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Geração mimeógrafo

Resenha

Editora lança obra que popularizou produção poética de nomes seminais à contracultura brasileira dos anos 1970


Ana Cristina César participou do movimento que ficou conhecido como geração mimeógrafo - Foto: Reprodução



Em artigo publicado na extinta revista Visão em 1971, o jornalista Zuenir Ventura cunhou a expressão “vazio cultural” para se referir à produção artística durante os anos de chumbo da ditadura. Zuenir disse que, se na década anterior, pós-golpe de 1964, houve inovações como o Cinema Novo, Teatro de Arena e Tropicália, o “nosso produto interno cultural estaria caindo assustadoramente” nos anos 1970.

Mas o que era para ser um marasmo provocado pela censura possibilitou, na verdade, a concretização da poesia marginal, também conhecida como geração mimeógrafo. Em 1976, a crítica literária Heloísa Buarque de Hollanda – com “consultoria” dos poetas Cacaso e Francisco Alvim – reuniu nomes como Roberto Piva, Ana Cristina César, Chacal, Waly Salomão, Torquato Neto e outros na obra “26 Poetas Hoje”, que será reeditada pela Companhia das Letras em comemoração aos 45 anos de seu lançamento.


Fora das grandes editoras e procurando estabelecer nexo entre poesia e vida, esses jovens imprimiam de maneira artesanal seus versos e os vendiam de bar em bar, de praia em praia e de cinema em cinema, no Rio. A iniciativa marcou uma ruptura com a formalidade acadêmica e mostrou uma relação com o modernismo de 1922, sobretudo na linguagem com requintes irônicos da qual os poetas setentistas eram adeptos.


Paralelamente à atmosfera poética fervilhante de desburocratizar os versos, a caretice fardada instigou o nascimento e o falecimento precoce de pelo menos 150 jornais de resistência ao regime militar. Esses veículos, conforme destrinchou o jornalista Bernardo Kucinski em “Jornalistas e Revolucionários”, obra seminal para a compreensão da imprensa no período, movimentaram a cena cultural da época.


Cristina César, por exemplo, chegou a colaborar com publicações como “Opinião” e “Beijo”, importante periódico de cultura que circulava no Rio, mas que teve poucos números: apenas sete. Mesmo assim, a escritora atuou com destaque no sentido de dar voz aos artistas de vanguarda, movimento do qual ela também fazia parte e marcou versos como “também eu saio à revelia/ e procuro uma síntese nas demoras”.


No plano da linguagem, é importante destacar que a subversão aos padrões literários dominantes se faz evidente nos textos dos poetas marginais: imagens como “a estátua de Álvares de Azevedo é devorada com paciência pela paisagem da morfina”, de Roberto Piva, poeta paulistano, mostram uma recusa à literatura classicizante, com seus museus de grandes novidades e seus versos que distanciam a vida da poesia. Piva pulsava tesão com o delirum tremens do “Paraíso de bundas glabras sexos de papel.”


A verdade é que, ao engrossar o caldo da contracultura dos anos 70, “26 Poetas Hoje” mostrou que Zuenir Ventura estava enganado, além de tornar nomes como Roberto Schwarz, Zulmira Ribeiro Tavares, Afonso Henriques Neto, Vera Pedrosa, Antonio Carlos Secchin, Flávio Aguiar e Bernardo Vilhena imprescindíveis para literatura brasileira dos anos de ditadura. Então, reler o compilado de Heloísa após 45 anos é ver que houve, de fato, uma resposta dos artistas aos anos de chumbo e ao vazio cultural.


Se a escolha de colocar juntos estilos diferentes como os de Chacal e Antonio Carlos Secchin é questionável, a antologia continua bem-vinda e confirma que a poesia alimenta almas. Como poetou Cristina César em “Algazarra”: “a fala dos bichos/ é comprida e fácil:/ miados soltos/ na campina”. A literatura, bem, a literatura salva o ser humano dele mesmo. Isso por si só basta.


’26 Poetas Hoje’

Organização: Heloísa Buarque de Hollanda

Gênero: Poesia

Editora: Companhia de Bolso

Preço: R$ 39,90 (pré-venda)

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