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O sionismo tutelado por Trump
Internacional
Acordo assinado entre Israel, Bahrein e Emirados Árabes é motivo de preocupação para a luta palestina

Da esquerda para direita: Primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, Presidente dos EUA, Donald Trump, ministros das Relações Exteriores do Bahrein, Abdullatif Al Zayani e dos Emirados Árabes, Sheikh Abdullah bin Zayed al-Nahyan. Foto: Saul Loeb/ AFP
Lays Vieira
Na terça-feira (15), na Casa Branca (EUA) sob o intermédio e tutela do Presidente Donald Trump, foi assinado acordo comercial diplomático entre Israel, Bahrein e Emirados Árabes, o suposto acordo de paz, abre fronteiras comerciais entre Israel e os dois países árabes. O acordo trilateral também vem acompanhado de tratados bilaterais, normalizando as relações, os dois países árabes são os primeiros a reconhecer o estado judeu de Israel depois do Egito, no fim da década de 1970, e Jordânia, no início dos anos 1990.
Observadores e estudiosos do Oriente Médio, ainda possuem dúvidas sobre os impactos dos acordos, especialmente porque não levaram em consideração a posição da Palestina, que pode acabar perdendo apoio nas disputas territoriais. No mundo árabe, até então, a defesa era de que os países árabes só normalizariam suas relações com o estado judeu após acordo de paz com os palestinos.
No pano de fundo temos as rivalidades com o Irã, intensificadas no início do ano pelo assassinato do general Qassim Suleimani por uma ataque aéreo norte-americano, quase causando uma guerra. Inclusive, o Irã classificou os acordos como uma traição a causa palestina. Isso ocorre por que, entre Israel e os Emirados Árabes, o acordo de ontem teve como concessão por parte dos judeus a suspensão dos planos de anexação de territórios palestinos, mas oficialmente ainda não foram abandonados completamente.
Quanto ao Bahrein, o acordo foi assinado sem nenhuma contrapartida relacionada a causa palestina. Tais crítica foram rebatidas pelos dois estados árabes, que afirmaram que não irão abandonar a busca por solução para o conflito. Entretanto, Trump afirmou a Fox News que o acordo irá forçar os palestinos a negociarem, caso não queiram ser excluídos.
Houve protestos contra o acordo por parte da comunidade árabe. O Hamas afirmou que o acordo não trará paz para Israel e dezenas de palestinos protestaram em frente ao escritório da ONU na Faixa de Gaza, com dizeres “a palestina não está à venda”. A Organização para a Libertação da Palestina (OLP), reconhecida pela ONU como representante do povo palestino, afirmou que não haverá paz enquanto não houver uma palestina livre. Ativistas nas redes sociais lançaram a hashtag “Dia Negro” para marcar o reconhecimento oficial de Israel pelos dois estados do Golfo, dois foguetes foram disparados da Faixa de Gaza contra Israel enquanto a cerimônia estava sendo realizada. Outros protestos aconteceram em diversas localidades.
Trump e seu suposto papel de pacificador
Com as eleições norte-americanas marcadas para o próximo 3 de novembro, em uma disputa acirrada, Trump tenta ganhar cada vez mais popularidade e reconquistar sua base, que agora é duvidosa.
Os republicanos apoiadores de Trump, e o próprio presidente, pintaram o acordo como uma conquista da sua política externa, já mirando as eleições (no caso, sua reeleição), inclusive tendo declarado que quer estender o acordo a outros países da região do Golfo.
Um golpe negativo para a luta palestina
O estado sionista de Israel impõe um apartheid ao povo palestino a décadas. Esse não é um conflito apenas territorial e a máquina de propaganda israelense, com um discurso embasado e defendido por liberais e conservadores, com o uso de uma história parcial, é de difícil combate. Israel não está apenas se defendendo com a postura vista ontem.
A questão precisa ser analisada pela sua perspectiva anticolonial, até porque o antissionismo não é o mesmo que antissemitismo, isso tem que ficar claro. E ser judeu não significa, automaticamente, ser sionista e vice-versa (os EUA é abertamente sionista).
Aí você me pergunta, o que é ser sionista? Por que isso é um problema? Porque essa posição não é uma posição nacionalista, como muitos pregam, ela é uma posição colonial. A autodeterminação dos judeus é importante, especialmente após os horrores do nazismo (inclusive, o sionismo já existia antes do holocausto e ele não surgiu para combater o antissemitismo nazista). Mas, ideias e conceitos não são a-históricos, eles mudam à medida que vão ganhando campo e poder.
Assim, o sionismo é uma ideologia, com um projeto que visa tomar e ocupar o máximo possível de territórios palestinos e, de preferência, com nenhum ou poucos palestinos permanecendo nesses locais. E isso começou a se concretizar com a formação do estado de Israel, que muito mais do que um estado judeu, é um estado sionista, manipulando o direito de autodeterminação do povo judeu, como apresenta muito bem a socióloga Sabrina Fernandes em uma série de vídeos sobre o tema no seu canal do YouTube, o Tese Onze.
Israel seria um estado voltado para a colonização e não para a nação. A ideologia gerou um estado com base em direitos soberanos dados como preexistentes, abrindo brechas para inúmeras injustiças, violências, opressões e violação dos direitos do povo palestino (que já habitava a região, mas sem estado e também sob colonização de outros países como Egito e Inglaterra, muito antes do estado de Israel existir). Inclusive, o caráter colonial e de expropriação israelense se materializa na economia política, a exemplo do que vemos nos acordos citados acima.
Se você, caro leitor, quer entender melhor alguns dos aspectos históricos desse conflito, uma boa dica para iniciar é o vídeo abaixo, disponível no YouTube com legendas em português: