Júlia Moura
Orides Fontela: entre a megera e a poeta
Literatura
Conheça Orides Fontela, uma das mais importantes poetas contemporâneas brasileiras

Orides era conhecida pelo seu amor aos animais. Foto: Reprodução
Orides Fontela nasceu na cidade de São João da Boa Vista, em 1940. Formada pelo curso de Filosofia da Universidade de São Paulo. Foi premiada com o Jabuti de Poesia, em 1983, em função ao livro Alba, recebeu também o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte, pelo livro Teia, em 1996. Publicou trabalhos no O Município, periódico de sua terra natal e no Suplemento Literário do jornal O Estado de S. Paulo. Em 2007 o Ministério da Cultura homenageou-a com a Ordem do Mérito Cultural, categoria Grã-Cruz.
Infelizmente, no final da vida, acabou sendo despejada de seu apartamento no centro da cidade e foi viver com sua amiga Gerda na Casa do Estudante Universitário. A escritora carregava consigo uma irritação natural com inúmeras coisas, era uma mulher de personalidade marcante e muitas vezes se meteu em conflitos, brigando com seus melhores amigos. Morreu em Campos de Jordão, aos 58 anos, no dia 2 de novembro de 1998, de insuficiência cardiopulmonar, provocada por uma tuberculose, na Fundação Sanatório São Paulo. Não fosse a ajuda de um médico da Fundação, que viu um livro juntamente com os objetos pessoais de Orides, a poeta poderia ter morrido como indigente.
“Tem um dos dons essenciais da modernidade: dizer densamente muita coisa por meio de poucas, quase nenhumas palavras, organizadas numa sintaxe que parece fechar a comunicação, mas na verdade multiplica as suas possibilidades. Denso, breve, fulgurante, o seu verso é rico e quase inesgotável, convidando o leitor a voltar diversas vezes, a procurar novas dimensões e várias possibilidades de sentido”, menciona o crítico Antonio Candido sobre a poética singular de Orides, indubitavelmente uma das mais importantes poetas contemporâneas do País.
Nesse sentido, “Rosa” (1969), poema de Orides, exprime com excelência o projeto artístico-literário da poeta.
"Eu assassinei o nome
da flor
e a mesma flor forma complexa
simplifiquei-a no símbolo
(mas sem elidir o sangue).
Porém se unicamente
a palavra FLOR – a palavra
em si é humanidade
como expressar mais o que
é densidade inverbal, viva?
(A ex-rosa, o crepúsculo
o horizonte.)
Eu assassinei a palavra
e tenho as mãos vivas em sangue."
Intitulado Rosa, o poema tem, como ponto de partida, a flor e suas atribuições simbólicas possíveis, e nelas se ancora. O poema, nessa perspectiva, constrói a simbologia da flor, ao mesmo tempo em que é construído por ela.
Essa relação dialética só é possível porque é transpassada por uma voz autocentrada, que não se volta apenas para si mesma, mas também aponta para os elementos que evoca, atribuindo a eles uma reflexão lírica sobre a experiência vivida na linguagem. Depois de “assassinada” pela eu lírica, a arbitrariedade do nome rosa é substituída pela simplificação no símbolo, mantendo, no entanto, sua essência (“mas sem elidir o sangue”).
A eu lírica, em vez de expressar a palavra rosa e, em seguida, compor o poema, opta por subverter a isso, já que em momento algum, senão no título, expressa o nome rosa; alude, na verdade, a toda sua significação simbólica vivenciada na linguagem poética. Preservada sua essência no símbolo, a flor é tencionada, portanto, além do signo verbal, de modo que a especificidade estética do poema encontra sua medida.
"O grande bem que nos deixou é a sua poesia. Não pretendo aqui reforçar os traços da personalidade da Orides Fontela e sua dificuldade em fazer e manter amizades. Orides Fontela deve ser vista como aquela poeta capaz de dizer muito com o mínimo de palavras. Foi um anjo torto, às avessas, sarcástico nos seus comentários, impiedoso, inteligente e selvagem. Capaz de trazer tensão ao ambiente e criticar em voz alta a leitura de outros poetas." - Donizete Galvão