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  • Foto do escritorMarcus Vinícius Beck

Notas sobre Joan Didion

Botequim Literário


Jornalista Joan Didion junto com seu marido e filha - Foto: Julian Wasser/ Netflix



Você talvez nem se recorde, mas houve um tempo que escritores lançavam seus livros em livrarias, sebos ou bares. Sempre me pareceu mais aprazível a opção de cá que a de lá: sentia-me o bastião da honestidade sorvendo um Domeqc duplo com uma pedra de gelo enquanto dissertava sobre a influência da narrativa aplicada ao calhamaço de páginas que eu vendia a um público tão maluco quanto Jim Morrison cantando com o pênis de fora em Miami.


Doctor Hunter S. Thompson, thanks!


Teve uma vez na qual cheguei a comercializar meu libelo do jornalismo literário a 50 fake news. Nada mais justo que o desgraçado do escritor ter um certo lucro após arregaçar as mangas do verbo no ofício de lapidar as palavras atrás da prosa límpida. E, ó: corrijam-me se eu estiver errado... se eu estiver... mas de vez em quando rola até receber pelo livro comercializado com beque, Old Fitz de Tennesse e ácido.


Pareço um cara saído da porra (desculpa pela meu inglês) da contracultura.


Das três, as três.


1. A verdade é que ela era linda.


2. Linda, enigmática e foda.


3. Nos episódios mais espinhosos, escondia-se sob a armadilha dos seus óculos escuros, tragando e baforando o cigarro que segurava entre os dedos enquanto observava uma mãe dar LSD para a filha de cinco anos ou durante uma conversa com Joan Baez.


Joan Didion, mesmo sufocada entre o deadline das redações, foi uma escritora brilhante. E os três pontos, obviamente, dão uma noção sobre quem me atrevo a falar.


Ou seja, sou um Raoul Duke pós “Medo e Delírio em Las Vegas” com “White Rabbit” tocando no último volume: “Remembeeeeeerrrr waht dormouse sai/ “Feeeeeddd your heeeeeeeaaaaddddd/ Feeeedddddd youurrrr Heeeeaaaaaaaaaaaddddddddddddd’”.


Nos anos 1960, junto da turma revoltada com a camisa de força da imparcialidade jornalística e apertando as fivelas dos cintos da viagem psicodélica, Didion seguiu ao pé da letra aquela máxima Gonzo que todo repórter precisa ter os olhos de Cartier-Bresson. Acho que ela até estava um degrauzinho acima do fotógrafo. Naquele momento de ebulição comportamental, política e cultural, a escritora fez dos frilas no The Saturday Evering Post textos compilados em “Rastejando Até Belém”, obra definida pela imprensa americana como clássico do ensaísmo moderno.


Que assim seja. Quando a imaginação e o sonho tomaram as ruas contra a caretice em maio de 68, as livrarias norte-americanas recebiam os primeiros exemplares da obra que fez de Didion – até então uma romancista obscura – uma jornalista célebre, com passe livre e tudo para ir e vir entre a patota do Novo Jornalismo. Seu feito era igual - ou maior, já que ela não tinha um emprego na Esquire - ao de Tom Wolfe e Gay Talese. Ela flagrou com olhar original as reivindicações da época e ajudou a alimentar a convulsão que se propunha implodir a família, destruir o capitalismo e expandir as possibilidades do prazer sexual. Suas palavras vibravam no covil dos cafonas.


Muito mais do que uma obra escrita por alguém que precisava levantar uma grana, “Rastejando Até Belém” mostra que a única vantagem de Joan Didion não é exatamente ser pequena e ter um temperamento discreto, e sim exibir um texto que faz falta no jornalismo de hoje. “Os escritores sempre traindo alguém”, escreve.


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