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O desastre antropoceno

Editorial

Exploração desenfreada, descaso e desrespeito ao meio ambiente direciona a humanidade para a extinção

Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em vistoria na madeireira no dia 31 de março. Foto: Twitter/Ricardo Salles


Para o leitor que não está acostumado, antropoceno pode ser um conceito estranho. Mas, na verdade seu significado está aí diariamente, na nossa cara, e vem se tornando uma questão cada vez mais cara para todos nós, como sociedade e humanidade.


Segundo os professores Matias Franchini, Eduardo Viola e Ana Flávia Barros-Platiau, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), em artigo publicado na revista cientifica Ambiente e Sociedade, antropoceno pode ser definido, de forma mais ampla, como: a aceleração da degradação da biosfera nas últimas décadas, aqui a humanidade já saiu do período anterior de estabilidade. Ainda segundo os professores, essa relativa estabilidade, principalmente do sistema climático, possibilitou o desenvolvimento da civilização após a última era glacial.


No entanto, progressivamente nossas ações estão efetivamente empurrando esse conjunto de processos centrais do sistema terrestre para fora dos parâmetros de oscilação estáveis, com eventuais consequências deletérias ou mesmo catastróficas para o sistema e, consequentemente, para a vida da humanidade.


Então, para garantir nossa segurança de sobrevivência, Johan Rockström identificou nove fronteiras planetárias que devem ser cuidadas, evitadas e revertidas, se possível. Elas são: mudança climática; acidificação do oceano; destruição da camada de ozono; mudanças no ciclo biogeoquímico de Nitrogênio e Fósforo; uso de água doce; mudanças no uso da terra; perda de biodiversidade; contaminação química; e concentração de aerossóis na atmosfera.


Assim, é fácil perceber que há um caráter global na agenda do antropoceno e esta exige respostas cooperativas, e não individuais, mesmo por parte dos principais atores internacionais. Na verdade, segundo os autores, a única saída possível para gerar e sustentar um espaço de operação seguro para a humanidade seria construir instâncias de governança global, com atores de diferentes tipos definindo suas identidades e preferências, tendo como vetor central o bem comum da humanidade. Porém, o principal problema identificado é que grande parte desses atores do sistema internacional operam com uma lógica não convergente com a construção desses bens universais.


Ainda assim, tentativas foram, e são feitas. A primeira Conferência Mundial sobre Homem e Meio Ambiente, realizada em Estocolmo em 1972, é considerada o evento que marca a entrada das questões ambientais na agenda internacional, segundo os professores. Entretanto, nos grandes eventos subsequentes, o caminho foi trilhado diferente. Segundo apontam, tanto em Joanesburgo (2002) como no Rio de Janeiro (2012), a comunidade internacional não conseguiu avançar com mecanismos juridicamente vinculativos para gerir os problemas ambientais, mesmo com provas cientificas do agravamento da situação climática global. Como resultado, a lacuna entre o consenso científico e as respostas políticas acentuou cada vez mais uma grande inércia das instituições internacionais em relação ao agravamento da situação ambiental global.


Essa indústria de conferências é profundamente negativa, pois além de não contribuir para a resolução de problemas, cria a ficção de que sua ineficácia é apenas temporária e não estrutural, dificultando o surgimento de outras instâncias de governança potencialmente mais adequadas e sempre empurrando o problema para o encontro posterior. E daí vão-se anos e a destruição ambiental avança.


A destruição, como vemos, não é marca de extremistas da direita. Obviamente posturas como a do Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, escancaram o que há de pior e mais destrutivo no lido institucional dos recursos naturais.


No último dia 14, o superintendente da Polícia Federal (PF) no Amazonas, Alexandre Saraiva - que investigou a maior apreensão de madeira do país - apresentou notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal, pedindo que este investigasse Salles, o senador de Roraima, Talmário Mota (PROS) e o presidente do Ibama, Eduardo Bim, sob acusação de atrapalhar e dificultar as investigações sobre a apreensão de mais de 200 mil metros cúbicos (aproximadamente 65 mil arvores) de madeira apreendida no Pará sem documentação que comprovasse realmente a sua origem legal.


Também haveria indícios de que Salles, Mota e Bim terem praticado crime de advocacia administrativa, quando se patrocina (diretamente ou indiretamente) interesse privado perante a administração pública. Mesmo tendo proximidade com a família Bolsonaro, Saraiva foi afastado do cargo já no dia 15.


Mas, vale lembrar também que governos e países ditos progressistas, como muitos na Europa, continuam a adotar nas suas práticas o consumo de bens naturais desenfreado, voltado ao lucro e a um suposto desenvolvimento e com objetivos a curto prazo. Um exemplo recente, mas fora da Europa, foi a declaração do governo japonês, também nesta última semana, de despejar no mar mais de um milhão de toneladas de água radioativa da usina de Fukushima. Segundo as autoridades a água passara por um processo de filtragem.


Para quem não se lembra, em 2011, um terremoto causou um tsunami na região, matando mais de 18 mil pessoas e deixando um rastro de destruição, como a usina nuclear de Daichii. Pouco tempo depois, radiação era encontrada em vegetais e leite. A catástrofe também devastou comunidades agrícolas e de pesca (que até hoje não se recuperaram totalmente).


Mas, grupos ambientalistas afirmam que ainda haverá materiais radioativos e estes podem afetar a cadeia alimentar marinha. Defendem a manutenção do armazenamento da água até que se aprimore mais o mecanismo de filtragem. Comunidades de pescadores locais também se mostraram contrários e apreensivos pela decisão. Sindicatos dizem que o despejo dessa água pode ser novamente catastrófico.


Infelizmente, o que percebemos no geral, é que ainda há pouca preocupação real com o meio ambiente. Capitalismo verde não é preocupação real. É preciso entender a gravidade da crise ambiental e climática dos nossos dias. É preciso ter um mínimo de senso geracional, pensar no futuro. Pois, o caminho que as atuais autoridades estão traçando nos levará, e em pouco tempo, a extinção.




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