Victor Hidalgo
Karma City Police: ser telefonista do 911 não é fácil
Cultura
Jogo nacional te coloca como um telefonista em uma delegacia de polícia

Karma City Police - divulgação
Já trabalhei como operador de telemarketing em algumas das maiores empresas do ramo no país, e o que eu mais peguei na vida foram ligações com clientes com casos quase sobrenaturais. Desde uma entidade que tinha supostamente ocupado o roteador de internet e por conta disso ela não estava funcionando, a até ameaças de morte por conta de um serviço que não entregue. Trabalhar com pessoas é isso, uma surpresa a cada ligação. E encarnar um telefonista recém-chegado na delegacia de Karma City me reviveu alguns desses momentos.
Karma City Police é um jogo em pixel art no qual você assume o papel de um telefonista do 911 na cidade de Karma City, tendo que decidir como gastar os seus recursos limitados para lidar com os casos que chegam até você. E cuidado para não cair em nenhum trote.
O jogo me lembrou um pouco de Papers Please, um simulador de agente de imigração qual a principal mecânica é interrogar possíveis cidadãos do glorioso país de Arstotzka (com muito anticomunismo envolvido) e verificar se eles estão com a papelada em dia para passar pela fronteira.
Mas aqui que Karma City Police se destaca. Com um foco em narrativa e com diversos elementos de RPGs clássicos, em pouco tempo você, como jogador, já cria um vínculo com os personagens dessa loucademia de polícia. E uma das coisas que me pegou de surpreso foi a mecânica de combate baseada em pinball, uma mistura inusitada que trouxe um frescor para o título.

Recém chegado a delegacia, você já começa o seu trabalho.
O jogo é desenvolvido unicamente pelo Caio Paifer, criador da Meca Games. O que torna tudo mais impressionante nesse projeto. Na pandemia acabou pegando covid e sendo obrigado a ficar em casa, não podendo trabalhar com o seu ramo: fotografia. Foi aí que ele se tornou um desenvolvedor em tempo integral.
“Não que eu trabalhasse tanto assim ates, mas era uns 5 dias por mês de trabalho, além de também ter uma loja online de iluminação led no Mercadolivre, isso me garantiu umas 3 semanas livres por mês para fazer o que quisesse, e foi assim que entrei para o desenvolvimento de jogos. Vamos combinar, baita trampo de playboy. Sem suporte, não tem como chegar em casa cansado e ficar programando” Relata Caio para o Jornal Metamorfose.
Segundo o desenvolvedor, a mecânica de combate baseada em pinball foi uma das últimas partes a entrar no jogo, que já estava com todo o seu gameplay baseado em texto. Mas, como ele tinha um projeto de pinball guardado e não queria usar o sistema de turnos que os JRPGs costumam usar, realizou alguns testes e gostou do resultado. “Eu fiquei com receio no começo do pessoal achar muito estranho, mas felizmente mais gente se importou em dizer que achou legal do que reclamou” informa Caio.
Segundo ele, o projeto surgiu de uma ideia de criar um jogo pequeno usando apenas uma mecânica que o possibilitasse de contar uma história. Como no já citado Papers Please, que a partir do ambiente de trabalho que é a mecânica principal do jogo, ele conta uma história em torno daquele guichê.
E sobre escolher essa temática para o seu jogo, Caio diz que “Eu escolhi o de 190 porque lembrei de um dia que liguei para polícia quando minha mãe gritou lá do portão dizendo que estavam assaltando um caminhão que faria uma entrega em casa. Tive que ir para um telefone fixo para ligar, e a atendente queria até o modelo do caminhão para poder finalizar o chamado, foi meio ridículo. No fim, falaram que iam enviar ajuda e nunca chegou ninguém, ainda ficamos esperando em casa com medo de vir policia, não ter ninguém e falarem que passamos trote”.
Ao pensar que o jogo fosse ficar muito monótono, ele acabou adicionando esses elementos de combate, exploração e mais personagens. Para deixar tudo mais interessante para quem estiver com o jogo em mãos.
“Uma amiga que trabalhava como psicóloga numa delegacia da mulher me contou que muita gente lá incentivava as minas as não fazerem o b.o, pensavam que não devia existir lei maria da penha, etc. Quando perguntei como uma pessoa assim acabava trampando lá, ela disse ser um pessoal que era realocado” Caio sobre uma das influências do jogo.
Quanto ao cenário que o jogo se passa, Caio diz que não quis ter nenhuma relação com a polícia brasileira, que não quer ter problemas. O jogo rola na cidade fictícia de Karma City, e com um roteiro que tentou elaborar para ser absorvido por diversas culturas “E ninguém me encher o saco que to criticando” segundo ele, mas com um gostinho do funcionalismo publico brasileiro.
Além das inspirações em Papers Please, South Park e The Office, um jogo que foi fundamental para que o projeto fosse para frente foi o Red Strings Club, que com poucos ambientes, conseguiu contar uma história profunda. Algo que ele poderia conseguir fazer sozinho.

Tela da mecânica de atendimento. Detalhe para o easter egg de Doom.
“A pandemia influenciou mais na minha vida e como eu levei esse desenvolvimento mesmo. Se antes eu tinha 2 trampos e fazia esse jogo entre eles, com a tranquilidade de que a minha vida não dependia disso, agora eu trabalho período integral e investi todas as minhas reservas para me manter trabalhando nele. A importância de arrumar financiamento e executar um bom lançamento se tornou muitíssimo mais importante, ao ponto de ser decisivo para ter a possibilidade de poder continuar na área ou não” Finaliza Caio sobre como a pandemia afetou o seu trabalho.
Karma City Police está quase pronto, com o desenvolvimento em 85%. E é mais um jogo nacional que busca alcançar financiamento para poder existir, numa indústria que já foi abandonada pelo estado. Se você gostou do jogo e do trabalho do Caio, considere ajudar ele em sua campanha de financiamento coletivo no Catarse clicando aqui