Lays Vieira
Legalizando invasões: mais um ataque a demarcação de terras indígenas
Meio Ambiente
Usando como desculpa a necessidade do diálogo e a diminuição de gastos públicos, STF, Executivo e Funai atacam o povo Parakanã

Povo Parakaña aprendendo a manejar arma de fogo. Foto: Yves Billon, 1971.
A Terra Indígena Apyterewa (TIA), do povo Parakanã, localizada no município de São Félix do Xingu, no estado do Pará, tem uma área de cerca de 773 mil hectares, segundo o Instituto Socioambiental (ISA) e foi homologada em 2007, por meio de um decreto presidencial. Desde 2009 é ensaiado o processo de desintrusão (retirada de invasores, de não indígenas, do território), estabelecida como condicionante do licenciamento ambiental da usina de Belo Monte, mas até hoje segue sem ser concretizada e pior: a situação na TIA vem se tornando cada vez mais prejudicial para os Parakanãs.
Em São Félix do Xingu existem quase vinte cabeças de gado para cada habitante. Nesse contexto a TI Apyterewa vem sendo alvo da ação ilegal não apenas de pecuaristas, mas também garimpeiros, madeireiros e grileiros. Por isso, em janeiro de 2020, o Ministério Público Federal (MPF) pediu para que a Funai (Fundação Nacional do Índio) retomasse as atividades referentes a desintrusão da área.
Segundo a Associação dos Servidores da Funai, um mandado de segurança questionando os limites de Apyterewa foi ingressado pelo município, em parceria com representantes de interesses particulares não indígenas que ocupam irregularmente a TI poucos meses depois da sua homologada. A justificativa é que gastar-se-ia menos dinheiro público do que em uma desintrusão. Felizmente, acumulou-se derrotas judiciais por parte desses representantes. Acordos foram feitos, mas nunca impediram a invasão da terra.
Entretanto, em junho de 2020, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), acatou proposta do município de São Félix do Xingu para se tentar, pela via da conciliação judicial, um novo desenho demarcatório. Ou seja, alterar os limites da TI homologada em 2007.
Junte-se a isso, um governo federal marcado por revisionismo demarcatório e amplo apoio a setores do agronegócio. Como colocado na carta aberta publicada pela Associação dos Servidores da Funai, “se sabe que a missão constitucional do Executivo, para efetivação dos direitos indígenas, foi capturada por obscuros interesses privados”.
Agora, em 2021, mais um ataque. O atual presidente da Funai, delegado Marcelo Xavier, que também já assessorou parlamentares ruralistas na CPI da Funai (2017), assinou ofício, encaminhado ao STF, favorável a conciliação que pode legalizar permanentemente os atuais invasores da TI, como mostrou reportagem de O Globo no último (10). Tal posição da Funai é uma resposta ao oficio da Advocacia-Geral da União (AGU), representante do governo federal, em processo corrente no STF. Ou seja, apoiando a AGU.
Em dezembro passado, o governo do estado Pará também se posicionou favorável. Mas, vale lembrar que tanto o atual governador, Helder Barbalho, quanto o prefeito de São Félix do Xingu, João Cleber, são do MDB, partido tradicionalmente membro da chamada Bancada Ruralista no Congresso.
O caminho favorável para processos de conciliação preocupa principalmente pela possibilidade de abrir brechas para legalização de invasores em outras e várias terras demarcadas. Até porque, o que houve de fato foi um aumento das invasões na terra indígena Apyterewa depois da demarcação e foi a segunda terra mais desmatada entre 2019 e 2020.
Interesses particulares: cuidado com o que você come
Em investigação realizada pelo Repórter Brasil, e publicada em junho do ano passado, mostrou que parte da Terra Indígena Apyterewa está virando pasto e 10% de todo seu território já foi desmatado. Por trás disso estão pecuaristas que criam gado ilegalmente e que são fornecedores, diretos ou indiretos, de grandes multinacionais da indústria da carne, como a Marfrig, e de frigoríficos regionais, como o Frigol.
Mesmo sendo proibido, desde 2009, o abate de bois provenientes de fazendas desmatadas ilegalmente, na prática existem diversas estratégias para burlar a lei, como expos do Repórter Brasil: “Em geral, eles contam com a intermediação de fazendas fora do território indígena para escoar o gado criado em área proibida”, popularmente denominado de “esquentar o boi”: animais são transportados de uma propriedade para a outra localizada fora do perímetro da terra indígena.
Gera-se assim uma superprodutividade suspeita em várias fazendas, algumas inclusive de pessoas ligadas a política da região, com um número de anais por hectares bem maior que o convencional para a Amazônia.