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  • Foto do escritorMarcus Vinícius Beck

Antônio Maria: o cronista que morreu de amor

Botequim Literário

Antônio Maria marcou época na crônica brasileira com textos que mostravam a vida noturna - Foto: Acervo Histórico/ Portal da Crônica



Antônio Maria andava em direção a Le Rond Point, em Copacabana, no Rio de Janeiro, quando sofreu um infarto fulminante. Corria a noite de 15 de outubro do brabo ano de 1964, e o escritor-cronista estava 43 anos, exibia um extenso currículo com seus históricos serviços etílicos prestados à vida noturna do Rio, media um metro e oitenta de amor e pesava 120 quilos de lirismo. Maria deixou a ex-esposa Mariinha Gonçalves Ferreira e os filhos Maria Rita e Antônio Maria Filho, além de ex-amores e a satisfação do prazer cumprido.


Nos bares da cidade, o que se viu naquele dia e nos subsequentes foi um chororô a cada copo de uísque virado pelos amigos Vinícius de Moraes, Dorival Caymmi, Aracy de Almeida, Dolores Duran, Millôr Fernandes, Paulo Francis, Ivan Lessa e outras figurinhas conhecidas na boemia carioca. Com o talento para a cardisplicência e profissional da esperança, Maria ainda se remoía de amores pela modelo Danuza Leão, esposa de Samuel Wainer, seu chefe no Última Hora – e irmã de Nara, da Bossa Nova. Danuza chegou a acabar o casamento para amar Maria.


Nascido em 1921, no Recife (PE), Maria se aclimatou na boêmia de Copacabana e, como poucos, narrou os costumes da vida carioca entre os anos 1950 e 1960, época na qual o país respirava ares democráticos que durariam até 64. Além da vocação para a dor-de-corno, o cronista trabalhava muito. Fazia de tudo um pouco: narração de futebol no rádio, roteiros para programas de humor, reportagens de polícia, alfinetações políticas em Carlos Lacerda e as crônicas da vida noturna.


Muito matutina e cheia dos passarinhos de Rubem Braga, a crônica no período exibia um comportamento que não tinha nada a ver com Maria. Em seus textos, ele esbanjava um lirismo verdadeiro captado no momento em que nos despimos da mentira do horário comercial. Maria concebeu o roteiro boêmio de Copacabana, detalhando para o leitor quais boates eram boas ou não e explicando qual era o horário de funcionamento dos estabelecimentos. Talvez meio sem querer, criou um tipo de jornalismo de serviço, um tipo que (re) existe no álcool.


Interpretação de Nelson Gonçalves de música composta por Antônio Maria e Vinícius de Moraes



Sensível e dono de voz marcante, compôs músicas como o hino-melancólico “Ninguém me Ama” (1952), em parceria com o jornalista Fernando Lobo. É de Maria ainda “Manhã de Carnaval”, parceria com Luis Bonfá, cantada por Dorival Caymmi, e “Valsa de Uma Cidade”, com Ismael Neto. Junto com o amigo Vinicius de Moraes, fez “Quando Tu Passas Por Mim”, também conhecida pelos versos sentimentais. "Quando tu passas por mim/ Por mim passam saudades cruéis", diz o mestre.


No início da carreira como jornalista, trabalhou em O Jornal, de Assis Chateaubriand, veículo no qual publicara os conhecidos “dez mandamentos” (leia o box no final deste texto) e outras dezenas de colunas. No Rio de Janeiro, tornou-se uma espécie de símbolo da vida urbana: sua habilidade de se envolver em relacionamentos com as mulheres mais belas da época lhe valeu o status de bom vivant, que ele aproveitava em suas incursões pelos botequins e delegacias, tirando daí a matéria-prima para narrar suas histórias e seduzindo o leitor com seu estilo.


A vida de Antônio Maria foi marcada pela genialidade e por um lirismo que hoje se encontra em falta. Onde ele inventava de dar seus pitacos, brilhava: brilhou na Redação do Última Hora, sob a batuta de Samuel Wainer, com suas matérias que tão bem descreveram a leveza e a cultura brasileira no curto período democrático entre a queda do Estado Novo e o início da ditadura militar. Brilhou durante sua passagem pelo O Globo. E brilhou também no universo da música, com seus hinos da derrota amorosa, como atestou o cronista Joaquim Ferreira dos Santos.


“Ninguém me ama, ninguém me quer/ Ninguém me chama de meu amor/ A vida passa, e eu sem ninguém/ E quem me abraça não me quer bem”, disse o homem em “Ninguém Me Ama”, música gravada por gente de ponta da MPB. Antônio Maria nunca fez questão de dispensar a dor de corno, e a partir da vivência nas entranhas da fossa criou textos e versos que ficaram marcados. Um brinde ao cronista que morreu de amor. Tim-tim, Antônio Maria.


Conheça os dez mandados de Antônio Maria, publicado em O Jornal

1. Criança fantasiada, principalmente na idade dos seis meses aos três anos;

02. Moça de carro alegórico jogando beijos;

03. Homem velho contando que deu soco em alguém e, fazendo gesto (aí é que comove), mostrando como foi o soco;

04. Preto de óculos ray-ban (sábados e domingos);

05. Violinista de casa de chá tocando Toseil;

06. Retrato de primeira comunhão;

07. Criança tocando acordeão na televisão;

08. Fotografia de índio em pose perto de avião;

09. Goleiro de time de morro com uma joelheira só;

10. O bilhete que a empregada deixa sobre a mesa da cozinha (muito mais pela caligrafia do que pela ortografia): 'pesso deixar a xave'

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