Marcus Vinícius Beck
Kubrick por Kubrick
Cinema
Mostra Internacional de Cinema de São Paulo acaba nesta quarta-feira (4), mas ainda há tempo para assistir a um resgate histórico: o longa de Gregory Monro que homenageia Stanley Kubrick

Diretor Stanley Kubrick em cena do documentário ‘Kubrick por Kubrick’ - Foto: Divulgação/ Mostra de Cinema de SP
Tenho a impressão de que poucos cineastas, talvez só Hitchcock e Godard, têm mais presença na mídia que Stanley Kubrick. Os motivos que me levaram a essa percepção cinematográfica encontram legitimidade numa gigantesca quantidade de fãs que extrapolam limitações etárias e geracionais, mantendo o autor de “Laranja Mecânica” vivo no topo da lista dos diretores mais badalados da história do cinema. E isso tudo ressurge a cada filme-homenagem lançado em mostras. Não seria diferente agora.
Antes de ser vitimado por um ataque cardíaco enquanto dormia em 7 de março de 1999, o nova-iorquino enfileirou obras controversas – como “Lolita”, adaptação do romance de mesmo nome do escritor Vladimir Nabokov – e outras elogiadas – é o caso de “Laranja Mecânica”, longa amplamente reconhecido como clássico e responsável por uma cena antológica filmada com uma lente grande angular. O frisson em torno da obra de Kubrick vai muito além de iniciativas que se dispõem a preservar seu legado.
Veja por que digo isso: em cartaz na 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, realizada neste ano no ambiente virtual por causa da pandemia de coronavírus, o documentário “Kubrick por Kubrick”, de Gregory Monro, tem como objetivo louvar o legado de Kubrick para o cinema. Sua obra é estudada ao longo de décadas por pesquisadores a fim de compreender as respostas das quais o diretor se furtou em vida: a alma da estética e narrativa kubrickiana.
É o que o crítico Michel Ciment almejou. Especialista na obra do diretor norte-americano, Ciment cedeu material inédito para Monro, proporcionando-nos acesso a entrevistas feitas com o realizador e fotógrafo durante pelo menos três décadas. Além de um arquivo raro, vemos ao longo do documentário algumas imagens cedidas pela família do cineasta, desenhando um perfil dele à medida que as cenas vão se sobrepondo umas às outras. O maior triunfo de “Kubrick por Kubrick” é ser desprovido de quaisquer pretensões de louvar exacerbadamente seu perfilado.
Trailer do documentário 'Kubrick por Kubrick' - Foto: Youtube/ Reprodução
Se Kubrick presenteou o mundo com obras que insistem em não cair no esquecimento, e por si só isso já seria motivo suficiente pra ele ser personagem de um documentário, temos de reconhecer que a direção de Ciment preocupa-se em destacar os pensamentos cinematográficos dele.“O melodrama usa todos os problemas do planeta e todos os desastres que recaem sobre os personagens principais para mostrar que o mundo é um lugar justo e benevolente e todos os testes, provas e aparentes infortúnios que ocorrem no fim só reforçam essas crenças”, afirma o cineasta. Kubrick sabia o que falava.
Em suma, “Kubrick por Kubrick” parte das gravações nas quais o célebre diretor explica por que tem aversão a entrevistas, além de enfocar suas teorias sobre os elementos cruciais para a formação de uma boa história. Ele se sentia seguro digitando roteiros com sólida construção literária e, dos seus 13 longas, só o primeiro – a produção amadorística “Medo e Desejo” – não foi inspirado em uma obra ficcional. O que vemos, portanto, são situações de bastidores curiosas, o que saciou de certo modo nossa sede pelas ideias do norte-americano.
Por isso, foram feitos louváveis, o do crítico e diretor, ao mostrar as digressões kubrickianas sobre o roteiro cinematográfico enquanto gênero textual literário. Seu primeiro voo em carreira solo como roteirista ocorreu num épico a respeito de Napoleão Bonaparte. Que, inclusive, partira de uma extensa pesquisa bibliográfica, como a biografia escrita pelo pesquisador Felix Markham, sobre a qual o cineasta acrescentou dezenas de outras leituras com o objetivo de dar sustentação histórica a “Medo e Desejo”.
Após chegarmos ao fim de “Kubrick por Kubrick”, concluímos - evidentemente - que não há apenas uma faceta de Stanley Kubrick, e sim muitas. São tantas que variam conforme o ângulo com o qual se assiste ao filme, o que a crítica de cinema – incluo-me aí, só pra deixar claro ao leitor – por vezes se esquece. Mesmo assim, a inventividade estética e narrativa de um cara que concebeu obras como “Spartacus” e “Laranja Mecânica” jamais se deixará cair nas masmorras do esquecimento. Gênios devem ser reverenciados.
Onde assistir
‘Kubrick por Kubrick’
Diretor: Gregory Monro
Onde: 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (https://mostraplay.mostra.org/)
Preço: R$ 6
Disponível até o dia 4