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O imbróglio da reforma agrária

Luta no campo

Processo de distribuição de terras no Brasil se encontra paralisado desde o Governo Temer, tendo aumento de conflitos latifundiários no interior do País

Manifestação pela reforma agrária, em Brasília, 2014. Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil/Reprodução

Júlia Aguiar

A história do latifúndio no Brasil começa em 1530, com a formação das capitanias hereditárias e a distribuição de terras aos capitães donatários, que por sua vez tinham a missão de colonizar o território. Em contrapartida, através da produção nessas terras, os capitães pagavam impostos à Coroa Portuguesa. A princípio eram 14 capitanias hereditárias, distribuídas a homens brancos com condições financeiras para produzir e ocupar as terras, porém, muitos desistiram.

História vai, história vem, em 1850 foi implementado a Lei de Terras, onde se colocou em prática a apropriação e anexação de terras por grandes proprietários, por meio de falsificação de documentos imobiliários - prática conhecida como grilagem de terras. Antes da lei, a terra poderia ser tomada como propriedade através de sua ocupação produtiva.

“A Lei de Terras demonstra o começo do problema latifundiário no campo legal, pela forma que o estado brasileiro resolveu lidar com a situação das terras no brasil. Desde as sesmarias as terras eram monopolizadas por pessoas com recursos financeiros, os donos das grandes senzalas, que receberam a titularidade desses grandes latifúndios”, explica o advogado Vilmar Almeida Coelho, que atua no Coletivo de Advogados Populares Luís Gama em conflitos agrários.

Depois de 1850, a terra só poderia ser tomada como propriedade quando fosse comprada. Tal lei definiu que as terras ainda não ocupadas passavam a ser propriedade do Estado. A lei perpetuou até 1930, quando uma alteração permitia que o poder público desapropriasse terras de interesse público.

A reforma agrária é o processo de redistribuição dos latifúndios, que são terras de grande extensão fundiária que estão concentrados nas mãos de uma elite. O latifúndio tem a característica de baixo rendimento do uso da terra e baixo nível de capitalização, sendo esse um problema decorrente da colonização. No Brasil, através da Lei Nº 4.504 foi criado o Estatuto da Terra, em 1964, quando o Poder Público passou a conduzir medidas a fim de promover a distribuição de terras entre trabalhadores rurais.

“Não existia demanda pelo uso capitalista das terras do brasil profundo. É na década de 1950 pra frente, até 1990 tínhamos o modelo de mercantilização do latifúndio, até que chegou o agronegócio no brasil”, afirma o professor de graduação e pós-graduação em geografia pela Unifal-MG, Estevan Coca em entrevista ao JM.

Conflitos

Foto: Marcelo Buzzeto. Acampamento Nova Canudos, São Paulo,1999.


Segundo os dados divulgados em 2018 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), de 1994 até 2017, foram 1.364.057 famílias assentadas. Não há dados oficiais desde o Governo Temer.

“O grande problema é que ainda temos milhares de famílias envolvidas em conflitos fundiários. Existem famílias que estão a centenas de anos em algumas áreas e até hoje não tem documentação da terra, pois falta reconhecimento da regulação fundiária. Essas pessoas estão em fronteiras agrícolas, longe das cidades urbanas e até a expansão agrícola elas não precisavam de documentos”, explica o professor de geografia Estevan Coca.

No interior do Brasil se desenvolveu um processo profundo de grilagem, ainda há muitas terras nas mãos de grandes latifundiários, o que impacta diretamente as comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas e a população rural. Os conflitos se tornam cada vez mais problemáticos, algo que estamos observando com o aumento de queimadas, por exemplo, que são em sua maioria grandes fazendeiros que colocam fogo ilegal para expulsar essas comunidades.

Segundo o advogado Vilmar Almeida, atuante em causas agrárias no Pará e Rondônia, os conflitos estão se tornando cada vez mais violentos. “Existem conflitos gravíssimos com práticas milicianas que oprimem as comunidades campesinas. Uma milícia com apoio do estado, é uma cachina cotidiana, se você lê os inquéritos policiais é fácil perceber o ódio contra essas comunidades, que estão lutando por seus direitos”, pontua o advogado em entrevista ao Jornal Metamorfose.

Em 1980 com a criação da União Democrática Ruralista (UDR), liderado por Ronaldo Caiado (DEM) - que é o atual governador do estado de Goiás – temos grandes latifundiários que pressionam o poder Judiciário e Executivo para impedir a desapropriação de terras. “A UDR na verdade funciona como mecanismo de repressão, com verdadeiras milícias privadas que oprimem o povo que luta por terra”, afirma o geógrafo Estevan Coca.

“Você pega os países desenvolvidos no capitalismo, eles passaram por processos de reforma agrária. Da forma que ela está dada no Brasil é uma perspectiva reformista”, contrapõe o advogado Vilmar Almeida. “Durante a pandemia temos um absurdo, embora a Organização Mundial de Saúde (OMS) estabeleça diversos critérios de distanciamento social e a necessidade do isolamento domiciliar, vemos o Poder Público cumprindo despejos durante a pandemia, sem qualquer realojamento dessas populações. Essa política genocida contra as pessoas que lutam pelos direitos humanos”, continua o advogado.

Em 2020, as queimadas em Corumbá são criminosas, segundo as autoridades locais, prejudicando áreas de preservação do cerrado e chegando nos assentamentos rurais. “No caso de Santa Helena é provindo da produção de cana, há uma série de ataques, os focos de incêndio acabam impactando muito grande o meio ambiente, com impacto de carbono. Principalmente na região norte de Goiás, os focos de fogo vem de reservas legais, os fazendeiros em volta colocam fogo propositalmente nessas áreas, prejudicando as famílias e o meio ambiente”, afirma Luiz Zarref que faz parte da cooperação de meio ambiente do MST em Goiás.

MST

Foto: Stella Senra/Reprodução

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) teve origem na década de 1970, como oposição política dos campesinos a Ditadura Militar (1964-1985). Oficializado como MST em 1984, no 1° Encontro Nacional, que aconteceu em Cascavel, no Paraná, o movimento foi consolidado com três objetivos principais: lutar pela terra, pela reforma agrária e por mudanças sociais no Brasil.

O MST prega uma reforma agrária popular, que tenha como prioridade o povo, e não a elite. “Precisamos de uma agricultura autônoma, voltada para produção de alimentos. A função de assentamento é produzir comida e cuidar da natureza, que é bem comunitária, nós não somos proprietários da terra, outras gerações vão ocupar esses espaços e por aí vai”, conta Roberto Baggio, coordenador geral do MST no Paraná, em entrevista ao JM.

“Estamos vendo uma destruição das políticas públicas, que favorecem um grupo pequeno de milionários. Nessa crise precisamos urgentemente de Reforma Agrária, criando uma consciência ambiental, de solidariedade, e até mesmo de produção. Imagina um estado que fizesse uma grande reforma agrária, assentando quatro milhões de pessoas, imagine?”, continua Roberto.

Os movimentos de luta campesina não são homogêneos ideologicamente, porém a questão ambiental é sempre um ponto fundamental na construção da luta por terra. Com a destruição do meio ambiente, através das queimadas, com o uso excessivo de agrotóxicos, a má utilização da água potável e o agravamento da crise climática, preservar a natureza é um princípio básico para continuar a produção alimentícia.

“Onde estão as nascentes? Não estão nas áreas do agronegócio. Em Guapó, Palmeiras de Goiás e Campestre temos a maior área conservada de cerrado da grande Goiânia, sendo 51% de cerrado preservado. Essa área faz parte de um assentamento que reúne 329 famílias, que conservam o cerrado”, conta Luiz Zarref, que participa do setor de produção e cooperação de meio ambiente do MST em Goiás.

O coordenador geral do MST em Paraná, Roberto Baggio, afirma que o movimento segue a matriz da agroecologia. “A matriz agroecológica é de plantar e não queimar, nós temos uma cultura diferente, de não derrubar árvores, intensificando o reflorestamento para recompor o bioma brasileiro”, conta em entrevista ao JM. “É claro que no brasil inteiro as queimadas e o veneno impactam muito os assentamentos, as ações do agronegócio com contaminação área prejudicam muito nossas produções, que não usam agrotóxico e são orgânicas”, continua.

Só no estado do Paraná são 23 mil famílias assentadas desde os anos 1980, que produzem em 430 mil hectares de terra, sendo 130 mil hectares de proteção ambiental, segundo Baggio. “Para salvar o meio ambiente, precisamos de reforma agrária”, afirma o coordenador.

Baggio conta que o Movimento dos Sem Terra constrói uma educação com as famílias assentadas para o constante plantio de árvores, sendo feito um trabalho de conscientização para que as famílias não usem agrotóxicos e preservem a água. “Temos um programa de formação dos jovens nos assentamentos, para formar cientistas na matriz agroecológica. Precisamos apropriar esse conhecimento, cuidando das sementes crioulas e repartindo as sementes. E fazemos anualmente grandes jornadas de agroecologia”, explica o coordenador em entrevista.

Já em Goiás, durante a pandemia os assentamentos foram alvo de fiscalização dos órgãos ambientais, Luiz Zarref conta em entrevista ao Jornal Metamorfose, que “o problema é a burocratização que é uma forma política de impedir a reforma agrária. Todos os assentamentos que foram criados desde 2001, tinham que ter pelo menos 21% de cerrado preservação ou reconstruído. Não existe nenhum assentamento que não desrespeite a reserva legal, a maioria de nossas reservas são em condomínio, isso quer dizer que a reserva é cuidada por todas as famílias assentadas”.

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