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  • Foto do escritorJúlia Aguiar

“Mulher Oceano é uma das experiências mais profundas que eu já vivi”, afirma Djin Sgarzela

Entrevista

Em seu primeiro longa, a diretora e atriz Djin Sganzerla se aprofunda no existencialismo entre Rio de Janeiro e Japão. Longa será exibido na 24º Mostra de Cinema de Tiradentes

Djin Sganzela estreia como diretora com o longa “Mulher Oceano”. Foto: Leo Lara/Divulgação


Filha de dois artistas brilhantes (Helena Ignez e Roger Sganzerla), é atriz, diretora e roteirista - Djin Sganzerla é como um respiro lúdico dentro da distopia dos sentidos.


Quando percebemos a fluidez da arte enquanto ferramenta múltipla de comunicação entre o ser e o criar, vemos de relance um sopro de realidade. Os corpos gritam em fúria, a casa que habitamos chora. “A fúria da natureza está te chamando para acordar! Acorde! Acorde! Acorde!”, conta Djin Sganzerla em entrevista exclusiva ao Jornal Metamorfose, na tarde de quinta-feira (14).


Com o sensível “Mulher Oceano”, longa-metragem de estreia da diretora, Djin indaga a imensidão dos seres humanos em uma metáfora belíssima com o mar. As águas. Revoltas em calmarias intermitentes. O filme está passando por diversos festivais e já ganhou o prêmio de Melhor Longa-Metragem na Competição Internacional do Porto Femme International Film Festival.


“Mulher Oceano” é quiçá, um dos filmes mais esperados na 24º Mostra de Cinema de Tiradentes, que começa a ocupar as redes em 22 de janeiro, onde o longa será exibido na Mostra da Praça.


Confira a entrevista na íntegra:

Djin Sganzerla em “Mulher Oceano” – Foto: André Guerreiro Lopes



Jornal Metamorfose: Em “Mulher Oceano” você atua, dirige e roteiriza o filme. Com foi essa experiência? E porque essa escolha?


Djin Sganzerla: Porque nasceu realmente de uma necessidade muito autoral, muito verdadeira de dirigir. Assim, você tem o papel total sobre uma obra. Nasceu dessa vontade de dirigir e os outros braços acabaram sendo ocupados por mim, comecei a pensar o roteiro e co-roteirizei com a Vana Medeiros.


Concebendo essa história junto com Vera, fiquei apaixonada pela personagem, todo universo dela. Tudo foi nascendo dentro de mim ao mesmo tempo, eu fui me tornando esses personagens enquanto eu escrevia, foi orgânico e natural. E pra mim atuar foi uma consequência.


Foi muito profundo, talvez uma das experiências mais profundas que eu já vivi na minha vida. Essa potência máxima quando você encara uma experiência, ela é ao mesmo tempo extraordinária e exaustiva. Porque consome muito, é um processo de muita entrega e energia da minha parte, desde o momento que o projeto nasceu, pra depois atuar e ao mesmo tempo dirigir.

Foi muito cansativo mas muito transformador e revigorante, com a arte você da muito de si mas ela te devolve. A própria experiência te devolve uma energia muito especial, você se sente como se fosse invencível.


Jornal Metamorfose: Em “Mulher Oceano”, principalmente por ter um protagonismo muito forte seu, me faz pensar sobre a imensidão que habita as mulheres. Com seus sonhos e alquimias, ondas gigantes e tempestades, mas também calmarias intensas. Esse é um longa sobre a imensidão do ser?


Djin Sganzerla: Sem duvida é também sobre a imensidão do ser, ele fala sobre o próprio oceano, que é muito particular. São as questões existenciais dessas duas mulheres, mas perante esse existencialismo dentro do cosmos, do micro pro macro, essas mulheres tentando se encontrar, encontrar sua verdadeira essência. Sobretudo a Hanna, ela já não se encontra mais dentro de uma sociedade ou um grupo de pessoas, ela busca exatamente o que ela quer ser o que ela realmente é.


E a outra, que realmente tá tendo um chamado do universo e dela mesmo, e o lugar dela é ali, dentro do mar, é lá que ela se completa, que ela é completamente inteira. É a fúria da natureza te chamando pra acordar! Acorde! Acorde acorde!


É um filme sobre seu chamado para si mesma, para se sentir, nem com os homens nem com as mulheres isso não acontece. Principalmente com as mulheres porque elas são obrigadas a cumprir um papel na sociedade e não necessariamente com o que elas são na essência, e o que elas querem fazer.


Jornal Metamorfose: Porque o Japão? Pensando em possíveis referências (que se aproximam ao cinema marginal feito por Roger e Helena) japonesas que retratam aquela humanidade. Como foi gravar e trocar experiências profundas com o cinema japonês? O que podemos esperar de “Mulher Oceano” no Japão?


Djin Sganzerla: O Japão eu fui muito com a ideia do que eu gostaria de receber desse processo de filmagem. Foi uma construção desse roteiro, das locações, onde o filme ia ser rodado, a cepa do Japão que íamos revelar. Ao mesmo tempo que quando a gente chega num lugar, ele te surpreende, e assim foi.


Foi um processo enriquecedor por entender mais a cultura japonesa, como eles lidam e encaram de muitos aspectos a vida cotidiano. De certa forma eu falo muito disso, de como os japoneses se relacionam com a natureza, vida e morte, e também como de alguma forma eles me influenciaram muito porque eu queria filmar em um lugar que tivesse a relação com as águas, e o Japão é uma ilha.


Eu queria gravar em um lugar totalmente distante do rio, mas mostrar como precisamos deles e eles são parecidos conosco, de certa forma como somos parecidos, inclusive as religiões.


Principalmente com a umbanda, e na relação de Iemanjá com o mar. As amas japonesas, que são pescadores, elas dedicam a vida a mergulhar no mar – e ama significa mulher do mar. São mulheres que passam a maior parte da vida no mar, fazem isso até 85 anos de vida, com arpões tiram mouriscos e trazem para a beira do mar sem nenhum equipamento, são dessas mulheres que Hanna vai tirar força e inspiração. As duas culturas vão se misturando.


E na umbanda tem várias palavras orientais, eu faço esse paralelo com a cultura, filmei durante uma gira no dia 2 de fevereiro e essa personagem recebe esse chamado do mar. Relacionando com o Xintoismo, que é uma religião que reverencia a natureza, o vento, o mar, as árvores, a natureza como um todo, como uma entidade.


É um encontro entre as duas culturas, temos muito em comum. O Japão me deu muito tudo isso, entender de perto principalmente a relação entre vida e morte, e a relação da natureza.


Jornal Metamorfose: O longa trás um ponto interessante que é sua atuação, você participou recentemente de diversos processos de atuação com sua mãe Helena, em “Tchekhov é um cogumelo” e o aguardadíssimo “A moça do calendário”. Como foi gravar “Mulher Oceano” depois desses processos? Impactou sua atuação no longa?


Djin Sganzerla: Eu trabalho com a mãe desde muito nova, tive experiências em ser dirigida por ela e contracenar com ela, dividir o palco, quase virou algo muito natural pra mim, eu faço isso desde que eu tenho 20 anos, hoje eu tenho 43! Sempre foi um caminho paralelo, mas ao mesmo tempo me expressando, ao lado dela com os filmes dela.


Eu carrego de maravilhoso uma vontade de ter um estilo próprio, como é esse universo interior e povoar esse universo através desse olhar. E não de alguma forma copiar algum estilo, ou tentar seguir algo, a busca é seguir o que eu tenho vontade de falar, me expressar como atriz. Quando você é verdadeiramente você, de falar suas questões e isso toca os outros.

Filme “Mulher Oceano” ganhou prêmio no Providence Latin American Film Festival/Reprodução


Jornal Metamorfose: Você é uma pessoa que carrega consigo a bagagem da história do cinema experimental brasileiro, porém com sua própria personalidade. Como você os seus filmes? São experimentais? Marginais?


Djin Sganzerla: Mulher Oceano é o meu primeiro longa como diretora, eu não diria que minha principal característica é de um cinema experimental, mas um filme que prega a liberdade, a criatividade, inventividade. Mas uma característica muito presente no cinema dos meus pais, acho que tenho muitas características de um cinema de autor, consequentemente mais experimental, nesse sentido sim.


Mas eu acho que esse filme ele tem uma narrativa mais clássica, a partir da narrativa dele, ele segue um modelo clássico, mas tem muitas características experimentais.


Jornal Metamorfose: Qual a importância do cinema libertário e experimental para a cultura brasileira em um momento que o escarro pela liberdade é tão urgente?


Djin Sganzerla: Eu acho que sem duvida através dessas brechas, desses gritos, que surgem os trabalhos mais pulsantes e interessantes, que tem a ver com essa urgente e essa necessidade de se expressar. Essa potencia também pra quem está recebendo é muito impactante, temos que fomentar isso para que esse espaço, sobretudo, para que novos diretores sigam essa trajetória. E não um modelo de cinema que não nos pertence, não tem a ver com a nossa cultura.


Eu falo que não precisa ser um cinema sobre o Brasil, pode ser temas universais, mas que sejam caros a nós, enquanto indivíduos, isso se resulta em bons trabalhos, que tem essa urgência e fervor.


Ainda é muito pequeno esse espaço para as mulheres, mas está cada vez maior. É um filme dirigido por uma mulher, escrito por duas mulheres, muitas mulheres na equipe, trazendo temas universais e muito fortes para a mulher, a necessidade de dar a voz para nós mesmas. Chamar a atenção as questões essenciais, mas também de encontrar essa essência. Esse modelo de ouvir a voz interior e a partir dela começar a produção de um filme.

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