top of page
  • Foto do escritorJM

O ineditismo de Machado

Literatura

Pesquisadora descobre perfil de Dom Pedro II que teria sido escrito pelo autor de ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’. Entenda como textos com viés humano moldaram a literatura de Machado

Retrato do escritor Machado de Assis - Foto: Reprodução


Marcus Vinícius Beck


Joaquim Ferreira dos Santos, autor de “Em Busca do Borogodó Perdido” (2005), joga luz sobre o ofício despretensioso de narrar o cotidiano: “A crônica não quer abafar ninguém, só quer mostrar que faz literatura também”. O trecho, que faz parte a compilação “As Cem Melhores Crônicas Brasileiras” (2009), resume a literatura produzida pelo escritor Machado de Assis. Um dos responsáveis por observar e reportar personagens à margem da sociedade no final do século 19, a obra de Machado ganha mais um sopro com a dissertação de mestrado de Cristiane Garcia Teixeira, defendida na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mas que veio à tona só agora.


Isso porque o estudo deu origem ao artigo “Machado Biógrafo: Da Investigação De Uma Revista A Um Texto Inédito” e foi publicado neste mês na revista “ArtCultura”. No texto, Teixeira sugere que um perfil de Dom Pedro II teria sido escrito por Machado na época em que ele era redator-chefe da revista “O Espelho”, importante publicação literária do Rio de Janeiro pré-abolicionista. Teixeira afirma que o texto fora veiculado a 6 de novembro de 1859, quando o autor de “Dom Casmurro” tinha apenas 20 anos e tentava firmar-se como um escritor de renome. “Em “O Espelho” usufruiu de uma posição de destaque: era o “faz tudo da redação”’, diz, no artigo, a pesquisadora.


Ao longo do texto, a estudiosa explica o tamanho da importância da revista para a vida literária do autor. Foi na publicação, disserta Teixeira, que Machado formou-se escritor e redator, além de ter dado os primeiros passos na mídia gutemberguiana. “Com a função de “O Espelho”, o literato passou de escritor eventual para a condição de redator de revista”, atesta. O escritor, durante os primórdios da revista, participou diretamente da criação da publicação, opinando nas decisões sobre a linha editorial e os assuntos enfocados. “Depois da participação de Machado de Assis em “O Espelho”, sua colaboração e seu reconhecimento na imprensa tomaram outros rumos”, anota.


Fac-símile da edição de “O Espelho” que tem o perfil de Dom Pedro II - Foto: Reprodução


Além disso, Teixeira conta que o surgimento de “O Espelho” ocorreu num período de mudanças no Rio e na imprensa carioca (e brasileira), que ganhou novos contornos com os primeiros sinais do processo de modernização da comunicação de massa no País. “Esta imprensa estava marcada, sobretudo, pela liberdade de expressão que se combinou a uma profusão de diversos tipos de impressos com formatos e temas variados”, analisa a pesquisadora. “Com novos enfoques, não mais só o estritamente político caracterizado pelo periodismo de opinião do Primeiro Reinado, tendendo também à busca por um público mais abrangente, com interesses diversificados”.


A pesquisa, um trabalho que chama atenção para os primeiros textos produzidos por um dos maiores nomes da literatura brasileira, pode alterar a maneira como é ministrado a história da imprensa, literatura e intelectual brasileira no século 19 nas universidades. Mas, conforme diz a própria Cristiane Garcia Teixeira, o seu estudo deixa certas lacunas que ainda precisam ser respondidas. Por exemplo, qual foi o motivo que levara Machado a escrever biografias antes de consagrar-se com obras-primas do calibre de “Contos Fluminenses” (1870), “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881), “Quincas Borbas (1891) e “Dom Casmurro” (1899)?


Na verdade, historiografia das letras à parte, Machado seria um dos nomes mais celebrados da literatura mundial se estivesse escrito em língua inglesa. Décadas antes da turma do New Journalism (Gay Talese, Tom Wolfe, Norman Mailer e Truman Capote) percorrer as ruas de Nova Iorque – especialmente Galese em seus perfis publicados na Esquire nos anos 60 -, o romancista brasileiro subira os morros cariocas atrás de personagens para retratar em suas crônicas e contos, como em “O Livreiro Garnier” e “Máquinas de Coser” – ambos são textos que podem ser lidos em “As Cem Melhores Crônicas Brasileiras”, com organização de Joaquim Ferreira dos Santos. Machado é gênio.



Logo do Jornal Metamorfose
bottom of page