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O poder antirracista

Antirracismo

Protestos contra a morte de George Floyd suscitam debates sobre racismo. Relembre a trajetória da ativista Angela Davis, uma das mais importantes vozes do movimento negro americano

Filósofa Angela Davis é considerada um dos maiores nomes da luta antirracista nos Estados Unidos - Foto: Autor Desconhecido


Marcus Vinícius Beck


O cabelo black power e o punho cerrado viraram parte da iconografia pop da contracultura, símbolo de bandeiras tão fascinantes quanto temidas pela ética repressora dos endinheirados: o comunismo, o feminismo e o poder para o povo negro – até hoje, vejam só, essas palavrinhas suscitam, hum, hum, tremelicos nos fardados, sobretudo no Brasil, onde os profissionais das Forças Armadas ocupam o poder num revival militarizado que está mais vivo do que nunca. Angela Yvonne Davis, mais conhecida como Angela Davis, é uma mulher à frente do seu tempo. Ela serviu de inspiração pra música “Angela”, de John Lennon, naquela altura ex-beatle, e “Sweet Black Angel”, dos Stones.


Angela, cujo pensamento é solidificado por um potencial revolucionário, inspira-nos a ir além do lugar-comum. Nascida em 26 de janeiro de 1944, a filósofa feminista mobilizou uma campanha mundial a favor de sua libertação nos anos 70, fator que inspirou Lennon e Ono e Jagger e Richards a comporem músicas que reverenciavam sua atitude libertária. Militante dos Panteras Negras e do Partido Comunista dos Estados Unidos, a ativista fora encarcerada por envolvimento num suposto atentado terrorista. Na ocasião, além de pautar o debate numa sociedade fundada sob a segregação racial, os Black Panthers se engajaram na luta pela liberdade de três militantes.


Em razão de sua batalha, Angela foi incluída na lista dos dez fugitivos mais procurados pelo FBI, os federais do Tio Sam. Mesmo passando meses sem dar o ar da graça revolucionária, a intelectual não fugiu de ser enclausurada. Mas o mundo, simpatizante da causa defendida pela pensadora, parou por conta da campanha “Libertem Angela”, que deu nome ao documentário da cineasta americana Shola Lynch, de 2014, onde é mostrado a trajetória da ativista. Após 18 meses de imbróglio, finalmente foi inocentada. Todavia, numa sociedade macarthista, a aluna de Herbert Marcuse (expoente da chamada Nova Esquerda) foi impedida de lecionar na Universidade Califórnia.


“A luta por liberdade dos negros, que moldam a natureza deste país (os Estados Unidos), não pode ser apagada com a varredela de uma mão. Nós não podemos esquecer que vidas negras importam”, disse a filósofa e ativista, autora da obra “Mulheres, Raça e Classe” (1981), durante a Marcha das Mulheres contra o presidente Donald Trump, em 2017. Na sequência, a pensadora emenda: “Este é um país ancorado na escravidão e no colonialismo, o que significa, para o bem e para o mal, a real história de imigração e escravidão. Espalhar a xenofobia, lançar acusações de assassinato e estupro e construir um muro não apagarão a história”.


Em 1970, os confrontos entre os Panteras e os policiais deixaram mortos dos dois lados: 19 entre os negros e quatro entre os agentes do governo. Edgar Hoover, que comandou por 48 anos o FBI, declarou em 1971 que considerava o movimento o mais perigoso em ação nos Estados Unidos na ocasião, num discurso - tchan, tchan, tchan... - parecido com o de Trump. “Angela nos ensina que “não basta ser racista”, é preciso ser antirracista” e que a liberdade é uma luta constante. Isso significa que a resistência antirracista precisa compreender as interconexões da questão racial que são sociais, culturais, econômicas e políticas”, diz a historiadora Yordanna Lara Pereira.


Mestranda em Antropologia Social pela UFG e feminista negra, a ativista social afirma que a resistência antirracista precisa questionar seus privilégios que “muitas vezes são frutos dessa trama perversa que é o racismo e que é preciso se posicionar cotidianamente contra as práticas discriminatórias”. “Quantas vezes questionamos notícia que traz o adjetivo bandido no lugar do nome da pessoa para legitimar o extermínio de jovens negros?”, questiona Yordanna, completando: “Angela nos ensina que ser antirracista é entender que isso é uma questão estrutural e estruturante de nossa sociedade, principalmente por nosso passado colonial e escravocrata”.


Ao longo de sua produção, Angela Davis disserta que as inquietações são necessárias para que o conformismo não impere. “Ela pensa as diferenças como fagulhas criativas que podem nos permitir interligar nossas lutas e nos coloca o desafio de conceber ações capazes de desentrelaçar valores democráticos de valores capitalistas”, discorreu a escritora Djamila Ribeiro, no prefácio da edição brasileira da obra “Mulheres, Raça e Classe”, lançada em 2017, pelo selo Boitempo. Em meio à onda de protestos que se espalhou pelos States, rememorar o legado de Angela Davis é necessário, necessário, não: é imprescindível. Angela, por essas e por outras, é leitura obrigatória.


Angela Davis na cultura


‘Angela’

Composição que faz parte do disco “Some Time In The New York”, a música é um hino que clama pela liberdade da ativista Angela Davis no contexto das prisões de manifestantes do movimento negro na década de 1970.


‘Sweet Black Angel’

Composta por Jagger e Richards, a canção – mais uma escrita por grandes nomes da música pop em defesa de Angela - também é uma ode à liberdade da filósofa e ativista. A composição faz parte do clássico disco dos Rolling Stones, “Exile On Main Stret”, de 1972.


‘Libertem Angela’

Dirigido por Shola Lynch, o filme retrata a vida de Angela Davis, uma professora de filosofia nascida no Alabama e conhecida por seu profundo engajamento na defesa dos direitos humanos. Quando Angela defende três prisioneiros negros nos anos 1970, ela é acusada de organizar uma tentativa de fuga e sequestro.


‘Mulheres, Raça e Classe’

Trata-se de uma obra fundamental para se entender as nuances das opressões. Ela começa “Mulheres, Raça e Classe” tratando da escravidão e de seus efeitos, da forma pela qual a mulher negra foi desumanizada, dando-nos a dimensão da impossibilidade de se pensar um projeto de nação que desconsidere a centralidade da questão racial.


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