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  • Juliana Camargo

Menstruação

Feminismo

Para desmistificar tabus acerca dos corpos femininos, o Jornal Metamorfose levanta uma discussão social, política e ambiental sobre menstruação

Foto: Júlia Lee

Quando eu era adolescente sentia muita vergonha de menstruar. Sempre ficava preocupada se o absorvente estava mostrando na calça, tinha medo até de fazer educação física e ‘vazar’ na roupa. Minha mãe faleceu quando eu tinha 14 anos, então meu pai era quem comprava absorventes para mim, mas não havia muita abertura para falarmos sobre menstruação. Lembro de quando ele não podia ir comprar, daí eu ficava com vergonha dos colegas na rua de casa e rodava a sacolinha transparente para que ninguém visse o que tinha dentro”.


Em um sistema movido pela opressão feminina, que castra a vivência de nossos corpos para se manter de pé, falar sobre menstruação se torna um tabu. O sangue que escorre a cada mês, passa a ser sinônimo de sujeira, constrangimento e até mesmo pecado. A ojeriza que gira em torno do tema, transforma relatos como o da fotógrafa Thais Santos, 26 anos, em algo comum na vida de milhares de mulheres.


A falta de discussão acerca da menstruação gera mitos que contribuem para que mulheres lidem de forma negativa com seus próprios corpos. Para entender a gravidade deste cenário, a marca Johnson&Johnson realizou uma pesquisa com 1.500 mulheres no Brasil, Índia, África do Sul, Filipinas e Argentina. O resultado mostra que 54% das entrevistadas não tinham informação sobre menstruação no momento da menarca - primeira menstruação. Na Índia, 10% das meninas acreditam que menstruação é uma doença. No caso das brasileiras, o estudo revela que 57% das mulheres se sentem sujas quando estão menstruadas e 24% consideram a menstruação como algo nojento.


Diante disso, paira uma pergunta: qual a origem de tantos tabus em torno de algo que faz parte da natureza humana? Para a Dra. Faraina Franco, que trabalha com ginecologia natural e ginecologia tradicional chinesa, a resposta está relacionada ao modelo de sociedade em que vivemos. Segundo ela, o neoliberalismo, a sociedade de consumo, o capitalismo e o patriarcado não combinam com a menstruação.


A Dra. Faraina afirma, que as indústrias são grandes responsáveis pela construção desses estigmas. “Existe um mercado que ganha muito dinheiro vendendo produtos para mascarar a feminilidade real. Essa feminilidade vendida nas prateleiras é perfumada, depilada, adornada, sem sangue e sem secreções. Essa feminilidade irreal é produto do capitalismo. Ela é inalcançável e até desumano, pois é artificial em todos os sentidos”.


Ainda segundo Faraina, a aversão aos corpos com ciclos menstruais é fruto da misoginia, que nos condicionam a entender o sangramento como algo vergonhoso, que deve ser mantido em sigilo. “Não deveria ser considerado nojento menstruar, mas o fato do sangue ser um fluido que sai da vagina já caracteriza como algo negativo. A vagina e a vulva têm sido vistas como pecaminosas ao longo dos séculos. Até a palavra menstruação não é dita, parece que tem que se usar eufemismos para se referir à ela. Hoje, menstruar virou um ato revolucionário, político e feminista. Temos que abraçar essa causa, ser resistência e quebrar esses tabus seculares. Chega, né?”.


Menstruação e sustentabilidade


O modelo de mercado existente hoje, além de propagar uma estética inalcançável de feminilidade e corroborar para a estigmatização da menstruação, também apresenta grandes impactos negativos para o meio ambiente. Com uma infinidade de opções nas prateleiras de supermercados e farmácias, os absorventes descartáveis tornaram-se motivo de preocupação quando o assunto é sustentabilidade.


Segundo pesquisas, estima-se que uma mulher usa cerca de dez absorventes em cada ciclo. Se considerarmos do período da puberdade à menopausa, o número chega 15 mil absorventes usados. Esses absorventes, feitos à base de plástico e celulose - materiais extraídos do petróleo e árvores - não são recicláveis e acabam indo parar em lixões e aterros sanitários, causando graves impactos ambientais, como por exemplo, a contaminação do solo.


Em meio a este cenário, muitas mulheres têm procurado alternativas aos absorventes descartáveis, optando pelo uso de coletores menstruais, calcinhas absorventes e os ecoabsorventes. Reutilizáveis e com baixo risco de infecções ou alergias, essas opções têm sido a chave para o autoconhecimento, que contribuem para que muitas mulheres possam fazer as pazes com seus ciclos e seus corpos, de forma política e consciente.


Foto: Júlia Lee


A servidora pública Cristiane Mancini, 34 anos, é uma delas. Ela conta que a princípio, a decisão de fazer uso desses métodos foi motivada por questões ambientais, mas, acabou encontrando outras vantagens. “Além das questões ecológicas, eu passei a ter incômodo ao usar os demais absorventes. Primeiro aqueles de cobertura plástica, depois os com cobertura de algodão também passaram a me incomodar. Outro fator importante foi a vontade que eu tinha de ‘plantar a lua’, que só seria possível por um desses métodos”, afirma Cristiane, se referindo ao movimento inspirado nas tradições ancestrais, em que o sangue menstrual é visto como símbolo de fertilidade e prosperidade.


Para a psicóloga de 28 anos, Lidiane Sousa, deixar os absorventes descartáveis também mudou sua relação com a menstruação. “Minha experiência com o coletor foi incrível. Antes de começar a usar ele, ficar menstruada era um evento, em que tudo era paralisado para acontecer. Hoje, são apenas dias normais”. Lidiane ainda complementa, dizendo que com o contato mais direto com o sangue, passou a conhecer melhor seu ciclo e seu corpo, ao fazer uso do coletor: “Eu sempre pensei em ter alto fluxo e descobri que na realidade não é bem assim. Amo meu copinho”, relata.


Assim como Cristiane e Lidiane, a fotógrafa Thais Santos, também deixou de lado os absorventes descartáveis. Adepta ao coletor menstrual há cerca de três anos, hoje, ela afirma ter uma relação com sua menstruação diferente do relatado sobre sua adolescência. “A menstruação deixou de ser um bicho de sete cabeças, porque já não me impede de desenvolver nenhuma atividade diária e deixou de me incomodar. Agora, significa algo natural e belo, pois é ela que permite a fertilidade e a vida. Hoje, eu falo pra todas que conheço que foi a melhor coisa da vida. Às vezes até esqueço que estou menstruada e não há mau cheiro”, declara.


Em relação ao mito de que o sangue menstrual possui mau cheiro, Faraina esclarece: “O cheiro da menstruação em si não é fedido, o que resulta no mau cheiro são os componentes químicos presentes nos absorventes convencionais, juntamente com o contato com o oxigênio”. Ainda afirma que as opções ecologicamente corretas aos absorventes descartáveis são seguras e não geram nenhum tipo de problema à saúde da mulher. E salienta, que o sangue menstrual não deve ser visto como sujo, nojento ou pecaminoso, mas sim, como algo vital para que haja vida e portanto, precisa ser discutido de forma natural.

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