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  • Foto do escritorMarcus Vinícius Beck

Pela preservação da memória

Cinema

Com menção Honrosa na última edição Festival É Tudo Verdade, documentário faz oposição ao revisionismo histórico ao retratar ditadura a partir de recorte familiar

Documentário ‘Fico Te Devendo Uma Carta Sobre o Brasil’  aborda ditadura a partir de recorte pessoal - Foto: Ricardo Azoury/ Divulgação A História é uma ciência nebulosa, e talvez por isso de tempos em tempos seja comum haver desastres em seu percurso: ditaduras se estabelecem com uma facilidade que é inexistente na hora de tirá-las do poder. No Brasil, por exemplo, os militares colocaram o Palácio do Planalto à disposição dos civis após negociarem uma abertura política que não lhes incriminassem ao mesmo tempo em que fingiam consentir com a anistia. 

Sem uma justiça de transição que efetivamente tenha punido torturadores e assassinos do período fardado, o País passou a assistir desde a eleição de Jair Bolsonaro a uma guerra de narrativas que colocou o legado do regime militar no centro do debate. Hoje não se deve falar, refletir ou investigar o passado... Mas não falar é esquecer, não refletir é ser conivente com negacionistas e não investigar é deixar impune os criminosos dos porões.

E foi a partir dessa necessidade que a diretora Carol Benjamin sentiu que deveria fazer o documentário “Fico Te Devendo Uma Carta Sobre o Brasil”. Disponível gratuitamente no Globoplay até a próxima quinta-feira (19), o longa mostra a história de três gerações da família de Carol que foi atravessada pelo regime de exceção: seu avô era coronel do Exército, enquanto seu pai, César Benjamin, foi detido ilegalmente aos 17 anos, em 1971, e ficou numa cela solitária por três anos e meio, além de mais dois em prisão comum.  

A detenção e tortura do filho mais novo levou a dona de casa Iramaya Benjamin, avó da diretora, a se transformar numa militante incansável pela anistia. “Acho que tem uma história muito interessante e orgânica, porque não é um filme pautado em heróis”, diz a documentarista em entrevista ao Jornal Metamorfose. Por conta da pressão de Iramaya, o caso de César logo foi adotado pela Seção Sueca da Anistia Internacional, mas apenas em 1976 ele foi considerado “Prisioneiro da Consciência".


Trailer do filme.

Sob forte pressão dos organismos internacionais, o governo brasileiro se viu obrigado a exilar o pai de Carol na Suécia, e por lá ele ficou durante dois anos. E no esforço de resgatar as memórias de sua família, “Fico Te Devendo” começa com imagens de Estocolmo numa narração em off sobre como o Brasil serviu de modelo para regimes sanguinários da América Latina – a exemplo do implantado por Augusto Pinochet, no Chile. “Ao longo do processo vi que falar sobre a ditadura era uma necessidade, tinha de colocar isso no filme”, recorda-se a diretora. 

Para o filme, Carol revela que chegou a estudar a Lei da Anistia, já que sempre tinha ouvido falar dela, mas nunca a compreendeu muito bem. “A Lei era um pacto de silenciamento do passado e acabou chegando até os dias de hoje”, explica. No país europeu, numa emocionante cena que integra o longa, a diretora se encontrou com Marianne Eyre, membra da Anistia Internacional desde 1966, com quem sua avó se correspondia por meio de cartas e de quem ela acabou se tornando amiga e confidente. 

"Com muita sensibilidade, abrindo os porões de sua família, Carol investiga o silêncio que contaminou três gerações e todo um país. Precisamos da nossa memória para recontar nossa história e nos reconhecer. “Fico Te Devendo Uma Carta Sobre o Brasil” é um exemplo corajoso de como devemos nos investigar para ir além e construir novas perspectivas de futuro”, afirma a atriz Leandra Leal, produtora do documentário. 

Narrado em primeira pessoa, “Fico Te Devendo” é um filme corajoso e dirigido de forma segura por Carol, lançando um olhar sensível sobre as masmorras do autoritarismo fardado. “Espero sinceramente que a história da minha família possa contribuir para a abertura de um diálogo mais empático em torno de um tema tão caro para todos nós, que é a manutenção do pacto democrático”, afirma Carol Benjamin.

O cinema, colhendo os frutos das políticas públicas implantadas na última década, cumpre o papel de mostrar nossas feridas. Ainda bem.

‘Fico Te Devendo Uma Carta Sobre o Brasil’ Diretora: Carol Benjamin Gênero: Documentário Duração: 88 minutos Disponível no Globoplay e para não assinantes do Canal Brasil


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