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  • Foto do escritorLays Vieira

Homens ou Máquinas?

Sede de Arte

Nova edição da Boitempo sobre Antonio Gramsci traz sua luta pela emancipação da subalternidade através do fortalecimento da consciência das massas populares


Em 22 de janeiro de 1891, nascia o italiano Antonio Gramsci. Um dos mais importantes autores marxistas e recorrentemente lembrado pela extrema direita dentro do projeto destes de guerra cultural. O estudo das obras do autor italiano não é novidade no Brasil, vide o trabalho maravilhoso do professor da Unicamp, Álvaro Bianchi.


A Editora Boitempo vem proporcionando uma maior publicização de seus escritos, seja para iniciantes ou para os já conhecedores de seus pontos de debate, por meio da Coleção Escritos Gramscianos, que lançou recentemente seu segundo título: "Homens ou máquinas (escritos de 1916 a 1920)". O primeiro título foi "Odeio os Indiferentes".


Com textos do período pré-cárcere, o livro amplia o conhecimento de suas obras, muitas vezes focadas na produção durante o cárcere (publicações dos Cadernos). Outro ponto importante das publicações da Coleção é mostrar que não há uma cisão entre um, digamos jovem Gramsci, pré-cárcere, e um Gramsci maduro, do cárcere. Toda sua produção teórica se desenvolveu dentro de uma estrutura profunda, coesa e continua.


Gramsci entende que a política não deve ser reduzida a um dogmatismo, religião ou uma ética. Para ele, a política é tanto um campo de conhecimento como uma atividade, ciência e prática, teoria e práxis. Assim, toda a vida é política, no sentido de que toda práxis humana carrega uma dimensão política, mesmo que essa dimensão não preencha todo seu conteúdo.


Por isso, suas reflexões são perpassadas por articulações entre o ser e o dever ser da política, o que também se reflete na própria vida cotidiana do autor, como ajuda a ilustrar a cronologia presente nessa edição da Boitempo.


Dessa perspectiva deriva sua postura internacionalista e seu profundo envolvimento com a classe operária italiana, mais especificamente de Turim. O ponto forte dessa obra é o debate da necessidade de se disputar a apropriação das maquinas para que essa sirva o homem e não ao contrário. Na base disso está a exploração capitalista, sempre pendendo para fazer dos trabalhadores meras maquinas. Mas, busca mostrar também como a máquina pode cumprir um papel libertador se usada em beneficio dos trabalhadores. Seu foco analítico se insere no cenário da Segunda Revolução Industrial, um contexto cheio de contradições (a exemplo da Primeira Guerra, crise econômica, etc.), onde, por exemplo, nasce, se desenvolve e se afirma o fascismo.


A outra questão teórica e prática que gira em torno do autor nos anos em que escreveu os artigos que compõem essa edição se referem a Revolução de Outubro. Mais especificamente, como articular aquela imensa força social de forma a promover uma integração política forte o suficiente e à altura da construção dos alicerces de um futuro socialista. Para Gramsci, essa conexão já residia nas instituições da vida social da classe trabalhadora, apenas faltava dar forma orgânica e articulada para se criar de fato uma democracia operária contraposta ao Estado burguês, de modo a substitui-lo.


Por conta disso, Gramsci discute aqui, entre outras coisas, também a noção de partido. A partir da experiência italiana, o autor mostra que na fase mais avançada de radicalização social naquele país, o Partido Socialista Italiano (PSI) deixou escapar oportunidades e demonstrou toda sua imaturidade.


E grande parte da essência dessa problemática o acompanhou até os últimos dias de sua breve vida (ele morreu com apenas 46 anos, após mais de 10 anos preso), tentando entender por que, apesar de condições favoráveis, tanto objetivas quanto subjetivas, não foi possível produzir o mesmo movimento russo na Europa. Por que o fascismo triunfou e não o socialismo? Ele faz uma profunda investigação filosófica e autocrítica, já que entender essas razões é premissa indispensável para reorganizar a resistência e a luta por emancipação. Para ele: sem o pessimismo da razão, todo otimismo da vontade permaneceria apenas uma ilusão entorpecente.


Especificamente sobre o livro, vale destacar que a ideia condutora é a abolição das contradições sociais que impedem a igualdade efetiva entre os homens, a subversão da hierarquia que divide a humanidade em dirigentes e dirigidos, contrapõem funções intelectuais e instrumentais. No auge da organização produtiva taylorista, a progressiva desumanização do trabalho industrial moderno faz do homem cada vez mais uma mercadoria, uma prótese da máquina e alienação. Elimina-se qualquer forma de participação ativa e criativa do trabalho no processo, um escravo do produto, o “gorila amestrado” no lugar no “homem filósofo”.


A importância desse segundo é justamente o fato de que cada indivíduo contribui para fortalecer ou questionar certas visões de mundo, independente da natureza de seu trabalho. Porém, os subalternos acabam sendo veículos de visões de mundo episódicas e fragmentadas por um conjunto de fatores: a hegemonia cultural das classes dominantes, o condicionamento do ambiente social em que nascemos, etc.


Assim, “Homens ou máquinas?” tem um foco muito forte na questão escolar (que inclusive nos ajuda a pensar a terrível reforma do ensino médio brasileiro que vem sendo implementada). Isso se verifica em três pontos: a ausência de uma ideia de reforma escolar no programa do partido do proletário italiano; a natureza de classe da estrutura escolar; localiza na divisão entre a escola das classes dominantes e as escolas profissionalizantes para as massas populares um instrumento a serviço da divisão e especialização do trabalho.


Esses três pontos mostraria o afastamento cada vez maior da real natureza dessa instituição: a emancipação humana, pois sem esse trabalho de transformação não seria possível eliminar o domínio do homem sobre o homem, promovendo a subjetividade autônoma, a independência e a autossuficiência das massas populares.


O livro se mostra uma obra necessária e frutífera para entender e superar o atual contexto político e social em que nos encontramos.



Homens ou Máquinas? Escritos de 1916 a 1920

Autor: Antonio Gramsci

Tradução: Carlos Nelson Coutinho e Rita Coutinho

Editora: Boitempo

Páginas: 304

Valor: R$ 59,00

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