JM
Ludopédio antifa
Futebol politizado
Torcidas marcaram o domingo (31) com manifestações em diversas cidades do País. Entenda a história dos movimentos antifas no futebol e sua importância para o debate político atual

Coletivo Democracia Corinthiana homenageia Sócrates, tanto o filósofo quanto o jogador, em protesto que ocorreu no ano passado, em São Paulo - Foto: Júlia Lee
Marcus Vinícius Beck
O engajamento político faz parte, desde seus primórdios, da Gaviões da Fiel. Está no DNA da agremiação. Em fevereiro de 1979, dez anos após ser criada para combater os fardados, numa partida entre Santos e Corinthians, a Fiel estendeu nas arquibancadas uma faixa com os dizeres ‘Anistia, ampla, geral e irrestrita’. A manifestação fazia alusão à Lei da Anistia, promulgada pelo general da ocasião, João Batista Figueiredo, e mostrou ao mundo que não se tratava apenas de um grupo de torcedores fanáticos, alheios à realidade, que queriam saber apenas do ludopédio, e sim de cidadãos comprometidos com o retorno da Democracia.
Mais de quatro décadas depois, no domingo (31), a Fiel torcida deixou os estádios – fechados por causa da pandemia de coronavírus – e saiu às ruas para defender as liberdades civis das garras autoritárias dos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. Ao longo do protesto, que ocorreu na Avenida Paulista, em São Paulo, os manifestantes gritaram palavras de ordem como “chega de sistema opressor” e “periferia não apoia ditadura”. “O Corinthians é o povo. Estamos aqui para representar mais de 70% da população que é contra a Ditadura e a favor da Democracia”, disse ao portal Alma Preta o jornalista Chico Malfitani, fundador da Gaviões, em 1969.
“Aqui, não tem isso. São movimentos à parte, antifascistas, que tem a torcida do Goiás, do Vila e, agora, do Atlético” - Michel Franco Ferreira, integrante do Movimento Esmeraldino Antifascista
Em Goiás, no entanto, há outro contexto, que não é de total adesão, como se vê em São Paulo – com a Gaviões da Fiel, Mancha Verde, do Palmeiras, e Jovem, do Santos. “Aqui, não tem isso. São movimentos à parte, antifascistas, que tem a torcida do Goiás, do Vila e, agora, do Atlético”, revela ao Jornal Metamorfose o professor Michel Franco Ferreira, membro da torcida Movimento Esmeraldino Antifascista. “Nós, dos movimentos antifascistas, das torcidas do Goiás, do Vila e, agora, do Atlético, tínhamos chamado a população para o ato de domingo, porém atualmente já existem dezenas, centenas de outros chamamentos”, afirma Ferreira.
A torcidas antifas, diz o professor, ganharam força no ano de 2016 durante o contexto de polarização política provocada pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. “Mas passou a ter mais força ainda com a oficialização da candidatura de Jair Bolsonaro, no ano seguinte”, explica Ferreira, cujo movimento do qual faz parte foi fundado em 2017. Segundo o esmeraldino, nesta perspectiva, as torcidas são grupos sociais essenciais e podem ser um “instrumento de luta”, já que “vamos ter um nicho muito numeroso, uma grande quantidade de pessoas”. “Em termos de quantidade, as organizadas são o segundo maior grupo no Brasil”.

Integrantes de coletivos pró-democracia no vão livre do Masp, em São Paulo - Foto: Pedro Borges
“As torcidas antifascistas cumprem um papel social de extrema importância, que vem ganhando força e engajamento com pessoas de todos os grupos e classes que se sentem representados nessa luta”, avalia o especialista de projetos Carlos Mesquita, integrante da torcida Dragões Antifascistas, do Atlético Goianiense. Para ele, o futebol é um importante instrumento da cultura popular brasileira, e não há nada que “une mais as pessoas que o futebol”. “Mesmo que este seja, muitas vezes, um ambiente não tão democrático”, pondera o aficionado atleticano. Os dragões antifas se farão presentes na manifestação de domingo.
Futebol e política
Futebol e política se misturam. Desde as primeiras organizações políticas antifascistas, que remontam ao período em que Benito Mussolini foi eleito primeiro-ministro da Itália em 1922, o fascismo e o posicionamento contrário aos ideais totalitários caminharam juntos. No Brasil ainda fardado dos anos de 1980, a Democracia Corinthiana despontou quando a população se articulava nas Diretas Já e pedia por mais direitos. Na mesma década, mas do outro lado do Atlântico, os sindicatos trabalhistas ingleses compuseram parte do hooliganismo a fim de servir como instrumento para contestar as medidas de austeridade de Margareth Thatcher.
No Brasil, de acordo com levantamento realizado pelo El País em dezembro do ano passado, há cerca de 60 torcidas de futebol antifascistas representadas por clubes brasileiros em todas as regiões. Os grupos não se consideram organizadas – algumas, para se ter ideia, mal conseguem ter representatividade nos estádios -, porém usam o time do coração para fazer discussões políticas com viés contra homofobia, racismo, machismo e, por que não?, capitalismo. Com exceção da Ultras Resistência Coral, do Ferroviário, criada em 2005, e do Vila Metal Antifascistas, de 2007, a maioria dos movimentos foram fundados em 2014.
“Alguns movimentos, como o movimento Vila Metal Antifascista, vão sim se engajar nestas manifestações, que podem ocorrer no domingo e estão sendo chamadas pelo twitter” - Igor Dias, membro da Vila Metal Antifascista
Jair Bolsonaro, naquele ano, tornou-se o parlamentar do Rio de Janeiro mais votado e anunciou que seria candidato – candidato, não: candidatíssimo – à presidência da República no pleito seguinte. A figura do ex-capitão fortaleceu os movimentos antifas no futebol. Em Goiânia, os três times principais da capital estarão presentes no ato, que está previsto para ocorrer na Praça do Coreto, Setor Central. “Alguns movimentos, como o movimento Vila Metal Antifascista, vão sim se engajar nestas manifestações, que podem ocorrer no domingo e estão sendo chamadas pelo twitter”, diz o urbanitário Igor Dias, da Vila Metal Antifascista.
“O esporte não pode ser tratado como uma coisa totalmente alienante.Um grande agregador social contra a exploração é importante. Mas, em Goiás, as torcidas organizadas não tem se manifestado no contexto político. Alguns individualmente. É o contrário do que há em outros Estados onde as organizadas dizem ‘não’ ao BolsoPinochet”, diz o historiador Reinaldo Pantaleão, completando: “Espero que domingo tenhamos as torcidas organizadas. Eu estarei lá com a camisa do Goiânia Esporte Clube, gritando fora BolsoPinochet e abaixo o fascismo. Estou falando por mim, com relação a torcida do Gallo Carijó, não posso falar”.