- Lays Vieira
Machista e misógina
Sociedade
Ministra Damares legitima práticas de abuso sexual em crianças no Marajó

Ministra Damares Alves. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Na semana passada, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, soltou mais uma. Na apresentação dos resultados do programa Abrace o Marajó, na quarta-feira, 24 de julho, em Brasília, a então ministra afirmou:
“As meninas lá são exploradas porque não têm calcinha, não usam calcinha, são muito pobres. E disseram: por que o ministério não faz uma campanha para levar calcinhas pra lá? As calcinhas vão acabar. Nós temos que levar uma fábrica de calcinhas para a Ilha do Marajó. Gerar emprego lá e a calcinha vai sair baratinha pras meninas lá. Então, nós estamos buscando, se alguém tiver fábrica de calcinha e quiser colaborar com a gente, venha. Mas, nós estamos buscando empreendimentos para a Ilha do Marajó. Tamos conversando com empresários. Na nossa visita a Miami, empresários milionários brasileiros que estão lá fora se ofereceram para também abraçar o Marajó com a gente”.
Para além do péssimo português e desse complexo de vira-lata que abriga o espírito de todo esse governo, essa fala demonstra não só e despreparo para o cargo que ocupa como também uma total falta de conhecimento sobre a real situação na região do Marajó e de como lidar com o problema. A declaração repercutiu e viralizou na internet, em especial pelas posições de repudio a Damares por parte do Procurador-geral de Justiça do Pará, Gilberto Martins, e da cantora Fafá de Belém.
Damares claramente reforça a triste cultura do estupro, tão presente ainda hoje no Brasil, e pior, sua fala culpabiliza a vítima pela violência sofrida e justifica a prática do agressor. Uma postura vergonhosa e intolerável para uma mulher que se diz ministra. Frente ao desconhecimento de Damares, trazemos para nossos leitores alguns dados sobre a real situação, para que vocês mesmos tirem suas conclusões, sobre mais essa demonstração de incompetência do atual governo.
Dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), mostram que, em 2016, 50,9% dos casos de estupro no país tiveram como vítimas menores de 13 anos. Segundo dados do instituto Pará Paz, entre janeiro e abril de 2019, na Região Norte, foram registrados (sem contar os casos não denunciados, um dos maiores problemas na região) 328 casos de abuso sexual, 138 somente no Pará. No canal de denúncias do Governo Federal, o Disque 100, em 2018 foram recebidas 17 mil denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes, uma média de 2 mil casos por mês, 47 por dia, 2 por hora.

Foto: Damares Alves/Facebook
Na chamada curva do Marajó, com intenso fluxo de balsas que levam caminhões de Manaus a Belém e escoa 90% da navegação de Manaus e do Amapá, meninas de 9 a 12 anos são negociadas com chamados “balseiros”, muitas vezes até pela própria família, para uso sexual em troca de alimentos, roupas, algum dinheiro ou combustível para os barcos. Segundo a Comissão de Justiça e Paz da CNBB, o número de denúncias é cada vez maior. Em 2018, a média foi de 7 casos por mês. Uma menina de 9 anos chegou a ser paga com um pacote de biscoito.
A região do Marajó possui um dos piores IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país e sofre com a carência de serviço e políticas públicas, como saúde, educação (principalmente para conscientização das famílias e crianças, já que muitas não tem noção de que estão sofrendo abuso), órgãos de fiscalização e presença de profissionais qualificados para defesa dos direitos das vítimas.
Na região mais ao sul do Marajó, conhecida como Baixo Tocantins, o problema se repete. Habitada por famílias muito pobres e disfuncionais, as autoridades relatam que existem até mototaxistas contratados para levar as garoas para os clientes, como em um serviço de “delivery”. Os abusadores geralmente preferem garotas muitos jovens por haver menor chances de contaminação por doenças sexualmente transmissíveis.
Muitas dessas vítimas aceitam a prática do abuso para ter o que comer e muitas vezes lhes são oferecidas drogas, acarretando dependência em muitas delas, o que facilita vários exploradores a mantê-las como refém. E, mesmo quando as famílias das vítimas procuram ajuda do Conselho Tutelar, elas não possuem recursos financeiros para o processo de desintoxicação, por exemplo. O tráfico humano para fora do país e abuso por parte dos próprios familiares também é algo bastante presente na região.
Diante dessa gravíssima situação, o que o governo precisa promover não é fabricas de calcinhas financiadas por empresários de Miami e sim promover uma distribuição de renda justa que permita a aplicação de políticas públicas que garantam a geração de emprego e renda não só para os homens, mas também, e principalmente, para as mulheres da região. Políticas públicas que promovam educação, formação profissional, esclarecimento sobre os direitos da mulher e a importância da denúncia.
Deve-se buscar parcerias com as autoridades locais que já fazem um trabalho para coibir as práticas de abuso na região, como o Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia, o Ministério Público do Pará e o Centro de Apoio Operacional da Infância e da Juventude (CAO). Não precisamos de uma ministra machista e misógina, e sim alguém que tenha um mínimo de conhecimento.