Victor Hidalgo
Perseguição a ciganos gera chacina no interior da Bahia
Reportagem
Instituto Cigano Brasil afirma que chacina em Vitória da Conquista foi motivada por racismo e vingança por parte da polícia militar baiana

Ciganos são assassinados em Vitória da Conquista, interior da Bahia, em operação policial. Foto: ICB/Reprodução
A perseguição aos ciganos é mais antiga que a própria colonização da América Latina. Os ciganos chegaram nas Américas por imposição, vieram para os territórios latinos justamente pela perseguição em outros países, como Espanha e Portugal. Infelizmente, as práticas de racismo e anticiganismo continuam perpetuando na sociedade, no Brasil não é diferente.
Na manhã do dia 13 de julho, dois policiais militares, o soldado Robson Brito de Matos, 30 anos, e o tenente Luciano Libarino Neves, 34 anos, morreram após troca de tiros com Ciganos no município de Vitória da Conquista, Bahia.
A Polícia Militar, em retaliação, começou uma caça aos suspeitos do crime, gerando um sentimento de insegurança na cidade, provocada pela ação truculenta da polícia, que adentraram na casa de ciganos sem permissão, os agredindo física e verbalmente, além de denúncias de tortura por três adolescentes e uma idosa de 82 anos.
Rodrigo Silva Matos é pai dos acusados pelo crime e acabou sendo baleado e hospitalizado, já se recuperou e hoje se encontra no presídio. Já sua mulher, Rita Mendes, agora com quatro noras viúvas, dos seus dez filhos, oito foram assassinados, entre eles, uma criança de treze anos, o Moraes, e outro adolescente de dezesseis anos, Lindomar. Além das mortes na família, outras duas pessoas não ciganas foram assassinadas. Um jovem de quinze anos chamado Ademilson Almeida, no dia 13 de julho por volta das 22:00, e no dia 18 um empresário foi alvejado.
Dois ciganos continuam foragidos, Diogo da Silva Matos de 34 anos e Charles da Silva Matos, 18 anos. Além da filha de Rita Moraes e Rodrigo, Claudia da Silva Matos de 36 anos com três filhos, que também se encontra em lugar incerto.
Rogério Ribeiro, cigano e presidente do Instituto Cigano do Brasil (ICB) e membro da Comissão de Promoção de Igualdade Racial da OAB do Ceará, em entrevista ao Jornal Metamorfose afirmou que o ICB foi acionado por algumas famílias ciganas temendo um genocídio no local.
“Nós estivemos em Vitória da Conquista entre os dias 19 e 22 de julho, com nossa chegada fomos recepcionados por três delegados da Polícia Civil, Doutor Fabiano Auriste e Doutor Roberto Júnior, e também com outro delegado do Departamento de Repressão ao Crime Organizado (DRACCO). Naquele momento, estávamos tentando elaborar uma estratégia para que os ciganos pudessem se render, porque no dia 19 julho foram quatro mortes”, relata Rogério.
Para o presidente do ICB, a maior preocupação no momento é a sede de vingança por parte da Polícia Militar. “Estávamos dialogando com os delegados para tentar uma rendição dos ciganos com segurança para eles poderem responder o processo e entender o que realmente aconteceu naquele dia 13 de julho”, explica Rogério ao JM.
O Instituto elaborou um relatório minucioso sobre o caso e enviou para a Defensoria Pública, OAB, Ministério Público, Defensoria Pública da União (DPU), Comissão Internacional de Direitos Humanos, Procuradoria Geral da República e para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Vitória da Conquista. Diversas associações ciganas, simpatizantes, ativistas, antropólogos, historiadores e cientistas se reuniram no dia 13 de julho e produziram uma nota pública informando em detalhes o ocorrido.
Rogério Ribeiro, presidente do ICB. Foto: Reprodução/ICB

No relatório encaminhado, o ICB condena o incentivo a violência e ao ódio por parte de alguns polícias em grupos de WhatsApp e pelo Instagram oficial da polícia, que incentivou os atos de truculência.
“A PM tem a prática em dizer que é confronto e nós questionamos isso, essa palavra “confronto” vimos nitidamente nessas últimas mortes do Solon, Marlon e do Bruno no vídeo que eles executaram esses três, na cidade de Anagé, e os corpos foram jogados em uma sala de hospital e um servidor público grava o vídeo. Acionamos a polícia civil para identificar esse funcionário, para que ele responda por esse ato. Ele mostrou o vídeo insultando os três mortos, observamos alguns sinais de tortura no arquivo. No outro dia, na mesma região, foi morto Lindomar de apenas 16 anos. E mais uma vez falaram que foi confronto”, explica Rogério.
A arma de Lindomar foi apreendida, e segundo Rogério, verificaram que as munições estavam intactas. Ele também relata que não foi efetuada perícia no local, que torturam e matam para depois levar em uma Unidade Básica de Saúde informando que tentaram socorrer.
Acolhimento e futuro
No último dia 13 completou-se dois meses da chacina em Vitória da Conquista, ainda sem resolução para os acontecimentos. Porém, foi aceito o pedido do ICB ao Ministério Público para que sejam realizadas investigações sobre o caso.
O Instituto Cigano do Brasil atualmente acolhe três adolescentes, uma senhora e mais quatro ciganos adultos. Rita Mendes, mãe que perdeu 8 filhos na tragédia, foi encaminhada para o programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas no último dia 26 de julho, com três adolescentes e as viúvas dos filhos.
Segundo relatos de Rita, eles ficaram em uma casa de um policial, que também seria dono de um bar, tudo ocorria tranquilamente até que o policial e um tutor que cuidava da casa ficaram sabendo da morte dos quatro filhos. Após descobrirem que Rita e as outras pessoas que estavam sendo acolhidas tinham vínculo com o ocorrido em Vitória da Conquista, ambos começaram a agir de forma estranha, até deixando de atender eles.

Rita, as viúvas e os netos em local seguro. Foto: ICB/Reprodução
“Elas ficaram apavoradas e fugiram, abandonaram o programa PROVITA, entre o dia 30 e 31 de agosto, elas me ligaram dizendo estarem no interior da Bahia passando fome, necessidades”, relata o diretor do ICB, Rogério Ribeiro ao JM.
Logo em seguida, o Instituto Cigano do Brasil (ICB) mobilizou acolhimento para as vítimas que foram para uma pousada no interior da Bahia. No dia 3, o instituto conseguiu recursos para levá-los até uma propriedade privada vinculada ao ICB. “Estamos buscando ajuda para a questão de alimentação, sendo que são três crianças e acabamos recebendo elas bem assadas, por três dias sem poder dormir direito. Elas estão em um lugar muito seguro para o nosso alívio”, explica o diretor.
No dia 12 de agosto, o instituto enviou para a procuradoria geral da República, através da advogada Eliana Torrely, um pedido para que o caso dos ciganos assassinados fosse federalizado. No documento foi pontuado que os policiais militares envolvidos nas mortes foram parabenizados por dirigentes da PM de Anagé, além da desarticulação entre a polícia civil e militar, a fragilidade no acolhimento das testemunhas. Também consta o Ministério Público Estadual da Bahia leniente com os policiais arquivarem imediatamente a investigação.
O documento também foi enviado para instituições de direitos humanos internacionais, como a rede de Gitanos da Espanha, procedimentos especiais do conselho de direitos humanos da ONU, representante especial do secretário-geral da ONU para prevenção de genocídio, relatoria especial dos direitos de pessoas de origem africana e contra discriminação racial.
“Nós encaminhamos para a comissão de direitos humanos da Camara Federal, onde tem o Carlos Veras do PT que é o presidente da Comissão, e no senado para Humberto Costo, senador do PT que é o presidente da comissão de direitos humanos do senado”, conta Rogério Silva.