmente não vejo diferença atualmente”, diz em entrevista ao Jornal Metamorfose.

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