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Gramsci, presente

Atualizado: 18 de jun. de 2020

O que ler?


Boitempo lança obra que reúne artigos de Antonio Gramsci publicados em jornais italianos ao longo de 1917


Antonio Gramsci refundar as bases do pensamento político no século 20 - Foto: Getty Images



Marcus Vinícius Beck


No início de 1917, a Primeira Guerra Mundial atolou o mundo nas trincheiras encharcadas de sangue no front europeu, alemães de um lado, franceses e britânicos de outro, cara a cara, face to face, com avanços encorajados por tiros, bombas, gases tóxicos, peste, frio e moléstias contagiosas – como a Gripe Espanhola, a pandemia que ceifou a vida de milhões de pessoas. A juventude na flor da idade, munida por sonhos, vontade de consertar o mundo e alimentada pela poesia de Guillaume Apollinaire e Ernst Stadler, era morta nos mortíferos campos de batalha daquele conflito sem utopia e tesão que mudou os rumos do século 20.


O clima de guerra nas trincheiras foi o estopim para que governos decrépitos fossem chacoalhados. Na Rússia, o império Romanov – com roupagem feudal – sucumbira aos anseios revolucionários e acabou sendo substituído em fevereiro por uma república que pretendia-se social-democrata, mas já se vislumbrava à frente a radical ruptura bolchevique de novembro. Como aconteceria em outros países, o ônus de assinar a paz às vezes humilhante de um conflito desencadeado pela antiga ordem política iria caber, na terra de Leon Trotski, ao novo regime. E na Itália, país unificado no final do século 19, um jovem jornalista sacudia as caducas teorias em vigência.


“Odeio os indiferentes também porque me irrita o seu choramingar de eternos inocentes” - Antonio Gramsci

Nos anos finais da década de 1910, Antonio Gramsci (1891-1937) escrevia para os jornais socialistas “Il Grido del Popolo” (O grito do povo) e “Avanti!” (Avante!) e no folhetim “La Città Futura”, da Federação Juvenil Socialista, que, produzido do início ao fim por Gramsci, contém o artigo que dá título ao livro “Odeio os Indiferentes”, obra lançada neste mês pela Boitempo. Seguindo a linha cronológica do ano de 1917, a coletânea apresenta textos inéditos onde o pensador expõe as divergências do Partido Socialista Italiano (PSI). “Odeio os indiferentes também porque me irrita o seu choramingar de eternos inocentes”, escreve o italiano, cuja obra já está disponível para venda.


“Pergunto a qualquer um desses como cumpriu a tarefa que a vida propôs e propõe cotidianamente, daquilo que realizou e especialmente daquilo que não realizou. Sinto que posso ser inexorável, que não preciso desperdiçar minha piedade ou compartilhar minhas lágrimas”, atesta o jovem jornalista, completando, na sequência: “Sou resistente, vivo, sinto na virilidade da minha consciência pulsar a atividade da cidade futura que estou ajudando a construir. Nela a cadeia social não pesa sobre poucos, cada acontecimento não é devido ao acaso, à fatalidade, mas é obra inteligente dos cidadãos”.


Segundo o doutorando em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), Sérgio Mendonça Benedito, a grande contribuição de Gramsci para o pensamento político é a maneira como ele amplia o horizonte da teoria marxista sem romper com as balizas básicas do materialismo histórico. “Gramsci teve um grande e significativo papel no movimento comunista italiano, fomentando as atividades políticas do proletariado naquela época. No pós-guerra Palmiro Togliatti se encarregou de transmitir suas ideias políticas a partir dos Cadernos e refundou o Partido Comunista da Itália sob o seu legado”, explica. “Sua obra ainda nos ajuda a entender esses "espasmos societários" que vemos hoje em dia”.


Gramsci teve um grande e significativo papel no movimento comunista italiano, fomentando as atividades políticas do proletariado naquela época” - Sérgio Mendonça Benedito, doutorando em Ciência Política na USP

“Hegemonia, coerção e consentimento constituem conceitos formulados pelo filósofo Antonio Gramsci, morto, em 1937, na Itália, sob o fascismo de Benito Mussolini, Il Duce, que servem para explicar a crise e a instabilidade política, no Brasil, em 2020”, observa o jornalista, sociólogo, especialista em Políticas Públicas, mestre em Direito e Relações Internacionais e aluno extraordinário do Doutorado em Psicologia Social, Renato Dias. “Jair Messias Bolsonaro, capitão reformado do Exército Brasileiro, não exerce mais a hegemonia na sociedade civil, perdeu a disputa de narrativa e corre sério risco de cair do cargo”, avalia o escritor.


Em seus últimos dez anos de vida, o autor peregrinou de prisão em prisão, dedicando-se a refletir sobre os limites do movimento comunista e o fracasso da revolução personificada na ascensão de figuras como Joseph Stalin. Antes disso, o Tribunal Especial fascista condenou-o a 20 anos, 4 meses e 5 dias de enclausuramento, porque o regime mussoliniano queria “impedir esse cérebro de funcionar”. Mas, ao contrário da desastrosa ditadura totalitária, Antonio Gramsci entrou para a História por reestruturar o pensamento político. “Gramsci foi um ferrenho opositor do fascismo e foi perseguido por isso”, arremata o cientista político Sérgio Mendonça Benedito. Ideias não morrem. Já tiranos...


Serviço

‘Odeio os Indiferentes’

Autor: Antonio Gramsci

Gênero: Artigos

Editora: Boitempo

Preço: R$ 29,90


Capa da obra - Foto: Divulgação/ Boitempo

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