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  • Foto do escritorJúlia Aguiar

Morte, prisão ou golpe de estado

Reportagem

Apesar do número de manifestantes ter sido muito menor que o esperado, protestos pró-bolsonaro intensificam instabilidade política

Manifestantes caminham rumo ao STF, na manhã do dia 7 de setembro. Foto: J.Lee Aguiar


No dia 7 de setembro, Brasília amanheceu com o clima extremamente seco, em decorrência das queimadas que atingiram o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros no sábado (4). Com a temperatura ultrapassando os 35 graus e a umidade beirando os 10%, a Esplanada recebia mais de 100 mil pessoas que protestavam a favor do presidente Jair Bolsonaro.


Mesmo embaixo do sol quente, os bolsonaristas caminhavam felizes para assistir o discurso do presidente, que aconteceu por volta das 11 horas. O gramado extenso da Esplanada estava praticamente vazio, chamando a atenção para os Ipês, árvores caraterísticas do cerrado, solitários e coloridos. O percurso até o Congresso foi dividido entre pesssoas, caminhões, guindastes com a bandeira do país, carros de som e motorhomes.


O presidente, por sua vez, afirmou em seu discurso que ele e sua corja, não aceitariam que qualquer autoridade “acabasse com a Constituição” de 1988, conquistada após 21 anos de uma sangrenta Ditadura Civil-Militar-Empresarial. O mesmo Jair Bolsonaro (sem partido), que chama o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra de herói nacional e diz que o regime militar foi uma “revolução”. Além de afirmar várias vezes que os militares “mataram foi pouco” e que “deveriam ter exterminado mais de 100 mil comunistas”.

“Nós também não podemos continuar aceitando que uma pessoa específica da região dos três poderes continue barbarizando nossa população. Não podemos aceitar mais prisões políticas no nosso Brasil. Ou chefe desse poder enquadra o seu comportamento ou esse poder pode sofrer aquilo que não queremos, porque nós valorizamos e reconhecemos o valor de cada poder da república”, disse Jair Bolsonaro no comício em Brasília.


Paródia mal escrita


As entrevistas realizadas pelo Jornal Metamorfose com pelo menos 150 manifestantes deixam claro que o protesto era composto por pessoas majoritariamente brancas e sulistas, com muitos idosos e adultos.


Era notável os nervos aflorados. Parecia que havíamos nos teletransportado para 9 de março de 1964, no meio a Marcha da Família com Deus pela Liberdade em São Paulo, manifestação essa que antecedeu o golpe de Estado. “Viva a constituição”, “queremos um governo cristão”, “o Brasil não será Cuba”. Tais frases deram o tom no dia 7 de setembro de 2021. As mesmas dos cartazes que também encheram as ruas da capital paulistana no pré-golpe militar.


Os Ipês se transformaram em arquibancadas por quem queria ver o discurso de Jair Bolsonaro. Brasília, 7 de setembro. Foto: J.Lee Aguiar


O discurso de Bolsonaro soava como uma paródia sobre a democracia. O ataque aos Três Poderes em nome da “defesa da constituição” ficava claro a cada frase. Do outro lado do cercado, os apoiadores gritavam “Eu autorizo!”, como quem implora por uma intervenção golpista em nome da “paz” e o extermínio do comunismo.


Após a fala do presidente, as pessoas começaram a festejar na Esplanada como se estivessem vencendo uma guerra. “Exigimos urgente a substituição do embaixador chinês. Está interferindo nos problemas do Brasil”, dizia um cartaz. “Queremos voto impresso e auditável, com contagem pública”, afirmava outro adesivo. Assim como inúmeros cartazes escritos em outras línguas, como francês, alemão, espanhol e predominantemente inglês. “Amamos Bolsonaro”, “Globo e CNN estão mentindo. Brasileiros amam Bolsonaro”, “China não manda no Brasil”, diziam alguns desses cartazes.


A inversão de valores e desconhecimento


Segundo Matheus Dias, colunista do site Passa-Palavra, cientista social e estudioso do comportamento bolsonarista nas redes sociais, a narrativa encabeçada pelos apoiadores do presidente é que o Brasil está vivendo sobre uma “ditadura contra os conservadores”, liderada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), China e os partidos de esquerda. Os bolsonaristas acreditam que as instituições foram corrompidas e o Estado tomado pelos “inimigos do povo brasileiro”, além da sensação de estarem sendo censurados, perdendo o direito constitucional à “liberdade de expressão”.


Está acontecendo uma clara mudança na concepção do que significa democracia e qual a função das instituições. Tal comportamento representa uma inversão dos valores democráticos pela parcela apoiadora do presidente, sendo uma arma poderosa sobre a percepção da realidade, ação historicamente utilizada para a consolidação do fascismo.


Porém, no dia 7 ficou claro que os apoiadores do governo federal são unificados pela ideologia e não somente pela figura de Jair Bolsonaro. Sendo essa a maior preocupação de cientistas políticos de todo o país: o presidente pode acabar, mas seu fã clube não. Eles estão tomados por uma verdade inquestionável: o comunismo voltou a dominar o Brasil.


A era da Batalha de Narrativas e Fake News


“Estamos em guerra contra a ditadura!”, bradava um homem branco, de seus 55 anos, vestido com camiseta da seleção brasileira em meio à multidão que esperava Jair Bolsonaro aparecer sob o sol quente da capital.


Vivemos uma constante batalha de narrativas, como podemos observar desde 2018 com as eleições recheadas de Fake News e pela própria difusão sobre o outro lado da história, protagonizado pelos agentes “democráticos”. Assim como a investida na política do terror: alguns dias antes do Dia da Independência, as polícias militares de vários estados ameaçavam aderir as manifestações portando armas para assegurar a segurança e a manutenção da “democracia”.


A jogada era clara: desmobilizar a esquerda para que ela não ocupasse as ruas. E funcionou, a tensão era tanta que muitas pessoas decidiram não aderir ao “Grito dos Excluídos”, protesto que ocorre há mais de 20 anos. Apesar de ter tido número menor de pessoas que nas outras manifestações contra o atual presidente, ainda tomou as ruas de mais de 100 cidades no Brasil e em países como Bélgica, Alemanha, França e Portugal.


Latifundiários do agronegócio financiaram e obrigaram seus motoristas a aderirem à manifestação. Foto: Lucas Wagner Nunes


As manifestações reuniram um pouco mais de 200 mil pessoas entre Brasília e São Paulo, o que representa apenas 6% do esperado pelos bolsonaristas.


É também de conhecimento público que a elite do agronegócio (com grande adesão do centro-oeste) financiou boa parte da estrutura dos atos, convocando os caminhoneiros de suas empresas para tomar a capital. Assim como grupos de fundamentalistas cristãos como o Instituto Plínio Corrêa de Oliveira. Segundo a ativista por direitos humanos, Daniela Abade, em entrevista ao Jornal Metamorfose, esses grupos bancaram sites para cadastrar as pessoas que iriam as manifestações, como uma forma de identificar quem é a base apoiadora do presidente.


Radicalização X Falta de apoio


O curioso é perceber a radicalização desses agentes: na segunda-feira (6), caminhões tomam a Esplanada. Já na quarta-feira (8), 15 estados (SC, RS, PR, ES, MT, MG, GO, TO, BA, RJ, RO, MA, RR, SP, PA) tiveram rodovias fechadas por barricadas e protestos de caminhoneiros.


Segundo o presidente da Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores (Abrava), Wallace Landim, os protestos contaram com a participação de empresários de transporte e seus funcionários celetistas, e não de transportadores autônomos. “Os caminhoneiros estão sendo usados como massa de manobra”, afirmou Wallace em nota à imprensa.


O que significa o recuo do presidente?


Porém, o fechamento das rodovias foi interrompido após pressão pela eminência de uma crise de abastecimento. Para impedir que a situação piorasse, o presidente Jair Bolsonaro gravou um áudio distribuído nos grupos de Whatsapp e Telegram pedindo para que os apoiadores recuassem, afirmando que a ação “atrapalhava a economia” e “prejudicava a todos, principalmente, os mais pobres”.


“Dá um toque nos caras aí, se for possível, para liberar, tá ok? Para a gente seguir a normalidade. Deixa com a gente em Brasília aqui e agora. Mas não é fácil negociar e conversar por aqui com autoridades. Não é fácil”, disse o presidente no áudio. Os bolsonaristas, por sua vez, não acreditaram, afirmando em redes sociais que a declaração seria “Fake News”.


Algumas horas depois, o atual ministro de Infraestrutura do governo Bolsonaro, Tarcísio Gomes de Freitas, confirmou a preocupação de Jair, além de afirmar que o áudio era verdadeiro. É importante ressaltar que Freitas é militar da reversa e amigo do presidente da época da Academia Militar das Agulhas Negras.


Bolsonaristas são surpreendidos e base é enfraquecida. Foto: J.Lee Aguiar


São Paulo: Novo ataque ao STF


Na manifestação do dia 7 em São Paulo, o presidente fez mais um ataque ao Supremo Tribunal Federal (STF) frente à um público de 125 mil pessoas. Bolsonaro chamou o ministro Alexandre de Morais de “canalha” e pediu sua saída, além de afirmar que não obedeceria mais ao STF.


“Qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, este presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou. Ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais! Liberdade para os presos políticos! Fim da censura! Fim da perseguição àqueles conservadores, àqueles que pensam no Brasil”, afirmou Jair Bolsonaro na ocasião.


A reação do STF e políticos


As 48 horas após o discurso foram de extrema tensão. Na manhã do dia 8, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux declarou que “ofender a honra dos ministros, incitar a população a propagar discurso de ódio contra a instituição do STF e incentivar o descumprimento de decisões judiciais são práticas antidemocráticas e ilícitas, intoleráveis, em respeito ao juramento constitucional”.


Já na manhã do dia 9, Gilberto Kassab (presidente do PSD) disse em entrevista ao podcast Café da Manhã que o presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira (PP-AL), não irá conseguir conter a abertura do impeachment. “A base do governo já não é mais folgada, deve ser algo em torno de 200 parlamentares, um pouco mais”, afirma.


Ajuda do golpista de primeira hora: A carta de Temer


Na tarde do mesmo dia, Bolsonaro assina uma carta de redenção ao Judiciário, escrita por ninguém mais ninguém menos que Michel Temer (MDB). No documento, o presidente diz que respeita as instituições e que “suas palavras decorrem do calor do momento”.


A carta termina com a assinatura de Jair Bolsonaro sobre a expressão “Deus, Pátria e Família”, lema da Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento fundado em 1932 por Plínio Salgado, conhecido por sua inspiração no fascismo italiano.


A clara face do fascismo bolsonarista


Esta não é a primeira vez que Jair Bolsonaro e sua corja fazem alusão ao fascismo e nazismo. Em 24 de março, Filipe Martins, assessor Internacional da Presidência da República, aparecia fazendo um gesto de identificação entre supremacistas brancos ao vivo na TV Senado.


Lembremos também de janeiro de 2020, quando o ex-secretário da cultura Roberto Alvim fez um pronunciamento utilizando Joseph Gobbels, ministro de propagando da Alemanha nazista, como inspiração. Copiando não somente o cenário nazista, mas afirmando que “a arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional”.


Bolsonaro traidor? De quem?


Para muitos dos apoiadores mais radicais, Bolsonaro se tornou um traidor. No Twitter, Rodrigo Constantino afirmou que o presidente “levou um xeque-mate” e que ele “pode ter assinado sua derrota”. Já Silas Malafaia continuou os ataques à Alexandre de Morais e disse que suas convicções eram inegociáveis e que continua aliado, “mas não alienado”.


Família vai de motorhome para protesto em Brasília. Foto: Lucas Wagner Nunes


E o Mourão?


Encabeçando a figura de “moderador” do governo Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão teve agendas paralelas durante a semana do dia 7 de setembro. Segundo apuração do jornal Estadão, Mourão se encontrou com adversários do presidente no Congresso (PP, PSDB, MDB, PSD. E DEM), empresários, magistrados e diplomatas.


O teor dos encontros não revelado, porém, desde agosto o vice-presidente realiza encontros com lideranças políticas para discutir a crise institucional. Uma das conversas foi com o ex-secretário do governo do ex-presidente Michel Temer, Carlos Marun, que ao Estadão afirmou que Mourão deveria “atuar politicamente de forma mais efetiva”.


Para a maior parte dos congressistas, o general da reserva é um “homem equilibrado” e “distante do radicalismo” do atual presidente. Porém, vale lembrar que Mourão também é saudosista da Ditadura Civil-Militar e já afirmou em entrevistas que “não houve tortura” no Brasil.


Também em meados de agosto, o vice se reuniu com o ministro do supremo Luís Roberto Barroso para discutir sobre os riscos de uma ruptura institucional. A reunião também não estava na agenda oficial.


Confira a fotorreportagem completa do dia 7 de setembro em Brasília

Fotos: J.Lee Aguiar



Fotos: Lucas Wagner Nunes

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