Marcus Vinícius Beck
“Quem chama meu trabalho de brega ou é mal informado ou mal intencionado”
Entrevista – Odair José
Em conversa com Jornal Metamorfose, cantor fala, entre outras coisas, sobre o novo disco e a conjuntura política do País

O cantor e compositor goiano Odair José, 70, enveredou pelo rock clássico ao lançar neste ano pelo selo Monstro Discos o álbum “Vou Hibernar na Casa das Moças Ouvindo Rádio”. E é claro que o resultado ficou interessante. Conhecido como terror das empregadas na década de 1970 por conta de canções como “Pare de Tomar a Pílula” e “Eu, Você e a Praça”, o músico rechaça o rótulo de brega e diz que quem ainda insiste em chamá-lo dessa forma é mal intencionado ou mal informado.
Em entrevista ao Jornal Metamorfose, Odair falou sobre o novo trabalho e lembrou da clássica ópera-rock “O Filho de José e Maria”, de 1977. O álbum foi responsável por lhe tirar das paradas de sucesso e fez com que ele fosse excomungado pela igreja católica em razão das letras que contavam uma história nada convencional de Jesus Cristo. Na conversa, Odair criticou o apelo armamentista do presidente Jair Bolsonaro e confessou: “votei por convicção no professor Fernando Haddad”.
Confira:
Jornal Metamorfose - Por que escolher o nome do novo trabalho de “Hibernar na casa das moças ouvindo rádio?”
O título define o conteúdo do projeto. E é também o convite inicial pra se envolver com a proposta de um Universo sem regras babacas!
Jornal Metamorfose - Em 2015, você lançou o disco “Homens e Ratos”, que tinha uma sonoridade pesada, com guitarras, baixo e bateria. Houve alguma mudança em sua música dos anos 70 para cá?
“Gatos e Ratos”, meu CD anterior ao Hibernar, era um som de Banda de Garagem que sempre gostei. Eu acredito que o artista precisa evitar se repetir e tento isso o tempo todo, então torço pra que as mudanças estejam perceptíveis. Odeio quando produzo algo que caia na mesmice. Então, espero sinceramente ter mudado.
Jornal Metamorfose - Como você avalia a importância da ópera-rock “O Filho de José e Maria” em sua discografia?
“O Filho de José e Maria”, quando foi lançado em 1977, foi visto como uma verdadeira loucura. O mundo inteiro falou mal e disseram que a minha carreira artística havia acabado. Os amigos lamentaram por mim e os inimigos comemoraram o meu erro.
“O Brasil precisa de uma educação séria e abrangente!”
Jornal Metamorfose - Nos 70 anos, você teve várias músicas censuradas pela Ditadura Militar. Como era falar de temas como direito das empregadas domésticas e prostituição naquela época?
Anos depois o disco é visto como um dos mais importante da discografia brasileira, tanto pela qualidade quanto pela ideia do projeto. O tempo é sempre o melhor crítico e hoje posso afirmar que o meu trabalho com toda certeza teria uma importância bem menor sem esse disco.
Jornal Metamorfose - Aos 70 anos, e com uma baita bagagem musical adquirida ao longo das décadas, como você vê sua obra?
O meu trabalho sempre foi falar de temas que vão de encontro às necessidades do momento em que estou vivendo. Tirar sujeiras escondidas sobre o manto da eterna hipocrisia e colocar em debates e, evidentemente, isso sempre causa estranheza ao sistema estabelecido, e torna-se relevante quando feito de forma sincera. Aí acontecem as dificuldades, como a censura de Estado e a falsa moral existente cada vez mais forte ainda hoje na sociedade.
Jornal Metamorfose - Pensa em um novo trabalho? Quais rumos estéticos e conceituais tem em mente e o que acha importante um artista abordar neste momento histórico?
Acho que tive bons e maus momentos, mas a soma dos resultados é positiva e eu, se o tempo e o corpo permitirem, vou tentar fazer melhor.
Eu sempre penso em novos trabalhos, mas no momento estou totalmente envolvido com o “Hibernar na Casa das Moças Ouvindo Rádio”! O artista não pode fingir que tudo está certo, belo como um Arco-íris! Não pode se esconder na zona de conforto. O artista tem a obrigação de se posicionar, e se for razoável, sempre do lado do povo!

Clássica ópera-rock
Jornal Metamorfose - Ainda existe a pressão das gravadoras sob o artista como antigamente, ou as plataformas de streaming mudaram isso? Como você enxerga as novas tecnologias?
Estou já faz tempo fora das gravadoras por opção. Prefiro correr riscos com as minhas produções do que repetir fórmulas e fazer negócios em vez de Arte. Gravadoras só visam lucros, funcionam como empresa e não como um veículo de Cultura. As plataformas são hoje o canal pra se mostrar o trabalho, isso inclui também as gravadoras.
Jornal Metamorfose - Em suas entrevistas, você sempre repudia o termo brega. Por quê?
Como alguém pode concordar com um adjetivo tão preconceituoso. Eu faço música desde os sete anos de idade e posso aceitar que as pessoas não gostem daquilo que faço, mas desrespeitar não. Quem chama o meu trabalho de brega ou é mal informado ou mal intencionado!
Jornal Metamorfose - O que você pensa sobre a gestão de Jair Bolsonaro?
Eu não penso absolutamente nada. Votei por convicção no professor Fernando Haddad do PT.
“O meu trabalho sempre foi falar de temas que vão de encontro às necessidades do momento em que estou vivendo”.
Jornal Metamorfose - Como você avalia o discurso armamentista que vem ganhando cada vez mais espaço em nossa sociedade?
“Chumbo Grosso”, a sexta faixa do meu novo CD, em que eu tenho como convidadas Raquel e Assucena Assucena das Bahias e a Cozinha Mineira nos vocais, faz uma crítica irônica sobre esse assunto. Sou totalmente contra. Um retrocesso gigante!
Jornal Metamorfose - Em sua visão, o País corre o risco de flertar com o autoritarismo?
Alguns brasileiros estão brincando com coisa séria, outros estão se deixando manipular por interesses que não passam perto das suas verdadeiras necessidades. Isso não é um flerte e sim um casamento que não pode dar certo!
Jornal Metamorfose - Em suas entrevistas, você menciona que ainda há questões que são consideradas tabus em nossa sociedade. Como você vê isso?
Enquanto houver esse Manto da Falsa Moral atrelada com a Hipocrisia manipulada por um exagero religioso vão existir Tabus. O Brasil precisa de uma educação séria e abrangente!