Júlia Aguiar
Goiânia pode se tornar uma metrópole mais justa e ecológica
Política
Plano Diretor terá audiência pública na próxima segunda-feira (31), entenda como a cidade pode melhorar a partir de políticas públicas

Centro de Goiânia. Foto: Lucas Wagner Nunes
Em 2022, nosso futuro constitucional está em risco. Mas é também neste ano decisivo para a democracia do país, que a disputa pelas decisões locais e estaduais se tornam ainda mais relevantes para a retomada democrática. Investidas autoritárias vem sendo tomadas em vários âmbitos de políticas públicas, tais disputadas podem impactar as lutas por sociedades mais justas, ecológicas e democráticas.
O Plano Diretor de cada cidade é um exemplo claro disso. É através desse recurso que os vereadores e o prefeito decidem o que é possível ser realizado nos próximos 10 anos. Se engajar e cobrar o poder público por um plano coerente é essencial para a consolidação de direitos humanos.
Mas afinal, o que é um Plano Diretor e pra quê ele serve?
O Poder Executivo Municipal cria um projeto de cidade, onde se é discutido os aspectos físicos e territoriais, com a responsabilidade técnica de arquitetos urbanistas e especialistas em desenvolvimento ecológico. O plano também é votado pelos vereadores na Câmara Municipal, onde é levado em consideração a eficácia jurídica de acordo com a constituição vigente.
O inciso primeiro do artigo 182 da Constituição de 1988 diz que esse é um instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana; o inciso dois, afirma que cabe ao Plano Diretor definir as exigências fundamentais para o cumprimento da função social da propriedade urbana.
A cada dez anos o Plano Diretor é revisitado pelos vereadores, que analisam quais são as prioridades para a próxima década, além de planejar a mobilidade urbana, o saneamento básico, como será as habitações, obras públicas, regulamentação fundiária, de edificação em coerência com o direito democrático.
Há também a função orçamentária, que rege quais investimentos serão feitos no município e como o dinheiro público deve ser investido na melhoria da cidade.
O Plano Secreto
Goiânia não revisa seu plano diretor há mais de 10 anos, o que proporcionou um crescimento não planejado da cidade. Enchentes, terrenos abandonados na região central, deslizamentos, transporte público defasado e outros inúmeros problemas atuais são reflexo da falta de planejamento estrutural.
No fim de 2021, o plano diretor virou pauta na Câmara Municipal, porém foi entregue um projeto sem transparência e com várias lacunas técnicas. Uma delas é a falta de documentos e arquivos em alta qualidade, como por exemplo, o novo mapa da cidade. O Plano Diretor foi entregue aos vereadores apenas 13 minutos antes da votação Mista – que vem antes da votação no plenário – o parecer foi aprovado com apenas um voto contrário, do vereador Mauro Rubem (PT).
Para Rafael Gomes, artista e ativista ecossocialista, o plano diretor não contribui com as atuais demandas da cidade por falta de escuta popular. “A quem interessa esse plano diretor? Não é que ele não seja interessante, mas é interessante para quem? E essa pergunta não pode ser respondida só por uma equipe técnica totalmente atrelada a prefeitura”, explica em entrevista ao JM.
Após a votação mista, o vereador Mauro Rubem (PT) conseguiu adiar a votação para fevereiro deste ano, possibilitando um processo de escuta de especialistas em um processo direto com a população. Algo que foi vetado pela prefeitura, que tentou de todas as formas impedir o debate popular.
O texto original é longo e com questões que não integram as funções que um Plano Diretor (PD) deveria ter, como por exemplo, saúde bucal, comunidade LGBTQIA+, coisas importantes, mas que não deveriam estar ali. “Se os próprios técnicos têm dificuldade de entender quem dirá as pessoas”, afirma Luiz Felipe, arquiteto que integra o coletivo Salve Goiânia, criado para discutir o PD.
“A sensação que eu fico é que esse plano diretor foi feito a toque de caixa, será que ele foi realizado com estudos aprofundados? Definitivamente não foi”, critica Gomes.
Os principais problemas
Para o vereador Mauro Rubem (PT), o maior problema do plano original é a expansão urbana, pautada por empreiteiras, imobiliárias e investidores do mercado. “Querem comprar terrenos da área rural, é a liberalização da expansão. Levando a cidade para mais longe sem ter estudo sobre o impacto dos luxuosos condomínios fechados para a cidade”, explica em entrevista ao Jornal Metamorfose.
Para o arquiteto Luiz Felipe, a expansão urbana para áreas rurais irá aumentar de forma proporcional a quantidade de vazio urbano que já existe. “Só faz sentido se houver mais pessoas, mas estamos em uma curva decrescente, as pessoas estão tendo menos filhos. Eles querem que áreas rurais se transformem em área urbana sem pagar imposto e isso é inconstitucional”.
O Plano Diretor aprovado pela Comissão Mista prevê que as construções podem ser seis vezes maiores que a área adensável, o que muda o coeficiente base, realizado para pensar a ocupação do lote.
“O lobby imobiliário ganha em tudo e querem confundir a gente que verticalização e adensamento são coisas diferentes. O que é mentira, porque eles vão fazer loft, flat, é para especulação. Você não vai colocar uma família de 4 filhos dentro de um apartamento de 30 metros quadrados”, continua Felipe.
Ocupando áreas rurais teremos outro problema que já interfere no funcionamento da cidade: o impacto ambiental. Pensando nas mudanças climáticas em decorrência do aquecimento global e, principalmente, nas ações que já impactam a vida das pessoas, podemos construir uma cidade que evita tragédias ambientais. É agir localmente para pensar globalmente, como as grandes metrópoles podem avançar no combate ao aquecimento local?
“Existe uma imprevisibilidade climática muito grande, como Goiânia se encaixa nisso? Qual a nossa responsabilidade sobre a nossa cidade para que não prejudique um monte de gente. Quando eu falo de ecossocialismo não é sobre plantar árvore, é saber o impacto que essa árvore tem na vida dos rios, saber que esse rio passa pela cidade. Como são os rios que cortam a nossa cidade? O que acontece na época na cheia e na época da seca?”, questiona Rafael Gomes, militante ecossocialista e artista.
O impacto ambiental não foi pauta dentro do novo Plano Diretor, que prevê uma verticalização intensa sem estudos aprofundados. “Qual sentido você querer otimizar e explorar um terreno se você vai ter um impacto ambiental enorme? Porque Goiânia está negociando terreno com as cidades do lado? Porque você tem uma expansão da mancha urbana se existe lote vazio dentro da cidade? A gente tem recurso humano para entender isso, estudar essas questões e construir um plano diretor direito”, continua Gomes em entrevista ao JM.
Escuta popular
Quantos de vocês, que estão lendo esse texto, participaram do debate sobre o Plano Diretor? Essa pergunta não tem o intuito de ofender, mas de demonstrar a lacuna pública quando o assunto é escuta popular.
Sem audiência pública promovida amplamente pelo poder público municipal, o texto do Plano Diretor entregue pela prefeitura foi votado em Comissão Mista sem audiência. O debate só se tornou possível após de articulações da oposição ao governo e a única audiência sobre o tema está marcada para a próxima segunda-feira (31), às 9 horas da manhã. Todos estão convidados a participar.
“Uma equipe técnica que esteja comprometida com processo de ampla discussão com a população sobre os problemas de cada micro região, o plano fica muito mais rico. Mas, escuta popular demanda esse tempo e dedicação”, explica Rafael Gomes.
Já o vereador Mauro Rubem explica que se o Plano Diretor estivesse sendo discutido com a sociedade, colocando a democracia nas sete regiões de Goiânia, a Câmara estaria conhecendo melhor o trânsito, os problemas ambientais e o transporte coletivo. “Imagina a riqueza de resolução de problemas que teríamos? A sua riqueza cultural e de diversidade de ideias, não essa mentira que a prefeitura tem feito, mentiu no IPTU, mentiu no plano diretor”.
Como explicou o arquiteto Luiz Felipe, leis não faltam. “A constituição é maravilhosa, existe função social para terra. Não falta instrumentos, falta participação popular e cobrar os políticos. Existem exemplos que deram certo, como a Erundina nos anos 80 e 90, a população participava porque o recurso chegava para os movimentos sociais, isso dá autonomia”.